Sergio Netto – Desobstrução das estradas com o emprego das Forças Armadas

Desobstrução das estradas com o

emprego das Forças Armadas

 

Sérgio de Oliveira Netto

Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE (SC).

RESUMO: Este trabalho analisa a questão referente ao emprego das Forças Armadas para a desobstrução das vias públicas, no contexto das denominadas Operações de Garantia da Lei e da Ordem. Examinando os dispositivos legais disciplinadores desta atuação subsidiária das instituições militares, em atividades típicas de segurança pública.

Nos últimos anos vem se intensificando a convocação das Forças Armadas (FA), para serem utilizadas em missões voltadas para setores de segurança pública. Que, em regra, deveriam ser executadas pelos órgãos policiais federais e estaduais, que possuem estas atribuições específicas, tal qual previsto na Constituição Federal. 

Exemplos mais recentes, são a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, e o controle na fronteira, para organizar o ingresso de refugiados da Venezuela, que vem buscar e nossa pátria aquilo que lhes foi negado na sua terra natal.

A confiança que a nação deposita nas Forças Armadas, aliado aos fatores como a alta qualificação dos oficiais responsáveis pelo gerenciamento dos cenários de crise, e suas tropas bem instruídas para o cumprimento das missões, são alguns dos fatores que tem impulsionado o emprego dos militares para lidar com os mais diversos desafios que o país vem enfrentando.

O episódio mais recente, que estamos vivenciando, refere-se a paralisação dos caminhoneiros. Que estão realizando estes protestos sob o argumento do aumento do preço do combustível diesel. Esse, pelo menos, foi o motivo principal alegado, por mais que haja outas pautas (transparentes ou obscuras) sendo negociadas para o retorno as atividades.

Mais uma vez, as Forças Armadas foram convocadas para atuar neste cenário, em especial para manter abertas as vias e rodovias federais, estaduais, distritais e municipais.

Neste breve texto, a intenção é analisar as principais fontes normativas, que autorizam o emprego das Forças Armadas para estas missões.

Assim é que, a própria Constituição Federal prevê a possibilidade de emprego das Forças Armadas em tais cenários, ao estabelecer, no seu art. 142, que as Forças Armadas são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Visando especificar a forma de organização, preparo e emprego das Forças Armadas, inclusive neste contexto de garantia da lei e da ordem, foi editada a Lei Complementar n° 97/99. Que, expressamente autorizou o emprego das forças nestes cenários de perturbação da ordem pública.

Esta atuação das Forças Armadas em contextos de atividades típicas de segurança pública (garantia da lei e da ordem), entretanto, não descaracterizam a natureza militar destas intervenções transitórias e episódicas. Posto que a própria Lei Complementar nº 97/99, no seu art. 15, § 7°, considera como atividade militar as ações desenvolvidas no exercício destas atribuições subsidiárias, para o especial fim de submissão dos militares envolvidos à Justiça Militar. Na hipótese de ser questionada esta atuação, por eventual violação de alguma determinação legal, por parte dos militares que estiverem coordenando ou executando as respectivas missões.

Nesta linha de orientação, foi elaborado o Manual MD33-M-10. Inicialmente aprovado pela Portaria Normativa 3461/2013, e posteriormente pela Portaria Normativa 186/2014. O Manual MD33-M-10 passou a ter validade desde 20/12/2013. Estando na sua 2º edição, que foi elaborada em janeiro de 2014.

Nas páginas 14/15, são elencados os conceitos sobre o que vem a ser a intitulada “Operação de Garantia da Lei e da Ordem”, e as controversas definições do que se deve reputar como  “Agentes de Perturbação da Ordem Pública (APOP)” e “ameaças”, in verbis:

1.4 Conceituações (p. 14/15)

– Operação de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO) é uma operação militar determinada pelo Presidente da República e conduzida pelas Forças Armadas de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos instrumentos para isso previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem (Artigos 3º, 4º e 5º do Decreto Nº 3.897, de 24 de agosto de 2001).

– Agentes de Perturbação da Ordem Pública (APOP) são pessoas ou grupos de pessoas cuja atuação momentaneamente comprometa a preservação da ordem pública ou ameace a incolumidade das pessoas e do patrimônio.

 

– Ameaças são atos ou tentativas potencialmente capazes de comprometer a preservação da ordem pública ou ameaçar a incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Por sua vez, o item 4.1 Generalidades (páginas 25/28), enfatiza que estas operações deverão observar os preceitos da razoabilidade, proporcionalidade e legalidade:

 

4.1 Generalidades

4.1.1 O emprego da força nas Operações de Garantia da Lei e da Ordem assentar-se-á na observância dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da legalidade.

 

4.1.2 A Razoabilidade consiste na compatibilidade entre meios e fins da medida. As ações devem ser comedidas e moderadas.

 

4.1.3 A Proporcionalidade é a correspondência entre a ação e a reação do oponente, de modo a não haver excesso por parte do integrante da tropa empregada na operação.

4.1.4 A Legalidade remete à necessidade de que as ações devem ser praticadas de acordo com os mandamentos da lei, não podendo se afastar da mesma, sob pena de praticar-se ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

 

Sendo que, ainda de acordo com as diretrizes estabelecidas neste manual (item 4.4.3, página 28/29), as principais ameaças e ações durante uma Op GLO podem envolver:

“…4.4.3 Principais Ações

Entre outras, dependendo da característica do emprego autorizado na GLO, podem-se relacionar as seguintes ações a serem executadas:

 

a) assegurar o funcionamento dos serviços essenciais sob a responsabilidade do órgão paralisado;

b) controlar vias de circulação;

c) desocupar ou proteger as instalações de infraestrutura crítica, garantindo o seu funcionamento;

d) garantir a segurança de autoridades e de comboios;

e) garantir o direito de ir e vir da população;

f)  impedir a ocupação de instalações de serviços essenciais;

g) impedir o bloqueio de vias vitais para a circulação de pessoas e cargas;

h) permitir a realização de pleitos eleitorais…

Vale dizer, com base nos mecanismos legais vigentes, as Forças Armadas estão legitimadas a intervir em situações de protestos, tais quais os que vem acontecendo agora em maio de 2018, predominantemente pelos caminhoneiros. Podendo, inclusive, tomar os veículos que transportam combustíveis dos particulares e empresas, e os conduzir até o local de destino, para regularizar a distribuição de combustíveis. Pois, para tanto, também há expressa autorização prevista na Constituição Federal:

 

“Art. 5°: XXV – no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano…”

Ainda mais se considerado que o próprio Supremo Tribunal Federal, por meio de decisão proferida pelo Relator do caso, o MIN. ALEXANDRE DE MORAES, deferiu medida liminar em 25 de maio de 2018 nos autos da ADPF n° 519, autorizando a adoção destas providências, nos seguintes termos:

 

“…CONCEDO A MEDIDA CAUTELAR postulada na presente ADPF, ad referendum do Plenário (art. 5º, § 1º, da Lei 9.882/1999) e, com base no art. 5º, § 3º, da Lei 9.882/1999: (a) AUTORIZO que sejam tomadas as medidas necessárias e suficientes, a critério das autoridades responsáveis do Poder Executivo Federal e dos Poderes Executivos Estaduais, ao resguardo da ordem no entorno e, principalmente, à segurança dos pedestres, motoristas, passageiros e dos próprios participantes do movimento que porventura venham a se posicionar em locais inapropriados nas rodovias do país; bem como, para impedir, inclusive nos acostamentos, a ocupação, a obstrução ou a imposição de dificuldade à passagem de veículos em quaisquer trechos das rodovias; ou o desfazimento de tais providências, quando já concretizadas, garantindo-se, assim, a trafegabilidade; inclusive com auxílio, se entenderem imprescindível, das forças de segurança pública, conforme pleiteado (Polícia Rodoviária Federal, Polícias Militares e Força Nacional). (b) DEFIRO a aplicação das multas pleiteadas, a partir da concessão da presente decisão, e em relação ao item (iv.b) da petição inicial, estabeleço responsabilidade solidária entre os manifestantes/condutores dos veículos e seu proprietários, sejam pessoas físicas ou jurídicas. (c) SUSPENDO os efeitos das decisões judiciais que, ao obstarem os pleitos possessórios formulados pela União, impedem a livre circulação de veículos automotores nas rodovias federais e estaduais ocupadas em todo o território nacional, inclusive nos respectivos acostamentos; (d) SUSPENDO os efeitos das decisões judiciais que impedem a imediata reintegração de posse das rodovias federais e estaduais ocupadas em todo o território nacional, inclusive nos respectivos acostamentos. Publique-se e comunique-se, com URGÊNCIA, o DD. Presidente da República. Publique-se…”

Esta decisão liminar expedida pelo STF, ostenta importante efeito legitimador do Decreto n° 9.382, de 25 de maio de 2018, autorizando o emprego das Forças Armadas para a desobstrução das vias públicas no contexto de uma missão de GLO. Cujos trechos de maior interesse são abaixo reproduzidos:

 

Art. 1º Fica autorizado o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem em ações de desobstrução de vias públicas federais no período da data de entrada em vigor deste Decreto até 4 de junho de 2018.

Art. 2º O emprego das Forças Armadas, na forma e no período previstos no caput do art. 1º, para a desobstrução de vias públicas estaduais, distritais ou municipais fica autorizado mediante requerimento do Chefe do Poder Executivo estadual ou distrital, acompanhado de elementos que demonstrem a insuficiência de meios da Polícia Militar do ente federativo.

Art. 3º As ações previstas neste Decreto poderão incluir, em coordenação com os órgãos de segurança pública, após avaliação e priorização definida pelos Ministérios envolvidos:

I – a remoção ou a condução de veículos que estiverem obstruindo a via pública;

II – a escolta de veículos que prestem serviços essenciais ou transportem produtos considerados essenciais;

III – a garantia de acesso a locais de produção ou distribuição de produtos considerados essenciais; e

IV – as medidas de proteção para infraestrutura considerada crítica…”

O que se pretendeu com esta resumida análise, foi apenas e tão-somente examinar as bases legais que autorizam o emprego das Forças Armadas nestas situações de manifestações de setores da sociedade, que possam trazer comprometimentos a ordem e segurança públicas. Sem entrar no questionamento das políticas públicas que devem (ou que deveriam) ser adotadas para evitar e superar estas crises.

Inquestionavelmente a nação pode se orgulhar das Forças Armadas que possui. Crise após crise, ano após ano, as tropas federais castrenses tem demonstrado que estão cientes, e prontas para cumprir com suas missões constitucionais, na defesa da pátria e da sociedade. Modelo de dedicação, patriotismo, e de sentimento do cumprimento do dever inerente à farda.

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