O Projeto Master Gunner e seus reflexos para a tropa blindada brasileira

Major Daniel Bernardi Annes

A aquisição de novas plataformas de combate trouxe um substancial incremento em matéria de poder de fogo, tornando necessário adaptar o processo de instrução da tropa blindada brasileira.

A fim de atender a esta nova demanda, o Exército Brasileiro adotou, em 2010, o projeto Master Gunner, como parte do projeto Leopard. Neste escopo, o presente ensaio tem por objetivo apresentar um histórico do projeto e alguns de seus reflexos nos vetores de transformação: educação e cultura; preparo e emprego; logística; e ciência e tecnologia.

Verificou-se que o primeiro reflexo significativo se deu no vetor educação e cultura, com a criação do curso Avançado de Tiro no País. A qualificação dos recursos humanos serviu como catalisador, desencadeando as mudanças nos demais vetores.

O presente estudo sugere que no preparo e emprego, o projeto promoveu a alteração no ciclo de preparo das guarnições. Na logística, favoreceu a aquisição de diversos meios de simulação e permitiu a sistematização das técnicas, táticas e procedimentos para a obtenção e controle dos valores de frota.

No vetor ciência e tecnologia, propiciou a crescente participação em fóruns nacionais e internacionais, o que vem permitindo o contato com inovações tecnológicas e soluções no estado da arte quanto ao emprego de blindados. Por fim, a investigação nos permitiu inferir que o modelo adotado vem se mostrando atual e adequado, atendendo às expectativas a que se propôs.

INTRODUÇÃO

No início do século XXI, em face da necessidade de adequação às exigências do combate moderno, o Governo Brasileiro empreendeu uma nova estruturação de sua defesa. Uma série de documentos foi normatizada com reflexos para todo o setor, inclusive para as forças blindadas.

No contexto do reaparelhamento e adequação do Exército Brasileiro (EB) ao cenário que atualmente se descortina, a aquisição de modernas viaturas blindadas teve como fulcro a recuperação da capacidade operacional, dotando as unidades operacionais de produtos de defesa imprescindíveis ao seu emprego operacional (BRASIL, 2010a).

A aquisição das novas plataformas de combate trouxe um substancial incremento em matéria de poder de fogo, tornando essencial adaptar o processo de instrução e execução do tiro a fim de que fosse obtido todo o rendimento das novas potencialidades, bem como definir os meios de apoio à instrução necessários para que tal intento se tornasse viável (BRASIL, 2010b).

A fim de atender a esta nova demanda, o Brasil adotou o projeto Master Gunner como parte do programa Leopard. O projeto teve início em 2010, a partir da aquisição dos novos carros de combate Leopard 1 A5BR, na intenção de aumentar a proficiência das guarnições e a eficiência da tropa blindada dotada desses meios.

Nesse escopo, o presente ensaio tem por objetivo apresentar alguns reflexos do projeto Master Gunner para a tropa blindada brasileira. A fim de atingir este objetivo, será apresentado um breve histórico do referido projeto e, a seguir, serão elencados alguns de seus reflexos dentro dos vetores de transformação: educação e cultura; preparo e emprego; logística; e ciência e tecnologia.

HISTÓRICO DO PROJETO MASTER GUNNER

No início de 1974, altos dirigentes do Exército dos Estados Unidos da América (EUA) analisavam as batalhas blindadas da Guerra do Yom Kippur, sabendo que a tropa blindada americana poderia vir a enfrentar este mesmo tipo de combate.

A Guerra confirmou a necessidade de proficiência das guarnições dos Carros de Combate (CC) em todos os níveis, pois ter o melhor equipamento não seria o bastante.

Haja vista que, durante o conflito, Israel, que se sagrou vencedor, contava, em sua ordem de batalha, com cerca de 415 mil soldados, 1500 CC e cerca de 3000 blindados, enquanto os árabes contavam com um efetivo de cerca de 1100 mil soldados, 4500 CC e 3800 blindados (RIPLEY, 1991).

Com estas informações, os oficiais da escola blindada norte-americana realizaram estudos de Estado-Maior a fim de encontrar a maneira mais adequada para aumentar a prontidão das suas unidades blindadas, bem como sua proficiência de tiro.

Como resultado do estudo, chegou-se à conclusão que cada unidade deveria ter um especialista no CC com a missão de auxiliar o comandante tático e assessorá-lo no desenvolvimento e na execução de seu programa de tiro.

Baseando-se em uma tradição do exército britânico, surgiu o termo Master Gunner, que deriva da frase “mestre de tiro”. A partir desses pressupostos, o programa Master Gunner foi criado em 1975, nos EUA.

Ao Fort Knox, lar da guerra embarcada daquele país, coube à missão da formação dos primeiros especialistas dos EUA, que teriam a responsabilidade de conduzir a tropa blindada ao mais alto nível de adestramento (ARMOR MAGAZINE, 1975).

Em 1991, a tropa blindada dos EUA, treinada pelos Master Gunners, teve seu batismo de fogo na Operação Tempestade no Deserto, no Iraque. A coalizão reuniu mais de 900 mil homens sob o mandato da Organização das Nações Unidas e após pouco mais de 100 horas de combate terrestre a operação chegou ao fim.

O Kuwait foi liberado e os objetivos da coalizão foram atingidos (RIPLEY, 1991). Diante do sucesso alcançado pelos Master Gunners norte-americanos, muitos países passaram a formar seus próprios quadros de especialistas.

No Brasil, a incorporação das Viaturas Blindadas de Combate Carro de Combate (VBCCC) Leopard 1 A5BR trouxe um substancial incremento em matéria de poder de fogo.

Deste salto qualitativo surgiu a necessidade de adaptar o processo de instrução de tiro para obter todo o rendimento das novas potencialidades e redefinir os meios necessários de apoio à instrução (BRASIL, 2010b).

EDUCAÇÃO E CULTURA

Com o intuito de mobiliar seus quadros com especialistas desta natureza, o EB buscou, inicialmente, a qualificação no exterior. A grande dificuldade encontrada foi o próprio material de emprego militar (MEM) adotado, pois a grande maioria dos países já não adotava, em 2010, o Leopard 1 A5 como CC principal.

Logo, não havia pessoal capacitado a operar os referidos meios nos quadros ativos daqueles exércitos. A solução adotada foi enviar militares ao Chile para realizar o Curso de Instructor Avanzado de Tiro en el Sistema de Armas Leopard 2 A4, nome dado pelos chilenos para o curso de Master Gunner.

Apesar do curso especializar militares em outra plataforma de combate, o sistema de controle de fogo da versão chilena com o Leopard 2 A4 era muito similar à versão adotada pelo Brasil (BRASIL, 2010b).

Em 2010, foram enviados quatro militares brasileiros para o Chile. Dois para realizarem o curso de Master Gunner na viatura Leopard 2 A4 e outros dois para realizarem o estágio de instrutor, na modalidade on-the-job training, com a missão de acompanhar o cotidiano do curso, a montagem das instruções e das avaliações.

Figura 1: Curso de Instructor Avanzado de Tiro no Chile. Fonte: arquivo pessoal do autor.

A fim de complementar a formação dos primeiros especialistas brasileiros acerca deste assunto, a solução encontrada foi terceirizar a especialização no Brasil.

Para tanto, naquele mesmo ano, foi contratada a empresa alemã Logistik Systeme Detreuungs Gesenhlsehaft MBH (LOG) que, com militares alemães da reserva, conduziu o curso de Operação e Instrutor de Tiro da VBCCC Leopard 1 A5BR, seguindo as orientações constantes da Diretriz para a Capacitação de Recursos Humanos para a família de blindados Leopard 1 (BRASIL, 2009).

O curso em tela, como o próprio nome sugere, foi um misto do curso de operação com o curso de instrutor de tiro, que viria a ser o curso de Master Gunner alemão.

Ao final, foram especializados mais seis militares do Centro de Instrução de Blindados (CI Bld). Uma vez reunidos os primeiros especialistas, foi criado um grupo de trabalho no CI Bld, a fim de propor a regulamentação da criação de um curso equivalente no país.

Quanto ao nome do curso, imediatamente o grupo de trabalho percebeu que o termo Master Gunner em inglês não atenderia a expectativa da tropa blindada brasileira. Começou-se então uma investigação junto aos países que conduziam cursos desta natureza. Verificou- se que a grande maioria mantinha o termo em inglês.

Até mesmo Portugal, sob a justificativa de que seus Master Gunners eram formados nos EUA e não em curso local. Constatou-se que apenas dois países de origem latina não adotavam o termo em inglês: Espanha e Chile.

Em ambos os países o curso passou a se chamar Curso de Instructor Avanzado de Tiro. Diante do cenário apresentado, pareceu mais conveniente propor uma terminologia nacional, traduzida do espanhol.

Após aprovação do Estado Maior do Exército, em 2012, o Brasil normatizou a formação destes especialistas. O curso passou a se chamar Curso Avançado de Tiro do Sistema de Armas da VBCCC Leopard 1 A5 BR e passou a funcionar anualmente, a partir de 2013, no CI Bld.

Os programas de instrução incluíram disciplinas como armamento principal e secundário, sistema elétrico e hidráulico da torre, procedimentos de colimação e correção em zero, organização de polígonos de tiro, sistema de controle de tiro, técnicas de tiro, balística, emprego de simuladores e análise do sistema de armas inimigo.

Tais disciplinas fornecem as ferramentas que capacitam os concludentes do curso a exercerem funções primordiais na instrução nos corpos de tropa e habilita os mesmos a serem assessores de alto nível de seus comandantes táticos no que diz respeito ao sistema de armas (BRASIL, 2011).

 

Figura 2: Curso de Instructor Avanzado de Tiro no Chile. Fonte: arquivo pessoal do autor.

PREPARO E EMPREGO

A guarnição do carro de combate é composta por quatro militares: o auxiliar do atirador, o motorista, o atirador e o comandante do carro (BRASIL, 2014). A forma como cada um dos integrantes da guarnição é formado varia de país para país, mesmo naqueles que operam a mesma plataforma de combate.

Alguns países como Bélgica e Chile adotam sistemas totalmente centralizados de formação, ou seja, todos os membros da guarnição são formados exclusivamente nos centros de instrução nacionais.

Por outro lado, Alemanha, Canadá, Dinamarca, Espanha, EUA e Noruega defendem o modelo de formação descentralizado, alegando que os Instrutores Avançados de Tiro (IAT) formados nos centros de instrução nacionais possuem todas as condições de conduzir a formação nas unidades, desde que possuam orientação e meios para tal (BRASIL, 2010c).

No Brasil, a conscrição é uma realidade. Nos Regimentos de Carros de Combate (RCC), cerca de 20% dos cabos e 60% dos soldados pertencem ao efetivo variável. Nos Regimentos de Cavalaria Blindados (RCB), esta porcentagem é ainda maior: 40% dos cabos e 60% dos soldados estão prestando o serviço militar obrigatório.

O ano de instrução do efetivo variável contempla cerca de 14 semanas para a Instrução Individual Básica, 11 semanas para a Instrução Individual de Qualificação (somente individual) e 11 semanas para o adestramento. Nesse planejamento, a Capacitação Técnica e Tática dos soldados do Efetivo Profissional deve ocorrer concomitantemente com as demais atividades (BRASIL, 2012).

Ao observar esse planejamento, percebeu-se que a Instrução Individual consumia a grande maioria do tempo destinado à instrução e que a unidade somente atingiria sua operacionalidade plena ao término do ano.

Nos programas de instrução, até o ano de 2012, não havia prioridade na formação de um ou outro integrante da guarnição. Não havia curso destinado ao comandante do carro, pois esta função é desempenhada por oficiais ou sargentos que, teoricamente, já saem das escolas de formação com essa habilitação.

A integração da guarnição ocorria somente em curto período, ao final do ano, destinado ao adestramento e os militares do Efetivo Profissional dedicavam-se durante o resto do ano, prioritariamente, à instrução em detrimento do adestramento.

Nesse contexto, uma proposta de novo formato de instrução foi elaborado pelos IAT do CI Bld, a fim de proporcionar treinamentos mais abrangentes, explorando ao máximo o potencial da plataforma blindada. A proposta previa uma sistemática de capacitação mista.

Figura 3: Proposta de formação integrada ao uso dos simuladores. Fonte: CI Bld.

Caberia ao CI Bld a capacitação dos instrutores das Seções de Instrução de Blindados Regimentais e a padronização do conhecimento a ser difundido, bem como dos meios de apoio à instrução e da metodologia a serem utilizados.

Às unidades caberia a formação de cada um dos integrantes das guarnições, nas próprias Seções de Instrução de Blindados. Para cumprir esta missão, as unidades poderiam valer-se tanto do assessoramento técnico do Centro quanto dos meios de simulação disponíveis naquele estabelecimento de ensino.

A fim de atender a orientação do Programa de Instrução Militar do ano de 2013, alguns RCC reorganizaram seus efetivos, mantendo dois Esquadrões de Carros de Combate com 100% de pessoal do efetivo profissional e dois Esquadrões de Carros de Combate compostos por efetivo profissional e variável.

A um desses esquadrões foi atribuída a missão de estruturar a Seção de Instrução de Blindados do Regimento e formar os motoristas, atiradores e comandantes de carro de combate.

Ao outro foi atribuída a missão de formar o efetivo variável, qualificando- o auxiliar de atirador. De forma análoga, os RCB mantiveram um Esquadrão de Carros de Combate com 100% de pessoal do efetivo profissional e um Esquadrão de Carros de Combate com efetivo misto (BRASIL, 2013).

Em 2014, com a aprovação do Programa Padrão de Instrução de Qualificação de Guarnição de Carro de Combate Leopard 1 A5 BR (PPQ 02/2A), a qualificação de cada um dos integrantes da guarnição do carro de combate passou a funcionar de acordo com o modelo proposto.

Esta proposta inovadora de Programa-Padrão trouxe em um único caderno seis Programas-Padrão, os quais, aplicados de maneira sincronizada, viabilizaram a atuação conjunta da guarnição do carro de combate. Todos os soldados do efetivo variável passaram a ser formados na função de auxiliar de atirador, já no seu primeiro ano de serviço militar.

Dentro da disponibilidade de vagas da unidade, os militares no primeiro engajamento são designados para o Curso de Formação de Cabo e todos passaram a ser formados na função de motorista. A formação do atirador e do comandante de carro de combate passou a ser semelhante, com as mesmas disciplinas e carga horária.

A diferença se procede no universo de seleção: enquanto os futuros atiradores são selecionados dentre os melhores cabos motoristas, o estágio de comandante de carro destina-se aos oficiais e sargentos egressos das Escolas de Formação e ou transferidos para as unidades dotadas da nova VBCCC.

A integração da guarnição passou a dar-se ainda no período destinado a Instrução Individual de Qualificação (BRASIL, 2014). Esta nova sistemática de formação se refletiu nos exercícios de tiro.

Assim, juntamente com a proposta de alteração no ciclo de preparo das guarnições de carros de combate, foi elaborada uma proposta de inserção de um capítulo sobre o tiro da VBCCC Leopard 1 A5BR nas Instruções Gerais de Tiro com o Armamento do Exército (IGTAEx).

Essa proposta apresentada considerou o carro de combate como um sistema de armas, não cabendo, portanto, a subdivisão de suas instruções de tiro para cada um de seus armamentos componentes.

Considerou, ainda, que como sistema de armas, seu tiro é realizado pela sua guarnição, dentro da qual cada integrante possui uma função específica. O treinamento permeia todo o ano de instrução e está concatenado com os demais objetivos constantes do programa padrão de instrução.

Além disso, a maior parte das atividades de instrução passou a ser conduzida em simuladores. Esta decisão contribuiu sobremaneira para a diminuição dos custos de formação, além de preservar o material de guerra e permitir recuperar os objetivos de instrução quantas vezes fossem necessárias.

As guarnições passaram a atender ao atual conceito de treinamento multifuncional, uma vez que, com mais ou menos habilidade, cada integrante tem condições de desempenhar temporariamente uma função distinta da sua, mantendo o mesmo operativo em situações de exceção.

Ademais, os esquadrões compostos apenas por militares do efetivo profissional passaram a ter como única preocupação o adestramento, mantendo- se em condições de atender às necessidades decorrentes dos Planos Operacionais relativos às Hipóteses de Emprego do EB.

LOGÍSTICA

Um dos fatores a ser observado no processo de transformação do sistema logístico é a adoção de uma organização que possibilite o controle eficiente de todo o ciclo de vida dos MEM (BRASIL, 2010a).

Este aspecto cresce de importância quando tratamos de tropas blindadas, pois além de considerarmos as grandes montas de investimentos para sua aquisição e manutenção, há que se levar em conta o grande consumo de combustível e munição desde a preparação das guarnições até o seu emprego (BRASIL, 2010b).

Atento a estes custos elevados, o EB limitou a utilização das VBCCC, condicionando-as a um Regime de Utilização Máximo (RUM) compatível com a disponibilidade dos recursos necessários para manter a frota.

Este regime condicionou tanto a quilometragem a ser percorrida quanto os disparos reais a serem executados ao ano com cada uma das VBCCC (RIBEIRO, 2012).

Sinérgicos com o posicionamento do EB, os IAT vêm prestando os assessoramentos necessários no intuito de implementar ou ampliar o uso de simuladores na formação e adestramento das tropas blindadas.

A inserção destes meios de apoio à instrução tem por finalidade permitir a transmissão de conhecimentos de forma sólida, salvaguardar a segurança dos operadores em formação e poupar o material de emprego militar. Muitas das sugestões realizadas foram aceitas e a aquisição de vários simuladores foi incluída no bojo do projeto Leopard.

Visando desenvolver a interação do homem com máquina, foram adquiridos o Simulador de Procedimentos de Torre e o Simulador de Procedimentos de Motorista. Visando desenvolver a interação do homem com o ambiente, foram adquiridos o Treinador Sintético Portátil e o Treinador Sintético de Blindados.

E, por último, visando proporcionar o máximo de realismo ao empregar o próprio meio de combate, com a capacidade de operar em conjunto e simulando oponentes, foi adquirido o Dispositivo de Simulação de Engajamento Tático (BRASIL, 2010b).

Uma vez adquiridos, os meios de simulação passaram a fazer parte da gama de materiais utilizados na formação e adestramento das guarnições e frações blindadas. O amplo emprego destes meios de apoio à instrução vem tornando viável a adequada formação das guarnições, em que pese às restrições impostas pelo RUM.

Figura 4: Protocolo de Correção em zero. Fonte: arquivo pessoal do autor.

Os IAT exercem, ainda, um papel fundamental na obtenção e controle dos valores da frota. Tais dados englobam os valores de colimação dos carros, que são o conjunto de operações realizadas no carro de combate a fim de fazer convergir o armamento; e a aparelhagem de pontaria, garantindo assim a precisão dos disparos, e os dados obtidos na correção em zero, que tem por finalidade encontrar os requisitos técnicos para o tiro, fazendo coincidir o ponto médio de impactos de uma série de tiros com o ponto de pontaria através da determinação dos valores de falha de cada tipo de munição. Ambos dados influenciam diretamente na expectativa de impacto e são de responsabilidade exclusiva dos IAT (BRASIL, 2015).

CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Depois do êxito atingido pelo projeto Master Gunner nos Estados Unidos, vários países passaram a implementar programas similares em seus exércitos. Cada país, à sua maneira e dentro de suas capacidades e limitações, enfrentou alguma dificuldade neste processo e vivencia em seu cotidiano, de uma maneira ou de outra, desafios similares aos enfrentados pelos combatentes blindados de todo o mundo.

Assim, a fim de trocar experiências e compartilhar soluções, em nível mundial, foi criada a International Master Gunner Conference (IMGC), evento anual que reúne os Master Gunners dos sistemas de armas mais modernos dos países convidados.

A conferência teve sua primeira edição em 1999, na Holanda, e tem por objetivo a troca de informações a respeito do nível de desenvolvimento de blindados, meios de simulação e programas de instrução das guarnições de carros de combate.

A conferência visa, também, a formação e o fortalecimento de uma rede de contatos que possa gerar cooperação e estreitamento de laços entre especialistas dos países de nações amigas.

As delegações são compostas por oficiais e praças que exercem função de Master Gunner em unidades operacionais ou estabelecimentos de ensino da tropa blindada.

Atualmente, participam do evento Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá, Cingapura, Chile, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos da América, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Inglaterra, Israel, Noruega, Polônia, Portugal, República Tcheca, Suécia, Suíça e Turquia (BRASIL, 2010c).

Desde 2010, o Brasil vem participando com especialistas dessa atividade e adquirindo experiências que permitem retificar ou ratificar diversos procedimentos relativos às atribuições do Instrutor Avançado de Tiro, tais como: os processos de formação dos integrantes da guarnição do carro de combate, a metodologia de instrução e os meios de apoio empregados na mesma, a condução da avaliação das guarnições de carros de combate, os procedimentos técnicos de preparação do carro de combate (colimação, correção de zero) e as influências climáticas sobre o material e sobre o rendimento das guarnições.

Figura 5: Leopard 2 A6 exposto na IMGC 2010. Fonte: arquivo pessoal do autor.

A participação na conferência internacional vem possibilitando aos IAT brasileiros, com economia de tempo e meios, ficar a par de conceitos e tendências empregados nos programas de instrução e treinamento das tropas blindadas de todos os países participantes.

Vem possibilitando, ainda, colher experiências de países que tem empregado seus meios em situações de combate, verificando as demandas e lições aprendidas dos cenários atuais. Com a finalidade de difundir os conhecimentos adquiridos nas IMGC, foi criada a Conferência Nacional de Instrutores Avançados de Tiro (CNIAT) por iniciativa do CI Bld.

Em sua primeira edição, no ano de 2014, ela contou com a participação de IAT da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, da Academia Militar das Agulhas Negras, do CI Bld, dos RCC e do Corpo de Fuzileiros Navais.

Além da destinação inicial, a CNIAT serviu como foro de discussão e padronização de técnicas, táticas e procedimentos a serem adotados pela tropa blindada brasileira.

CONCLUSÃO

O Projeto Master Gunner, no Brasil, faz parte do Projeto Leopard e teve sua implementação iniciada no ano de 2010, a partir da incorporação dos novos CC Leopard 1 A5 BR. Tem por finalidade aumentar a proficiência das guarnições com a adaptação do processo de instrução e execução do tiro.

O primeiro reflexo significativo da implementação do projeto para a tropa blindada brasileira se deu no vetor de transformação educação e cultura, com a criação do curso Avançado de Tiro no País.

A partir deste marco, o Brasil passou a formar seus primeiros especialistas que receberam a denominação de Instrutores Avançados de Tiro. A gama de disciplinas a que os futuros IAT são submetidos durante o curso contribui para a evolução do pensamento crítico e, uma vez formados, os deixa em condições de assessorar os comandantes táticos, em todos os níveis, nos mais diversos assuntos referentes ao novo MEM adquirido.

Muitas das sugestões apresentadas já foram implementadas e outras estão em fase de avaliação/implementação. Essas mudanças vão ao encontro dos objetivos traçados quando o curso de IAT foi criado, ou seja, aprimorar o treinamento de tiro das guarnições dos CC e, consequentemente, aumentar a proficiência da tropa blindada.

Desta forma, pode-se inferir que a qualificação dos recursos humanos desencadeou os demais reflexos, servindo como catalisador da implementação das mudanças necessárias para que tropa blindada atinja os índices de desempenho desejados.

Os IAT estudam de maneira aprofundada os diversos sistemas que integram o carro de combate, as várias utilidades de cada um dos meios de simulação e as formas como desenvolver as capacidades necessárias ao adequado e eficiente emprego do MEM em cada um dos integrantes da guarnição.

Este conhecimento adquirido, aliado à experiência profissional, permitiu que fossem realizadas algumas sugestões e assessoramentos a fim de cooperar com as ações dos vetores de transformação preparo e emprego e logística.

No que diz respeito ao preparo e emprego, estes especialistas propuseram a criação do Programa Padrão de Instrução de Qualificação de Guarnição de Carro de Combate Leopard 1 A5BR (PPQ 02/2A) já aprovada e, também, a inserção do capítulo sobre o tiro da Viatura Blindada de Combate Leopard 1 A5BR nas Instruções Gerais de Tiro com o Armamento do Exército (IGTAEx).

Estas modificações vêm promovendo a alteração no ciclo de preparo das guarnições, o que contribui para o considerável aumento dos níveis de operacionalidade da tropa blindada. No que tange à logística, os IAT participaram ativamente no planejamento da aquisição e emprego integrado de simuladores.

Estas ações, desde que foram efetivadas, vêm fazendo coincidir o uso do simulador apropriado com a fase de instrução adequada, permitindo que seja obtido o máximo rendimento dos meios de apoio à instrução sem, contudo, perder o realismo e tornando viável a adequada formação e adestramento das guarnições, em que pese às restrições impostas pelo RUM.

Além disso, coube aos IAT o gerenciamento de todas as fases do processo de obtenção, utilização e armazenamento dos valores da frota. Essa relativa centralização vem se demonstrando adequada à realidade brasileira.

Uma preocupação do Curso Avançado de Tiro é incutir nos futuros IAT a necessidade da constante busca pelo auto aperfeiçoamento. Esta característica, associada à crescente participação em fóruns nacionais e internacionais, vem permitindo que esses especialistas tenham contato com inovações tecnológicas e soluções no estado da arte em matéria de emprego de blindados.

Por fim, o ensaio apresentado nos permite inferir que o modelo adotado vem se mostrando atual e adequado, atendendo às expectativas a que se propôs. Os reflexos apresentados nos levam a crer que este modelo possa ser replicado satisfatoriamente em futuras incorporações de sistemas de armas e, inclusive, aplicado à tropa mecanizada, desde que observadas as devidas adaptações.

Figura 6: Participantes da IMGC 2017 realizada no CI Bld. Fonte: Comunicação Social/CI Bld.

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O autor:

Major de Cavalaria Daniel Bernardi Annes da turma de 1999 da AMAN. É instrutor avançado de tiro das VBCCC Leopard 1 A5 BR e 2A4. Foi instrutor do CI Bld e realizou o Curso Avançado de Tiro da VBCCC Leopard 2A4 no Chile. Atualmente, é o Oficial de Operações da 5ª Bda C Bld.

Fonte:

CI Bld – Centro de Instrução de Blindados General Walter Pires [Link]

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Artigo relacionado:

 

CI Bld realiza o 1º Desafio de Blindados do Exército Brasileiro [Link]

REFERÊNCIAS

ARMOR MAGAZINE. Forging the Thunderbolt – Master Gunner. EUA, Jan-Feb, 1975.

BRASIL. Centro de Instrução de Blindados. O Instrutor Avançado de Tiro (proposta). 1.ed. 2015.

_____. Comando de Operações Terrestres. Programa de Instrução Militar. 1. ed. 2012.

_____. _____. Programa de Instrução Militar. 1.ed. 2013.

_____. _____. Programa Padrão de Instrução de Qualificação PPQ 02/2A. Guarnição de Carro de Combate Leopard 1 A5 BR Br. 1. ed. 2014.

_____. Departamento de Educação e Cultura do Exército. Plano de Disciplina do Curso Avançado de Tiro do Sistema de Armas da Viatura Blindada de Combate Carro de Combate Leopard 1 A5 BR BR. 1. ed. 2011.

_____. Estado-Maior do Exército. Processo de Transformação do Exército. 3.ed. 2010a.

_____. Plano de Cursos e Estágios em Nações Amigas (PCENA). Relatório do Curso de Master Gunner realizado no Chile. Escola de Cavalaria Blindada, Iquique, 2010b.

_____. Plano de Visitas e Outras Atividades em Nações Amigas (PVANA). Relatório da Conferência Internacional de Master Gunner. República Helênica (Grécia), 2010c.

_____. Portaria nº 171-EME, de 9 de dezembro de 2009. Aprova a Diretriz para a Capacitação de Recursos Humanos para a família de blindados Leopard 1. Brasília, 2009.

RIBEIRO, Marcelo Carvalho. Projetos Leopard e Guarani: Mudança Cultural na Operação e Manutenção de Blindados. In: Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, 4., Porto Alegre, 2012.

RIPLEY, Tim. Desert Storm Land Power: The Coalition and Iraqi Armies. New York, Reed International Books, 1991.

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