O Ocidente perdeu no Afeganistão

Gideon Rachman | Financial Times


Cinco anos atrás, os americanos recusavam-se a conversar com os talebans. Agora os talebans estão se recusando a falar com os americanos. Essa é uma medida de como mudou o equilíbrio de poder no Afeganistão. A intervenção ocidental fracassou. Agora que a Otan prepara-se para deixar o país, em 2014, é apenas a dimensão da derrota que resta para ser determinada.

Uma alta autoridade paquistanesa comentou ironicamente: "Eu me lembro de quando os americanos costumavam dizer que o único taleban bom era um talibã morto. À época, o discurso deles era sobre a distinção entre o conciliável e o irreconciliável. Agora, eles dizem: o Taleban não é nosso inimigo". Na realidade, as forças da Otan e do Taleban, a milícia extremista islâmica, são ainda inimigos no campo de batalha. Mas, em um esforço desesperado para deixar o legado de um Afeganistão estável, os EUA e seus aliados também estão se empenhando em incluir o Taleban no processo político.

No entanto, os talebans não têm nenhuma pressa para negociar – e, recentemente, romperam as conversações. Agora que as tropas ocidentais estão a caminho da saída, há pouca pressão para que eles façam concessões.

Embora tenha sido a presença da Al Qaeda que levou a Otan ao Afeganistão, a natureza abominável do regime taleban deu ao combate uma dimensão moral extra. Os políticos ocidentais que visitavam o país sempre se mostravam ansiosos em visitar uma recém-inaugurada escola para meninas – e em enfatizar o progresso dos direitos das mulheres.

Os americanos insistem que a participação do Taleban no processo político continua dependente de eles aceitarem a atual Constituição afegã, que contém todo tipo de proteção dos direitos humanos e defesa da igualdade de gênero. Mas o Afeganistão nunca respeitou as palavras no papel. Nas palavras de um ministro de Relações Exteriores da UE: "Na verdade, três quartos da população não consegue ler a Constituição porque é analfabeto".

Mesmo sob o atual governo, a situação das mulheres afegãs é bastante sombria. Na semana passada, a organização Human Rights Watch divulgou um relatório destacando as centenas de mulheres que estão atualmente presas no Afeganistão por "crimes morais", como resistir a casamentos forçados ou até mesmo queixar-se de estupros. Mas houve avanços também para as mulheres, sobretudo nas escolas e nas cidades – e esses progressos provavelmente ficarão ameaçados quando o Taleban recuperar influência. Para Hillary Clinton, que incluiu a defesa dos direitos das mulheres em sua agenda no Departamento de Estado dos EUA, essa deve ser uma pílula particularmente amarga.

A realidade, porém, é que ao matar Osama bin Laden, no ano passado, o governo dos EUA encerrou um capítulo nessa história, o que lhe permitiria justificar uma retirada do Afeganistão. Os objetivos da Otan para o país são agora mínimos e totalmente concentrados em segurança: o Afeganistão nunca mais deverá proporcionar refúgio a terroristas – e o país não deve tornar-se um "Estado falido".

Até mesmo esses objetivos mínimos poderão não ser alcançados. O foco dos esforços da Otan foi treinar e equipar as forças de segurança afegãs para que elas pudessem assumir o lugar das tropas ocidentais. Mas as despesas militares afegãs somam US$ 8 bilhões a US$ 9 bilhões por ano. Estará o Ocidente disposto a continuar injetando tanto dinheiro no Afeganistão – com tantas demandas concorrentes para esse dinheiro? Se não, como disse Carl Bildt, ministro das Relações Exteriores sueco no fórum deste fim de semana em Bruxelas: "Teremos dado treinamento e armas a 100 mil pessoas, e depois as desempregamos".

Mesmo que o establishment militar afegão se mantenha coeso, é bastante provável que o país mergulhe numa guerra civil. Isso, por sua vez, provavelmente continuará a radicalizar ainda mais o Taleban paquistanês – devido aos vínculos tribais, militares e religiosos nos dois lados da fronteira.

Quando o presidente Barack Obama assumiu o poder, ele, reservadamente, rotulou o Paquistão de "país mais assustador do mundo" – e insistiu em que o problema afegão não pode ser separado do destino de seu vizinho muito maior; daí a insistência no horrível termo "AfePaqui". Na pressa de tirar as tropas ocidentais do Afeganistão, no entanto, o problema do Paquistão corre o risco de ser negligenciado.

Isso também é um erro, porque a situação no Paquistão é tão assustadora como quando Obama assumiu o poder. Carl Bildt, que recentemente visitou o país, descreve-o como possuído por uma "onda de histeria antiamericana". Esse ânimo só vai piorar, diante da notícia, divulgada no fim de semana, de que nenhum militar americano terá de defender-se de acusações envolvendo o ataque aéreo da Otan que matou 24 soldados paquistaneses em novembro passado.

A ideia de que os EUA estão conspirando para apoderar-se das armas nucleares paquistanesas tornou-se uma obsessão tanto para os meios de comunicação paquistaneses como para grande parte da classe dirigente do país. Em resposta, o Paquistão está intensificando produção de armas nucleares e distribuindo-as por todo o país. Dada a radicalização da opinião pública paquistanesa e a quantidade de material físsil que está sendo produzida, o pesadelo americano de armas nucleares "à solta" está parecendo desconfortavelmente realista.

Em consequência, os EUA continuam profundamente engajados na luta contra o terrorismo no sul da Ásia. Mas os ataques de aeronaves não tripuladas contra jihadistas nas áreas tribais do Paquistão – que foram a fonte dos maiores êxitos americanos – são uma faca de dois gumes. Eles devastaram a liderança da Al Qaeda. Mas também alimentaram a desenfreada onda antiamericana que poderá produzir a próxima geração de terroristas.

Como diz uma alta autoridade paquistanesa: "O número três da Al Qaeda foi morto pelo menos cinco vezes. Mas há sempre um novo número três. É a mentalidade que fomenta a Al Qaeda que precisa ser derrotada". Infelizmente, essa mentalidade está de novo em ascensão, tanto no Paquistão e como Afeganistão.

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