ATENTADO – Preso, Adélio cita ‘missão divina’ e mantém obsessão por matar Bolsonaro e Temer

Joelmir Tavares
Juiz de Fora e Montes Claros (MG)

 
Preso há um ano, depois da tentativa de assassinato do então candidato Jair Bolsonaro (PSL), Adélio Bispo de Oliveira, 41, mantém fixa a ideia de matar o atual presidente da República e também Michel Temer (MDB), que ocupou o Planalto de 2016 a 2018.
 
O desejo é reiterado por ele no presídio federal de Campo Grande (MS), como mostram laudos psiquiátricos e documentos no processo judicial aberto após a facada em Bolsonaro. O crime, cometido durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG), completa um ano nesta sexta-feira (6).
 
O autor se recusa a receber tratamento para controlar o transtorno delirante persistente, doença mental com a qual foi diagnosticado, e ameaça matar Bolsonaro e Temer para cumprir uma missão que ele diz ter recebido de Deus.

O grau de periculosidade foi considerado pelo juiz Bruno Savino, da 3ª Vara da Justiça Federal em Juiz de Fora, ao decidir pela internação de Adélio por tempo indeterminado. Por precaução, o magistrado alertou as equipes de segurança de Bolsonaro e Temer sobre as intenções do detento.
 
Ao longo de avaliações psiquiátricas nos últimos meses, que levaram o juiz a declarar o réu inimputável (incapaz de responder por seus atos), Adélio deu mostras de que pode arquitetar novos ataques.
 
Sobre Bolsonaro, afirmou que se sente na obrigação de concluir a missão para a qual foi “escolhido por Deus”, que teria a finalidade de “salvar o Brasil”. Repete que “coisas ruins podem acontecer” se não executar a ordem divina.
 
“Quando sair, eu vou matar o Temer. Sei até onde ele mora, no Alto de Pinheiros”, disse ele a um dos avaliadores, citando o bairro de São Paulo onde o ex-presidente vive.
 
Falou também que uma voz que o acompanha já lhe disse para comprar uma arma e acabar com a vida de Temer.
 
Em suas alucinações, ele acredita que os dois são parte de um plano para entregar riquezas do Brasil ao FMI (Fundo Monetário Internacional), à máfia italiana e aos maçons.
Simpático a ideias de esquerda e ex-filiado ao PSOL, Adélio afirma que eliminar Temer e Bolsonaro seria a forma de conter o suposto perigo.
As investigações mostraram que a obsessão do autor por política se aprofundou no período em que Temer chegou ao poder, após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), mas não há indícios de que ele tenha planejado atentar contra a vida do emedebista.
 
A Polícia Federal obteve provas, no entanto, de que Adélio estava interessado em averiguar o perfil de outros políticos quando chegou a Juiz de Fora, em agosto de 2018, já disposto a atacar Bolsonaro.

“João Amoêdo é maçom?”, ele digitou no Google em 29 de agosto de 2018, sentado em uma LAN house da cidade mineira, para verificar a possível relação entre o então candidato do Novo e a fraternidade.

A informação consta em relatório da PF baseado no histórico de sites acessados por ele no estabelecimento. No mesmo dia, Adélio pesquisou também se o então senador Magno Malta (PL), à época aliado de Bolsonaro, era maçom.

No YouTube, ele ainda assistiu a vídeos sobre uma possível associação do então presidenciável à maçonaria.

Àquela altura, fazia 15 dias que o agressor havia desembarcado na cidade, depois de sair de ônibus de Florianópolis (SC) e passar por São Paulo.

O histórico de buscas na LAN house refletia sua mente caótica: também pesquisou, entre outros assuntos, sobre motos da marca Harley-Davidson, locais para se hospedar no município e vagas de emprego para servente de obras e atendente de telemarketing.

Adélio se instalou em uma pensão no centro, a 1 km da esquina onde deu a facada. Três semanas atrás, a reportagem da Folha foi atendida de maneira pouco receptiva no endereço da hospedagem.

Uma mulher se apresentou como nova dona da casa de dois andares e se limitou a dizer que a pensão não existe mais. Tudo o que quer é “apagar o carma” que a passagem do criminoso representou. Segundo vizinhos, o espaço deixou de funcionar como hotel há seis meses e será transformado em restaurante de comida japonesa.
 
Para ficar na pensão, Adélio pagou adiantado, como era exigido de todos os clientes, um valor de R$ 430 referente a um mês de permanência. Também apresentou um atestado de bons antecedentes.

Comentou que estava à procura de emprego, na área de construção civil. Algumas vezes foi visto com uma Bíblia debaixo do braço, dizendo que ia a um culto evangélico. Discreto, tramava calado a morte de Bolsonaro.

Ao vasculhar os quatro celulares apreendidos com Adélio (dois deles tão velhos que não tinham mais condição de uso) e imagens de circuitos de TV, a PF concluiu que ele mapeou os locais por onde o candidato passaria na visita à cidade da zona da mata mineira.

Ele fotografou previamente, por exemplo, as imediações do hotel em que Bolsonaro teria um encontro com empresários. No dia do evento, poucas horas antes da facada, Adélio chegou a ir à portaria do salão onde o político deu a palestra, o que mostra que ele já rondava seu alvo.

Andar por uma cidade desconhecida e nela rapidamente se localizar geograficamente era algo fácil para Adélio, que desde os 16 anos passava extensas temporadas longe de sua terra natal, Montes Claros, no norte de Minas.

Parentes contaram à Folha que ele sempre foi nômade, mas voltava para perto da família de tempos em tempos, quando tinha vontade. “Ele não falava com a gente que estava indo embora”, diz a irmã Maria Aparecida Ramos, 39.

“Ele só chegava: ‘Ó, tô indo, tchau’. A gente perguntava para onde. E ele: ‘Tô indo para o mundo. Arrumei um serviço em tal lugar’. Era de uma hora para a outra.” A família afirma que só sabia das andanças dele pelo que contava ou postava no Facebook.

Sem uma convivência íntima, os irmãos e sobrinhos não acompanharam, por exemplo, o envolvimento de Adélio em política, a filiação ao PSOL entre 2007 e 2014 e o interesse dele por temas como maçonaria e conspiração global.
“Só fiquei sabendo de tudo, que ele tinha entrado em partido, depois do acontecido”, afirma o irmão Aldeir Ramos de Oliveira, 52, que hospedou o caçula na última vez em que ele esteve em Montes Claros, cerca de três anos atrás.
Segundo Aldeir, só dava para conversar com o irmão pelo telefone se ele ligasse, porque Adélio mudava de número constantemente. “A gente não conseguia telefonar. Ele ligava de um telefone agora e, quando você retornava, já não conseguia mais falar com ele.”
 
Adélio morou em cidades como São Paulo, Uberaba (MG) e Balneário Camboriú (SC). Em 20 anos, trabalhou em 39 empresas, algo atípico.

Foi vendedor de livros, operador de máquinas em uma fábrica de xampu, garçom, copeiro, pedreiro, balconista de farmácia, auxiliar de cozinha, atendente de telemarketing.

Depoimentos dados depois que foi preso jogariam luz sobre sua inquietude: ele disse a psiquiatras na cadeia que mudava de município, de emprego e de telefone toda vez que percebia que estava sendo vigiado ou perseguido.

Em um dos exames, afirmou que era seguido por um carro preto independentemente da cidade onde estava. Que chegou a contar 25 placas diferentes no mesmo veículo. Para ele, as placas eram trocadas justamente para confundi-lo.

Adélio não soube explicar quem estaria em seu encalço, mas falou que cada vez mais se sentia observado por “pessoas esquisitas”.

Solitário, não era de ter relacionamentos amorosos, segundo as investigações. A família diz saber de uma namorada, uma policial de Uberaba, de quem chegou a ser noivo, segundo uma das irmãs.

Mais recentemente, ele passou a dizer que ouviu de Deus uma ordem para não se envolver com mulheres. Por causa disso, busca controlar desejos sexuais. O único desejo é o de completar a tal missão que ecoa em seus pensamentos.

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