Guiné-Bissau: Golpe interrompe ajuda do Brasil

Maria Clara Prates

"Ai da África se continuar a ter um exemplo dessa natureza, em que meia dúzia de pessoas resolve depor o seu governo e arranja uma instituição estrangeira para dar o seu aval" Carlos Gomes Júnior, primeiro-ministro da Guiné-Bissau deposto

O esforço brasileiro para ajudar os países da África, especialmente a Guiné-Bissau —assumido como prioridade pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva e encampado pela presidente Dilma Rousseff —, esbarra em turbulências políticas internas de países no lado ocidental daquele continente. Um exemplo é Guiné-Bissau, onde o Brasil investiu US$ 10,4 milhões ( cerca de R$ 20,8 milhões) em pelo menos 20 projetos sociais e de desenvolvimento econômico e institucional. Lá, todas as iniciativas estão suspensas em razão de um golpe militar promovido pelas forças armadas guineenses no dia 12 do mês passado. E mais grave: os revoltosos pretendiam ocupar o Centro de Formação das Forças de Segurança, construído para qualificar as polícias do país em projeto orçado em US$ 3 milhões, para transformá-lo em uma de suas bases militares.

O centro deveria ter sido inaugurado, com honra e pompas, em abril, mas a solenidade, que teria a presença de representante do governo brasileiro, do Departamento de Polícia Federal, do Ministério Público Federal e da UNODC (agência das Nações Unidas de combate às drogas e ao crime organizado), foi suspensa em razão da instabilidade política.

O embaixador do Brasil em Guiné-Bissau, Jorge Geraldo Kadri, 56 anos, confirmou à reportagem a tentativa de uso do centro pelos rebeldes, que pretendiam alojar ali as tropas da Comunidade Econômica dos Estados da África do Oeste (Cedeao), que apoiam a junta de transição. Segundo ele, o pedido de ocupação do complexo de formação foi feito por carta à embaixada brasileira. "Depois de uma consulta ao Itamaraty, foi desaconselhada a aceitação do pedido de cessão. Me parece que as forças do Cedeao compreenderam a posição do Brasil, e parte delas que chegaram ao país já estão aquarteladas em outro local", afirmou.

Kadri, que deixou há alguns dias o posto, lamentou que o golpe tenha interrompido o "ritmo virtuoso de crescimento e estabilidade política". Segundo ele, o governo brasileiro condiciona a continuidade dos projetos ao retorno à ordem constitucional na Guiné-Bissau, em uma posição idêntica à da ONU, que defende, de forma firme, a retomada da democracia.

O diretor da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), ministro Marco Farani, explicou que, desde o início do período de instabilidade política, os quatro funcionários que trabalhavam na execução de atividades de cooperação foram repatriados para evitar expô-los a situação de risco. Não há previsão de retorno até o momento. Apenas a Polícia Federal, com a UNODC e funcionários da embaixada, mantém o centro funcionando administrativamente, nos termos da cooperação firmada.

De acordo com a ABC, o projeto de criação do Centro de Formação das Forças de Segurança de Guiné-Bissau foi assinado em dezembro de 2009, numa iniciativa do governo brasileiro de fortalecimento das estratégias de reestruturação e modernização do setor de defesa e segurança daquele país, que viveu sob guerra civil por quase duas décadas.

A cooperação, em sua primeira fase, estava prevista para ter duração de três anos. Desde o início da cooperação, foram capacitados 70 policiais das três forças de Guiné-Bissau — Polícia de Ordem Pública, Polícia Judiciária e Serviço de Informação e Segurança. Entre maio e junho de 2010, foi executado na Academia de Polícia Federal brasileira o I Curso de Formação de Equipes de Gestão, com nove alunos indicados pelas três forças policiais guineenses. Na avaliação da ABC, a experiência adquirida com os cursos-pilotos, coordenados e elaborados pela Polícia Federal, agradou os parceiros africanos.

Mal explicado
A solução para os conflitos internos da Guiné-Bissau parece estar longe do fim. A junta que assumiu o país depois do golpe — que incluiu a prisão do primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, e do presidente interino, Raimundo Pereira — iniciou um processo de transição de dois anos, antes de serem convocadas novas eleições. As alegações para o golpe ainda não estão bem explicadas.Os rebeldes, que se intitulam Comando Militar, alegaram que foram forçados a agir para defender as forças armadas de uma suposta agressão por parte das forças armadas de Angola.

Eles afirmaram possuir um documento secreto elaborado pelo governo autorizando um ataque angolano a militares guineenses. O documento estaria assinado por Carlos Júnior e Raimundo Pereira.

Uma junta de transição foi formada cinco dias depois do golpe. Libertados em 28 de abril, os reféns conseguiram asilo na Costa do Marfim. Apesar da ilegalidade do ato do Comando Militar, a Comunidade Econômica da África Ocidental apoiou a proposta dos rebeldes, que inclui a designação de Serifo Nhamadjo para presidente. Por sua vez, Carlos Gomes Júnior considerou que se trata de "um governo ilegal, porque não tem sustentabilidade parlamentar".

E acrescentou: "Ai da África se continuar a ter um exemplo dessa natureza, em que meia dúzia de pessoas resolve depor o seu governo e arranja uma instituição estrangeira para dar o seu aval". O político guineense recordou, igualmente, que o seu partido, o PAIGC, obteve 67 de 100 mandatos dados nas últimas eleições.

Os projetos
Veja as iniciativas que já tinham sido começadas pelo Brasil na Guiné-Bissau
» Centro de Formação Profissional Brasil Guiné-Bissau

Executor: Senai
» Formação e monitoramento do Programa Nacional para Universalização do Registro Civil de Nascimento
Executor: Secretaria Nacional de Direitos Humanos
» Fortalecimento do Centro de Promoção do Caju
Executor: Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (MEC)
» Apoio ao Programa de Prevenção e Controle de Malária
Executor: Secretaria de Vigilância Sanitária (Ministério da Saúde)
» Apoio à inclusão digital
Executor: Serpro
» Fortalecimento da Assembleia Nacional Popular Bissau-Guineense
Executor: Senado Federal
» Apoio à reestruturação dos cursos de educação profissional em
contabilidade e administração do Centro de Formação Administrativa
da Guiné-Bissau
Executor: Ministério da Educação
» Capacitação de militares nas Forças Armadas do Brasil
Executor: Ministério da Defesa
» Transferência de tecnologia para implantação da Unidade de Processamento do Pendúculo do Caju
Executor: Embrapa
» Apoio na área de diagnóstico laboratorial do HIV e de outras doenças infecciosas
Executor: Ministério da Saúde
» Educação em direitos humanos
Executor: Secretaria Nacional de Direitos Humanos
» Missão tecnico-militar para levantamento das necessidades de implantação e implementação do Centro de Formação de Praças
Executor: Ministério da Defesa
» Centro de Formação das Forças de Segurança
Executor: Departamento de Polícia Federal
» Projeto Jovens Lideranças, para a multiplicação das boas práticas socioeducativas
Executor: Instituto Elos, Fundação Gol de Letra, Ministério da Educação
» Fortalecimento e capacitação técnica das instituições de saúde para atendimento às mulheres e adolescentes vítimas de violência
Executor: Ministério da Saúde
» Combate ao trabalho infantil
Executores: Ministérios do Trabalho, da Saúde e do Desenvolvimento Social
» Fortalecimento da gestão pública de Angola e da Guiné-Bissau
Executor: Fundação João Pinheiro
» Projeto de recenseamento geral da população e habitação

Executor: IBGE
Fonte: Agência Brasileira de Cooperação (ABC)/Itamaraty

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