Líbia – Guerra até Kadafi sair

Rodrigo Craveiro

A reunião entre os chanceleres de 40 países envolvidos na intervenção militar contra Muamar Kadafi terminou em Londres com um consenso: as bombas cairão sobre o país até que o ditador abandone o poder e a Líbia. “Temos feito um esforço realmente internacional, a favor do bem-estar da cidadania líbia e de suas aspirações diplomáticas legítimas. Esta ação militar continuará até que Kadafi cumpra com os requisitos da Resolução nº 1.973 da Organização das Nações Unidas (ONU) e deixe de atentar contra seu povo”, declarou a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton. “Todos nós devemos continuar a aumentar a pressão e a aprofundar o isolamento do regime com outros meios. E eles incluem uma frente de unidade de pressão político-diplomática para deixar claro a Kadafi que ele deve partir”, acrescentou.

Na mesma linha, o colega francês, Alain Juppé, avisou: “Kadafi não tem futuro na Líbia”. Além dos ministros das Relações Exteriores — incluindo de países árabes, como Marrocos, Tunísia e Emirados Árabes Unidos —, participaram do encontro os secretários-gerais da ONU e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), e representantes da Liga Árabe, da Conferência Islâmica e da União Africana.

Ao fim da conferência, ficou decidida a formação de um “grupo de contato” internacional , que se reunirá pela primeira vez no Catar, ainda em data a definir, e terá a incumbência de manter diálogo permanente com o Conselho Nacional Transitório (CNT), o principal órgão da oposição na Líbia. A coalizão reconhece que os rebeldes líbios manterão sua batalha contra Kadafi, mesmo por conta própria. Pela primeira vez, a Otan admitiu que integrantes da rede terrorista Al-Qaeda e da milícia libanesa Hezbollah participam das fileiras insurgentes na Líbia. “Estamos examinando com muita atenção o conteúdo (das informações de inteligência), a composição (das forças rebeldes), as personalidades, quem são os líderes”, disse o almirante James Stavridis, comandante supremo da aliança ocidental para a Europa. “Não tenho detalhes para dizer que há uma presença significativa da Al-Qaeda.”

Também durante a reunião em Londres, Chamsiddine Abdulmoula, porta-voz do CNT, exibiu uma carta de compromissos para o caso de o coronel líbio ser destituído. Entre as promessas estão o inegociável julgamento do ditador e a convocação de eleições livres. O novo ultimato a Kadafi levantou um debate sobre os propósitos da operação militar. A Resolução nº 1.973 autoriza “todas as medidas necessárias para proteger os civis sob ameaça de ataque na Líbia”. Em entrevista ao Correio, o tunisiano Radwan Masmoudi — presidente do Centro para o Estudo do Islã e da Democracia (em Washington) — descarta que a guerra represente uma violação do texto da ONU. “Kadafi deixou claro que não se importa com os civis e ordenou que suas brigadas e mercenários atirem contra qualquer pessoa”, afirma o especialista. “Ele é um criminoso, perdeu a legitimidade e deve deixar a Líbia logo”, acrescenta. Até que isso ocorra, Masmoudi crê que o mundo tem a obrigação de proteger os líbios.

Desconforto
Vice-diretor do Programa para a África do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (ISS), o norte-americano Richard Downie explica que a decisão de tonar a partida de Kadafi uma condição para o fim dos bombardeios denota o desconforto dos aliados em relação à intervenção. “A coalizão sabe que, caso os rebeldes sejam abandonados, o único cenário possível será a divisão da Líbia entre forças pró e anti-Kadafi. Para evitar isso, ela prosseguirá com os bombardeios até que o ditador renuncie”, opina à reportagem. Downie diz que a Resolução nº 1.973 é bastante ampla em interpretação. “Cada membro da coalizão analisará o texto de forma diferente. Aqueles que adotarem uma definição mais expandida verão uma justificativa para remover o coronel líbio”, emenda.

As tropas de Kadafi reconquistaram posições perdidas nos últimos dias e mantêm o cerco sangrento a Misrata, 211km a leste de Trípoli. Um médico da cidade contou à agência France-Presse que 142 pessoas foram mortas e 1,4 mil ficaram feridas desde 18 de março. Os insurgentes perderam o controle de Bin Jawad, um polo petrolífero, e viram dificultado o avanço sobre Sirte, cidade natal de Kadafi, a 160km. A coalizão intensificou o assédio sobre a capital — nove explosões sacudiram Trípoli, sete delas perto da residência do ditador.


Milhares morrerão…
“A revolução e a luta entre as gangues criminosas e mercenários de Kadafi e o povo líbio devem durar mais algumas poucas semanas. Infelizmente, milhares de pessoas morrerão. A população da Líbia entende que esse é o preço que ela precisa pagar para obter sua liberdade. Kadafi pode poupar milhares de vidas simplesmente renunciando.”

Radwan Masmoudi, presidente do Centro para o Estudo do Islã e da Democracia (em Washington).

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