Dominó Árabe – Entenda os fatos que colocaram a diplomacia dos EUA em cheque no Oriente Médio

Gustavo Nardon
Defesanet Agência de Notícias


Durante os protestos contra o vídeo, no Egito e na Líbia, foram atacadas as representações diplomáticas americanas no Cairo e em Benghazi. O embaixador americano na Líbia e mais três pessoas, incluindo outros três funcionários americanos, morreram em consequência do incêndio provocado pelos manifestantes no consulado em Benghazi.

Em Sanaa, capital do Iêmen, centenas de manifestantes invadiram o terreno da embaixada. "Nós nos sacrificamos por ti, Mensageiro de Deus", gritavam eles. Horas antes, a multidão já havia queimado carros e apedrejado escritórios de segurança em frente à embaixada.

"Podemos ver um incêndio dentro do complexo, e as forças de segurança estão disparando para o alto. Os manifestantes estão fugindo e então voltando à carga", disse uma testemunha. Uma fonte de segurança disse que pelo menos 15 pessoas ficaram feridas, algumas a tiros. Um porta-voz da embaixada disse que os funcionários estão em segurança.

No Egito, manifestantes atiraram pedras no Alcordão policial que cerca a embaixada dos EUA, no centro do Cairo. Na terça-feira, um grupo havia escalado os muros do local, onde uma bandeira norte-americana foi rasgada e queimada. Na quarta-feira, a situação se tornou violenta, e a agência estatal de notícias disse que 13 pessoas ficaram feridas.

Outro protesto hoje (13) em frente a Embaixada da Suíça em Teerã, que abriga o Escritório de Interesses dos Estados Unidos no Irã, um grupo de manifestantes pediu a pena de morte para o autor do filme contra o Islã produzido nos EUA.

Desde que o filme "A inocência dos mulçumanos" começou a ser distribuído, foram realizados vários ataques contra sedes diplomáticas americanas em vários países árabes. As ações na Líbia resultaram nas mortes do embaixador dos EUA, J. Christopher Stevens, e de outros três funcionários do consulado do país em Benghazi.

No Irã, os manifestantes, a maioria estudantes e "basij" (voluntários islâmicos), cantaram palavras de ordem como "morte aos Estados Unidos" e "morte a Israel", além de pedirem a revolta dos "mulçumanos do mundo contra os blasfemadores dos Estados Unidos e Israel".

Os responsáveis pelos protestos queimaram bandeiras dos Estados Unidos e de Israel e fizeram uma chamada para um ato na sexta-feira ao término das orações, em todas as povoações do Irã, contra a distribuição do filme, segundo um dos manifestantes. A polícia tomou medidas de segurança nos arredores da embaixada da Suíça.

Previamente, o governo iraniano condenou o silêncio dos Estados Unidos perante a distribuição do filme, que qualificou de "blasfêmia" e "insultante para o Islã", sem se referir aos ataques contra sedes diplomáticas dos EUA no mundo árabe e a morte de seu embaixador na Líbia, segundo informações da agência oficial Irna.

Para o governo de Teerã, os Estados Unidos têm "responsabilidade ética de bloquear a difusão generalizada e a publicação de conteúdos que contribuam para a perigosa tendência ao ódio cultural e à blasfêmia contra a nação islâmica".

Várias vertentes do Parlamento iraniano condenaram o filme sem fazer referência à morte de Stevens e de outros três funcionários americanos, e advertiram Washington e Tel Aviv que se preparem para "escutar fortes resposta dos mulçumanos do mundo", segundo palavras de Ali Larijani, presidente da câmara.

O presidente da Comissão de Segurança Nacional e Política Externa do Parlamento disse nesta quinta-feira que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, "deve pedir desculpas a todos os muçulmanos do mundo e impedir imediatamente a distribuição do ofensivo filme".

O influente aiatolá iraniano Nasser Makarem Shirazi fez uma chamada "aos muçulmanos do mundo para dar uma resposta contundente aos complôs contra o Islã por parte dos EUA e do regime sionista", segundo Irna. O clérigo ultraconservador elogiou a "reação" por parte dos muçulmanos em diversos países contra o filme, que qualificou de "blasfemêmia" e de "insulto ao profeta Maomé".

Para Makarem Shirazi, a produção do vídeo demonstra o temor dos EUA e de Israel pelo "despertar islâmico" no mundo. O autor do filme que gerou os protestos foi identificado como Sam Bacile, mas ainda há dúvidas se este seria seu nome real ou apenas um pseudônimo. Segundo o jornal The Wall Street Journal, Bacile é um israelense-americano residente na Califórnia, cineasta e agente imobiliário.

O vídeo

A origem exata do filme e do clipe que está disponível na internet, e a motivação por trás de sua produção permanecem um mistério, mas parece não haver ligações com um cineasta israelense, como inicialmente divulgado. O filme foi rodado nos Estados Unidos e exibido em um pequeno cinema de Hollywood no final de junho. Mas foram os clipes postados no YouTube, e posteriormente traduzidos para o árabe, que parecem ter provocado os protestos.

O vídeo apareceu pela primeira vez na rede em 1º de julho, postado por alguém com o pseudônimo "sambacile". O filme, de produção barata, foi mal feito, com atuações pobres e pouca coerência de roteiro. Os comentários mais ofensivos sobre o islã e sobre o profeta Maomé foram claramente dublados posteriormente sobre a trilha sonora e não foram falados pelos atores.

Uma atriz que aparece no filme diz que não tinha ideia de que seria usada para propaganda anti-islâmica e afirmou que a condenava. Cindy Lee Garcia, de Bakersfield, na Califórnia, afirmou em entrevista ao website Gawker que teve um pequeno papel e que teriam dito a ela que o filme falaria sobre a vida no Egito há 2 mil anos e se chamaria Desert Warriors (Guerreiros do Deserto). Ela ameaçou processar o diretor pela forma como os atores foram usados.

No dia 30 de junho, o filme então chamado The Innocence of Bin Laden (A Inocência de Bin Laden) foi exibido pela primeira vez no cinema Vine Theatre, no Hollywood Boulevard. Um dos presentes à sessão, que pediu para não ser identificado, disse que o filme durava cerca de uma hora, tinha uma produção muito pobre e atraiu apenas um punhado de espectadores. Ele disse que o homem que organizava a sessão era um egípcio radicado nos Estados Unidos e que havia contratado dois seguranças egípcios para a ocasião.

Um homem que se disse o roteirista e diretor do filme, que se identificou como Sam Bacile, deu uma série de entrevistas a vários órgãos de mídia na terça-feira, fazendo comentários anti-islâmicos inflamados para defender o filme. Ele dizia ter 52 ou 56 anos, dependendo da entrevista, e afirmou ser um corretor de imóveis judeu nascido em Israel e que teria arrecadado milhões de dólares com doadores judeus para financiar o filme.

Mas até a semana anterior, a única referência a Sam Bacile na internet era o vídeo do YouTube, e não havia nenhum registro de um corretor com aquele nome. Com isso, começaram os questionamentos sobre se Sam Bacile é uma pessoa real.

Um extremista de direita americano chamado Steve Klein, com ligações com vários grupos anti-islâmicos na Califórnia, ajudou a promover o vídeo, mas disse não saber a identidade do diretor. Ele se contradisse em entrevistas ao expressar suas posições radicais e finalmente admitiu acreditar que Sam Bacile era apenas um pseudônimo.

O pastor Terry Jones, da Flórida, que ficou conhecido por sua polêmicas ações anti-islâmicas que incluíram queimar exemplares do Corão, o livro sagrado dos Muçulmanos, disse que esteve em contato com Bacile para promover o filme, mas não o encontrou pessoalmente nem poderia identificá-lo.

Outro nome que aparece ligado ao filme é o de Morris Sadek, um egípcio-americano da anti-islâmica Assembleia Nacional Copta Americana. Seu envolvimento na promoção do vídeo levantou questões sobre o envolvimento de grupos cristãos coptas.

Os coptas representam uma parcela importante da minoria cristã no Egito, e muitos deles veem manifestando preocupação com a liberdade religiosa no Egito sob o governo da Irmandade Muçulmana.

A agência de notícias AP, que havia entrevistado o homem que se dizia Sam Bacile pelo telefone, posteriormente seguiu pistas até chegar a um californiano chamado Nakoula Basseley Nakoula, 55 anos, que disse à agência ser um cristão copta e admitiu envolvimento na logística e na administração da produção do filme. Ele negou ser o diretor ou ter dado entrevistas como Sam Bacile, mas a AP disse que seus repórteres haviam identificado o telefone da entrevista em um endereço próximo de onde estava Nakoula.

Foi a tradução do filme para o árabe e a sua citação em TVs árabes que levaram à onda de violência – apesar de os Estados Unidos estarem investigando se os episódios mais intensos de violência não teriam sido premeditados.

Novos protestos

Um grupo argelino desconhecido auto-intitulado "Eu amo Maomé" convocou por meio do Facebook para esta sexta-feira uma manifestação em frente à embaixada americana em Argel. Sob o lema "Campanha contra a difamação do profeta", o grupo convocou um protesto em frente à sede diplomática, no bairro de Al Biar, após a oração do meio-dia (hora local) de amanhã.

Mais de 1,5 mil pessoas disseram por meio da rede social que participariam da manifestação contra o filme americano "Inocência dos muçulmanos", que parodia Maomé e que foi considerado ofensivo pelos islamitas de vários países árabes. A embaixada dos EUA em Argel pediu ontem que os cidadãos americanos que moram na Argélia tomem medidas de segurança e evitem os deslocamentos e viagens.

Em uma "mensagem urgente" divulgada por sua página na internet, a legação disse que enviou a advertência após comprovar que foram convocadas várias manifestações em frente à embaixada nas redes sociais.

Resultados

O presidente do Iêmen, Abdo Rabbo Mansour Hadi, também lamentou o ataque à embaixada dos Estados Unidos em Sana, que segundo sua opinião foi efetuado por uma "turba" que não é consciente dos planos de forças sionistas para prejudicar a relação de seu país com os EUA.

"Os grupos que fizeram isto são uma turba que não sabe o que faz e não é consciente dos planos de forças sionistas que têm objetivos a longo prazo, afirmou Hadi, segundo informou a agência de notícias oficial "Saba". A agência também informou que Hadi pediu desculpas pessoalmente ao presidente americano, Barack Obama.

O chefe de Estado iemenita afirmou que os invasores da embaixada se aproveitaram da falta de preparo do serviço de segurança para uma situação como a atual.

Na terça-feira (11) o presidente destituiu a cúpula de segurança do país após o atentado contra o comboio do ministro da Defesa, Ahmad Mohammed Nasser, que deixou o dirigente ferido e matou 12 pessoas.

Os presidentes dos EUA, Barack Obama, e da Líbia, Mohamed Magarief, conversaram por telefone na noite de ontem (12) e acertaram uma colaboração entre os dois países para investigar o ataque desta semana ao consulado norte-americano em Benghazi, segundo a Casa Branca. "O presidente (dos EUA) deixou claro que devemos trabalhar juntos para fazer o que for necessário para investigar os autores desse ataque e levá-los à Justiça. Os dois presidentes concordaram em trabalhar em estreita proximidade no curso dessa investigação", disse a Casa Branca em nota.

Um protesto semelhante aconteceu no mesmo dia na embaixada dos EUA no Cairo. Obama telefonou para o presidente egípcio, Mohamed Mursi, para pedir mais empenho do Egito na proteção a instalações e funcionários diplomáticos. "O presidente disse que rejeita os esforços para denegrir o Islã, mas salientou que nunca há justificativa para a violência contra inocentes e para atos que coloquem em risco pessoal e instalações dos EUA."

O governo norte-americano mobilizou dois destróieres para a costa líbia por causa do incidente, que matou também outros três funcionários diplomáticos e deixou oito líbios feridos. O presidente dos EUA, Barack Obama, prometeu "trazer à Justiça" os responsáveis pelo ataque. Um grupo de marines especializado em combate ao terrorismo também foi enviado à Líbia.

Autoridades norte-americanas não descartam que os ataques tenham sido planejados antecipadamente. Eles coincidiram com o 11º. aniversário dos atentados da Al-Qaeda de 11 de setembro de 2001 nos EUA.

Líbios disseram que entre os envolvidos do ataque em Benghazi havia integrantes fortemente armados do grupo islâmico local Anshar al Sharia, que simpatiza com a Al-Qaeda e se contrapõe ao modelo de democracia proposto pelos EUA para o país.

O Iêmen também tem um braço ativo da Al-Qaeda. Também houve protestos nesta semana em frente a missões diplomáticas dos EUA na Tunísia, Sudão e Marrocos. Obama disse que terminou um reforço na segurança de instalações diplomáticas no mundo todo.

A Sociedade Islâmica da América do Norte, que agrupa várias mesquitas americanas, condenou "de maneira inequívoca as mortes do embaixador dos EUA na Líbia, Christopher Stevens, e seu pessoal", segundo um comunicado divulgado no site da sociedade.

O imã Mohammed Magid, que preside a Sociedade Islâmica da América do Norte, denunciou a violência durante uma entrevista coletiva em Washington na qual esteve acompanhado por um rabino, um ministro batista e o embaixador líbio nos EUA, Ali Aujali.

"Os relatórios indicam que os responsáveis pelo ataque aos funcionários americanos fizeram isso em reação a um vídeo que apresenta o profeta Maomé de uma maneira profana. Embora achemos que este vídeo seja desprezível e odioso, isto jamais pode ser usado como desculpa para cometer qualquer tipo de ato violento. Ninguém deveria cair na armadilha dos que desejam incitar o ódio", disse o imã.

Magid afirmou ao jornal The New York Times que entrou em contato com acadêmicos muçulmanos no Egito, Líbia, Tunísia e Mauritânia para dizer que os produtores do filme "não representam o povo americano".

O representante democrata Keith Ellison, primeiro muçulmano eleito ao Congresso dos EUA, declarou que o vídeo que supostamente causou os distúrbios "é estúpido e rudimentar e que ofende não somente aos muçulmanos, mas a qualquer um que respeite a fé dos demais. É preciso entender que o Governo dos Estados Unidos nada teve a ver com a criação do vídeo. O povo americano o repudia", disse.

O presidente da Sociedade Muçulmana Americana, Oussama Jamal, disse que se as pessoas que atacaram as missões diplomáticas americanas fizeram isso como reação ao vídeo "caíram na armadilha da violência". "Isto é absolutamente degradante", acrescentou. "Achamos que estes atos covardes contradizem totalmente as doutrinas do Islã", acrescentou Jammal em Chicago.

Ammar Almasalkhi, presidente do Centro Comunitário Muçulmano em Louisville, disse que condena os ataques "da maneira mais enérgica que se possa imaginar. Estas ações não representam nossa fé". Por sua vez, Ihsan Bagby, professor de estudos islâmicos na Universidade de Kentucky, disse ao jornal The Courier Journal que "os extremistas que explorarm o filme promovem a ideia de que o Ocidente está em guerra com o islã".

O vídeo, acrescentou Bagby, "é repugnante e malicioso na forma como denigre a imagem de Maomé, mas os muçulmanos nos EUA e em outros países necessitam proclamar que os Estados Unidos e Ocidente não estão em guerra com o islã e que a liberdade de expressão é um aspecto cultural dos Estados Unidos".

"Qualquer um que tenta promover a noção equivocada de que os muçulmanos não se integram nos Estados Unidos, fomenta mais medo e mais comportamentos destrutivos", disse Aalam al-Marayati, presidente do Conselho Muçulmano de Relações Públicas em Los Angeles.

O chefe do governo do Hamas em Gaza, Ismail Haniyeh, pediu nesta quinta-feira que "o governo americano se desculpe" com os muçulmanos pela divulgação de um filme produzido e filmado nos Estados Unidos, considerado ofensivo ao Islã.

Enquanto isso, o ministro dos Waqfs (Bens Religiosos Muçulmanos) do governo do Hamas, Ismail Radwane, pediu a centenas de manifestantes reunidos diante da sede do Conselho Legislativo em Gaza que "boicotem os produtos americanos" e convocou uma manifestação após as orações de sexta-feira.

Os participantes da manifestação, organizada pelo ministério, brandiam bandeiras com as inscrições "Nós nos sacrificaremos por ti, ó profeta de Deus", e "Onde vocês estavam, muçulmanos, quando insultavam o seu profeta?". Já Haniyeh "condenou o filme que insulta Maomé, que é representado por um ator americano".

Em Tel Aviv, cerca de 60 árabes israelenses participaram de um protesto diante da embaixada americana convocado pelo Movimento Islâmico de Israel, gritando palavras de ordem contra o filme e seus produtores. "Viemos protestar contra os produtores desse filme e contra os Estados Unidos que autorizaram sua produção", disse à AFP Zahi Najdat, que estavam entre os manifestantes.

A Rússia teme um caos o Oriente Médio depois do ataque contra o consulado americano na Líbia e outros atos no Egito e no Iêmen, declarou nesta quinta-feira o presidente russo Vladimir Putin.

"Temos medo que esta região mergulhe no caos, o que praticamente já é o caso", declarou o Putin, em declarações difundidas pela televisão pública russa. Ele também pediu aos novos governos que assumiram o poder depois da Primavera Árabe que aceite a responsabilidade em relação às questões de segurança.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse ainda hoje que determinou que seu governo tome todas as medidas necessárias para proteger cidadãos norte-americanos no exterior, à medida que missões diplomáticas dos EUA no Oriente Médico continuavam sob ataques de protestos violentos. Obama, falando em um evento da campanha pela reeleição em Golden, no Colorado, também disse que ele e seus assessores estão em contato com outros governos para "fazê-los saber que eles têm a responsabilidade de proteger os nossos cidadãos".

Obama fez as declarações depois que o embaixador dos EUA na Líbia e três outros diplomatas norte-americanos foram mortos em um ataque de homens armados ao consulado dos EUA em Benghazi, na noite de terça-feira. O ataque foi parte de uma série de protestos violentos contra os Estados Unidos em resposta a um filme produzido nos EUA considerado pelos manifestantes como insultuoso ao profeta Maomé. (EFE/AFP/REUTERS/BBC BRASIL)

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