Sindrome Stauffenberg – Ações do Planalto preocupam analistas


Gabriel Cariello

 
RIO – A suposta ação de espionagem contra o ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no STF, bem como ações articuladas por aliados do Planalto no Congresso para minar a JBS ou investigadores, chamou a atenção para o perigo do desvirtuamento do uso das instituições públicas para atender a interesses pessoais.

A preocupação foi manifestada por cientistas políticos, juízes, uma advogada e um professor de História consultados ontem, dois dias depois de a revista “Veja” divulgar que o governo do presidente Temer teria orientado a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) a fazer uma devassa nas relações de Fachin, acusação negada veementemente pelo Planalto e por Temer, indiretamente, em vídeo divulgado na segunda-feira.
 
Segundo a reportagem de “Veja”, Temer pediu que a ABIN levantasse informações que pudessem constranger o relator da Lava-Jato, que determinou a instauração de inquérito e deverá analisar denúncia contra Temer a ser remetida pela Procuradoria-Geral da República até o dia 19. Também faria parte da mesma estratégia o desejo de convocar Fachin para prestar depoimento na CPI da JBS, a ser instalada no Congresso para investigar a relação da empresa do ramo alimentício com o BNDES.
 
Além da suposta espionagem, teria partido de integrantes do governo a orientação para que órgãos públicos realizassem uma devassa nos negócios da JBS, após a delação premiada dos donos da empresa, os irmãos Joesley e Wesley Batista. Conforme O GLOBO revelou em maio, Joesley gravou uma reunião com Temer no Palácio do Jaburu. Segundo Janot, a gravação mostra o presidente dando anuência ao empresário para pagamentos ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso em Curitiba, e a indicação do ex-assessor da Presidência Rodrigo Rocha Loures como intermediário para o recebimento de propina. Temer nega que tenha dado aval para a compra de silêncio de Cunha e apontado Loures para receber repasses do empresário.
 
Uma das frentes de investigação contra JBS está na Comissão de Valores Imobiliários, que tem nove processos administrativos, duas inspeções e dois inquéritos para apurar eventuais ilegalidades na compra de dólares e venda de ações antes da divulgação do acordo de delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da J&F, grupo que controla a JBS. O Banco Central também investiga irregularidades em negócios da J&F.
 
Na última quinta-feira, o governo editou a MP 784, que endureceu a fiscalização e sanções que poderão ser adotadas pelo Banco Central e pela CVM em caso de fraudes. O teto da multa saltou de R$ 250 mil para R$ 2 bilhões. Na ocasião, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, negou que a medida tenha sido uma retaliação.
 
Também após a delação, os bancos públicos suspenderam novos empréstimos para empresas controladas pela J&F.
 
Abaixo, a opinião dos 5 especialistas sobre o conjunto de ações após a delação da JBS.
   

Sylvia Urquiza
Advogada especialista em direito penal empresarial

 
O suposto caso de espionagem da Abin sobre o ministro Edson Fachin se configura, caso comprovado, em uma violação do princípio fundamental da instituição, um problema que na opinião da advogada Sylvia Urquiza, especialista em Direito Penal Empresarial, tem origem na “mistura de interesses para finalidades contrárias as das instituições”.
 
— Todas as instituições públicas têm objetivos muito bem definidos. A Abin trata de segurança nacional. Não pode ser utilizada para nenhuma finalidade política que seja contrária a seu objeto de constituição. Já vimos no passado o uso para fim político, que foi absolutamente indevido. Outras instituições, principalmente os bancos, por mais que sejam públicas, tem que seguir o código de conduta de sua atuação, inclusive em questões políticas. Mas, infelizmente, o uso das instituições públicas é completamente institucionalizado no país — lamenta a advogada.
 
O diagnóstico de Sylvia observa a pouca maturidade das instituições brasileiras com questões complexas e legislações novas, como as de combate à corrupção. O modelo para o país, portanto, passa pelo fortalecimento de suas instituições, como acontece em democracias desenvolvidas, como os Estados Unidos, a Inglaterra e a Alemanha.
 
— Temos visto uma múltipla competência para lidar com muitos assuntos. Se tiver um caso de corrupção na Alemanha, tem um único procurador designado, com sua equipe, para tratar do caso. Aqui no Brasil tem procurador criminal, procurador cível, equipe da CGU, equipe do Cade… A competência múltipla causa insegurança jurídica.
 

Jérson Carneiro
Professor de Direito Administrativo do Ibmec-RJ
 

Fruto de uma relação patrimonialista, o uso da máquina pública e dos poderes constitucionais para intimidar opositores políticos está configurado na atual crise entre o Palácio do Planalto e aqueles que delataram ou investigam o presidente Michel Temer. É o que pensa o professor de Direito Administrativo do Ibmec-RJ, Jérson Carneiro:
 
— O governo já deu recado que está usando instituições para perseguir a empresa (JBS). Decretou Medida Provisória para aumentar multa que o Banco Central poderia aplicar, que passou de R$ 250 mil para R$ 2 bilhões. A CVM também vai aplicar o teto dessa multa. Mas, como a CVM é parte do processo de investigação, ela é parcial. Há um indício claro, sim, do governo, do uso do poder, que é prerrogativa conferida por lei para atender ao interesse público, para intimidar, tanto o Ministério Público, quanto o Fachin. Não é só o Executivo fazendo isso. A CPI que está sendo instalada (para investigar a JBS) quer intimar o Fachin para explicar por que a punição para os delatores foi branda.
 
Carneiro faz uma ressalva. Não é a primeira vez que um importante agente público usa as instituições com fins intimidatórios:
 
— O (ex-ministro da Fazenda Antonio) Palocci mandou quebrar o sigilo da conta de um caseiro — disse Carneiro. — O que me preocupa é que estamos diante de um estado de anomia, que significa sem a autoridade da lei. A boia de guia tem que ser a Constituição; nada deve ocorrer fora das regras do jogo. O Brasil está amadurecendo. Estamos aumentando a maturidade política de nossa nação. Platão escreve que o Estado é o que é porque os cidadãos são o que são. Não pode haver uma República corporativista.
 


Fernando Azevedo
Cientista político e professor da UFScar

 

O cientista político Fernando Antonio Azevedo, professor da Univeridade Federal de São Carlos (UFSCar), acredita que o governo do presidente Michel Temer está “acuado” e tem ultrapassado a linha institucional para tentar se manter no poder, diante da crise provocada pela delação dos donos da JBS.
 
— O governo está acuado pelas denúncias e tenta reagir para se manter no poder. Nessa luta, está ultrapassando a linha institucional — avaliou o professor.
 
Para Azevedo, o fato mais grave é o suposto pedido para a Agência Nacional de Inteligência (Abin) vasculhar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, segundo informação da revista “Veja”.
 
— Se for verdadeiro o pedido à Abin para investigar o Fachin, isso é uma atitude que coloca em choque dois poderes (Executivo e Judiciário). Com o Executivo se utilizando de um órgão de Estado para se defender e ultrapassando o limite do aceitável. Há risco de baque institucional.
 
Ainda na opinião do cientista político, a investigação sobre o ministro do STF desrespeitou a lei.
 
— O Fachin não é objeto de nenhum denúncia. Teria sido, portanto, uma ação claramente ilegal.
 
Azevedo acredita que a CPI da JBS, que aliados do governo tentam instalar no Congresso, e a investigação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre a empresa são claras “represálias”.
 
— São atos legais, porém, evidentemente têm o selo da ameaça e da intimidação. Não faz o menor sentido o presidente ser denunciado pelo Joesley (Batista) e acionar órgãos para pressionar a JBS. (Sérgio Roxo, de São Paulo)
 


Jayme de Oliveira
Pedro Campos é professor de História da UFRRJ
 

O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Jayme de Oliveira, considerou “graves” as informações sobre supostas tentativas de intimidação contra o ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF).
 
— É uma situação que foge da normalidade do funcionamento regular das instituições. O Supremo age dentro da lei. Os insatisfeitos devem procurar os mecanismos legais. Uma tentativa de constrangimento não é aceitável — afirmou Oliveira.
 
Além da suposta espionagem contra o relator da Lava-Jato, o magistrado citou declarações de parlamentares afirmando que o Congresso vai convocar Fachin para depor na CPI da JBS, que pode ser instaurada para investigar a relação do grupo J&F, que controla a empresa, e o BNDES.
 
— Esperamos que não seja uma decisão da Presidência da República mandar o Congresso intimar o ministro do Supremo. Qualquer decisão nesse sentido seria inapropriada. A AMB estuda medidas jurídicas cabíveis caso haja uma tentativa, como estamos vendo, de retaliação. É preciso ter muita responsabilidade para evitar uma situação de conflito entre poderes — reforçou o magistrado.
 
Oliveira disse que pretende se reunir com outras entidades de classe ligadas à Justiça para discutir eventuais medidas com o objetivo de evitar episódios de intimidação:
 
— É importante alertar a sociedade e buscar o restabelecimento do diálogo e a consciência do funcionamento regular das instituições. Vamos buscar outras instituições, como a Ajufe e a OAB, para avaliar o quadro, que é grave.
 

 

Pedro Campos
Professor de História da UFRRJ
 

 
As revelações sobre as fricções entre instituições públicas e agentes privados causaram “perplexidade” no historiador Pedro Campos, professor da UFRRJ. Segundo ele, há contornos de autoritarismo na suposta espionagem contra o ministro Edson Fachin. A presidente do STF, Cármen Lúcia, classificou o suposto ato de “próprio de ditaduras”:
 
— Há uma certa perplexidade ao notar que a investigação mostra uma escalada da influência econômica sobre a coisa pública. Parece que relativizaram o termo Estado Democrático de Direito. Usar aparato que é herdeiro da ditadura (a Abin) para investigar o Judiciário sob ordem do chefe do Executivo é típico do estado de exceção pleno, autocrático e autoritário.
 
Sobre a suposta atuação das instituições oficiais como “revide” aos delatores da JBS, Campos pondera que o grupo cresceu às custas do dinheiro público:
 
— O que seria da JBS sem a participação do BNDES? É um grupo que cresceu durante um certo período político, associado a certo projeto de poder. E, na transição para outro grupo político, acaba virando alvo.
 
O professor lembra que a principal empreiteira que atuou na construção de Brasília, a Rabello, entrou em decadência após a saída de Juscelino Kubitschek da Presidência.
 
— A investigação que cassou os direitos políticos de JK usa como pretexto os supostos benefícios que ele teria obtido na relação com a Rabello. Após o golpe militar, a empresa perdeu diversas licitações do governo federal e entrou em decadência. Tem uma sobrevida nos anos 1970, com contratos na Argélia. Com todas as ressalvas, a JBS faz movimento semelhante: está indo para fora do país.
 

Nota DefesaNet

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