Brecha para o terror

Até então espectadora do mais importante movimento popular ocorrido no mundo árabe nos últimos anos, a Al-Qaeda tornou-se uma preocupação no momento em que a onda de revoltas alcançou o Iêmen. Nas últimas semanas, atentados atribuídos ao braço da rede terrorista no país, a Al-Qaeda da Península Arábica (AQAP, na sigla em inglês), alertaram para o risco de a instabilidade política criar um vácuo de poder e abrir brechas para os seguidores de Osama bin Laden.

A inquietação foi reforçada por setores da área de segurança do governo norte-americano. Em meio a ataques contra as forças oficiais e à explosão de uma fábrica de munição, que matou mais de 100 pessoas, o secretário de Defesa, Robert Gates, admitiu que os distúrbios no Iêmen poderiam favorecer o grupo extremista. “A instabilidade e o desvio da atenção que era dada à rede são, por certo, minha preocupação principal nessa situação”, afirmou.

Desde o Natal de 2009, quando um terrorista treinado no Iêmen foi impedido de explodir um avião em Detroit, os EUA se aliaram ao presidente iemenita, Ali Abdullah Saleh, nos esforços para combater a Al-Qaeda. Mas Washington se preocupa agora com o futuro da parceria e dos bilhões de dólares empenhados em operações de contraterrorismo. A saída de Saleh, há 33 anos no poder, é a principal reivindicação das manifestações populares que se repetem no país. Para hoje, está prevista uma reunião entre o governo e a oposição, em Riad, para assinar um acordo de saída para a crise, elaborado com base no plano apresentado pelas monarquias do Golfo. O plano prevê a renúncia, com garantia de imunidade a Saleh, um mês depois que a oposição forme um governo de reconciliação nacional. Manifestantes, porém, mostram-se contrários ao acordo e exigem a saída imediata do presidente.

Analistas ouvidos pelo Correio alertam que a paralisação das atividades antiterroristas podem aumentar a capacidade da Al-Qaeda no Iêmen, mas ponderam que a permanência de Saleh não garantiria a estabilidade, já que ele nunca manteve efetivamente o controle em todo o país. Para o francês Barah Mikail, especialista em Oriente Médio e Norte da África do instituto europeu Fride (Espanha), a rede de Bin Laden é muito ativa no Iêmen e tem aproveitado o vazio de poder para se articular. “O governo iemenita já reconheceu que quatro cidades no sul estão sob controle de membros da Al-Qaeda”, relata. “É óbvio que a situação atual serve aos interesses do grupo.”

A presença da organização no Iêmen foi usada como argumento tanto por aliados como por oposicionistas de Saleh. Rivais do presidente o acusam de retirar as forças de segurança de seus postos para atuarem nas grandes cidades, na repressão aos protestos, deixando localidades menores desprotegidas. O líder iemenita, por sua vez, consciente da preocupação de Washington, tomou o argumento a seu favor e disse ser o único capaz de conter a ameaça terrorista no mais pobre dos países do Oriente Médio. A retórica de Saleh, porém, não foi suficiente para manter o apoio dos EUA, que discretamente se distanciam de seu governo.

Tribos

O veterano analista de Oriente Médio Gary Sick, ex-membro do Conselho de Segurança Nacional norte-americano, considera que as discussões agora são sobre quem será o próximo a comandar o Iêmen. “Será que um possível futuro líder se afastará dos EUA? Acho que não. Ele deverá manter a mesma relação com Washington”, frisa. “De qualquer forma, essa não é uma decisão dos americanos, mas dos iemenitas. A preocupação dos EUA deve se voltar para ajudar o país a manter a Al-Qaeda sob controle, independentemente do que acontecer.”

Sick destaca ainda que o governo central no Iêmen deve estar alinhado e contar com o apoio das tribos, uma vez que são elas que permitem ou não a atuação da rede. “Se os grupos tribais tivessem mais o apoio de Sanaa, a Al-Qaeda não teria tanto espaço para crescer.”

Na opinião de Barah Mikail, o futuro do Iêmen e do braço local da rede terrorista dependerá das condições para a saída de Saleh, caso ele deixe mesmo o poder, e da habilidade de seu sucessor de realizar uma transição segura e pacífica. “Os terroristas se beneficiam da atual situação, mas não são populares e fortes o suficiente para se organizarem no Iêmen”, avalia. “Independentemente da evolução dos fatos, tudo dependerá da capacidade da sociedade civil para organizar eleições livres e multipartidárias, mantendo a unidade no país.”

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