Urânio: perderemos a oportunidade?

Publicado Jornal Valor 01 Fevereiro 2013


Leonam dos Santos Guimarães
Doutor em Engenharia Naval e mestre em Engenharia Nuclear.
Assessor da presidência da Eletrobrás Eletronuclear e
membro do grupo permanente de assessoria da Agência Internacional de Energia Atômica

Mesmo depois do acidente de Fukushima, a demanda por energia elétrica nuclear continua a crescer. Essa commodity está num ponto crítico de inflexão para preços mais elevados. Até mesmo o Japão está mudando sua postura sobre a energia nuclear devido aos maiores custos da geração elétrica substituta. O recém-eleito primeiro-ministro, Shinzo Abe, declarou que o novo governo está disposto a construir novas usinas – mudança radical com respeito à promessa do governo anterior de fechar todas as 50 usinas do país até 2040.

O impacto mais significativo vem, porém, do mundo em desenvolvimento, especialmente da China. Ela que poderá adicionar mais de 100 usinas ao longo das próximas duas décadas. Outras nações, como a Rússia, Índia, Coreia do Sul e os Emirados Árabes Unidos têm também grandes programas de construção, aumentando significativamente as 435 usinas que hoje fornecem eletricidade na base de carga dos sistemas elétricos de 31 países.

2013 começa com 65 usinas nucleares em construção (1 no Brasil), outras 160 em fase de planejamento (4 no Brasil) e mais 340 propostas (4 no Brasil). A demanda por urânio será, portanto, cada vez mais elevada, o que apresenta um problema, pois existe hoje um déficit de produção. De acordo com a World Nuclear Association (WNA), o consumo total em 2011 foi de 80 milhões de quilos, enquanto a produção foi de 68 milhões – déficit de 12 milhões de quilos.

Se contarmos somente essas 65 usinas que estão hoje em construção, o consumo anual crescerá para 100 milhões de quilos. Nesse contexto, com a oferta não conseguindo mais acompanhar a demanda, naturalmente os preços do urânio começarão a subir.

O uso do urânio altamente enriquecido reciclado, o re-enriquecimento de urânio empobrecido (rejeito do processo de enriquecimento) e a redução dos estoques das empresas geradoras tem suprido esse déficit, mas o futuro dessas fontes de suprimento é incerto, particularmente com o final do programa chamado "Megatons por Megawatts". Criado com o final da guerra fria, os programa é um acordo entre os EUA e a Rússia para converter o urânio altamente enriquecido, disponibilizado pelo desmantelamento de armas nucleares russas, em urânio de baixo enriquecimento para combustível nuclear.

A existência desse programa sozinho preenche a maior parte do déficit anual mundial, oferecendo 10 milhões de quilos de urânio. Eles são consumidos exclusivamente pelos EUA, onde está cerca de 25% do parque nuclear mundial. Paradoxalmente, nos últimos anos 10% da eletricidade produzida nos EUA tem como fonte o urânio das armas nucleares russas desmontadas – espadas se tranformando em arados.

Entretanto, ele expira no final de 2013. Se os russos decidirem não renovar o acordo, o que parece bastante provável, o re-enriquecimento e os estoques não serão suficientes para suprir o deficit. Se contarmos somente com as usinas em construção, o consumo anual crescerá para 100 milhões de quilos. Nesse contexto, com a oferta não conseguindo mais acompanhar a demanda, os preços do urânio começarão a subir.

Quando se considera os prazos necessário para abertura de novos complexos industriais de produção e ampliação dos existentes, temos um complicador: até 2020 a produção anual somente poderia aumentar no máximo até 90 milhões de quilos. Mas para isso acontecer, os preços também teriam que se estabilizar num patamar de US$ 40 por quilo para que a indústria estivesse disposta a realizar os investimentos necessários. Hoje o preço é de US$ 20/kg. O mercado está assim dando pouco incentivo para implantação de novos projetos. Os preços terão que mover-se para cima de forma importante e sustentada para que haja produção adicional.

Quando o Japão prometeu fechar suas 50 usinas, reduziu a demanda mundial por combustível em cerca de 10 milhões de quilos e, além disso, agravando a situação, as empresas japonesas venderam cerca de 7,5 milhões de quilos de seus estoques. Isso levou à atual baixa de preços no mercado spot. O sistema elétrico do Japão sem a energia nuclear tem experimentado apagões, as importações de gás natural subiram 17% e as importações de carvão 21%. Com a vitória do Partido Liberal Democrático, espera-se que as vendas de urânio cessem e a demanda seja retomada.

Considerando as usinas em construção, a capacidade instalada da China subirá para 40 milhões de quilowatts até 2015, em comparação com 12,54 milhões no final de 2011. As empresas chinesas terão que aumentar seus estoques, adquirindo muito mais urânio. Isso elas já vem fazendo, aproveitando os preços baixos decorrentes do "efeito Fukushima".

Esses dois fatos, somados ao encerramento do acordo "Megatons para Megawatts", indicam que o preço do urânio poderá voltar aos US$ 40/kg ou mais já em 2014. Antecipando isso, as empresas do setor já começaram a fazer movimentos estratégicos. A estatal russa vem adquirindo empresas menores, fortalecendo sua posição no mercado. O conflito no Mali deriva, em parte, desse contexto.

Sendo uma das maiores reservas de urânio do mundo, produção brasileira é modesta e exclusiva para o mercado nacional. Nos últimos anos tem declinado, não sendo suficiente para atender Angra 1 e 2 – ficará pior com Angra 3. Esses movimentos do mercado internacional não têm tido eco no Brasil. Perderemos a oportunidade?

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