ANÁLISE – Humala ousa ir onde Lula jamais esteve

Ollanta Humala, que toma posse na quinta-feira como presidente do Peru, já ousou realizar uma trajetória mais ao centro, ou mesmo à direita, do que o homem que ele emulou durante sua campanha eleitoral: o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.

Humala, um ex-militar que no passado assustava os investidores com uma retórica agressiva, foi eleito em junho com promessas de adotar uma "esquerda de mercado", como fez Lula.

Mas o gabinete que Humala montou é, sob qualquer ângulo, mais conservador do que o ministério nomeado por Lula quando da sua posse, em 2003.

Isso sugere que Humala manterá intacto o atual modelo econômico, mas intensificará a luta contra a pobreza, problema que aflige cerca de um terço da população do Peru, país que tem um dos mais expressivos crescimentos econômicos do mundo na atualidade.

Humala surpreendeu investidores céticos na semana passada ao anunciar sua equipe econômica –um verdadeiro "time dos sonhos" para o mercado financeiro.

Luis Miguel Castilla e Julio Velarde, dois economistas adorados por Wall Street, serão respectivamente ministro das Finanças e presidente do Banco Central. A Bolsa de Lima disparou diante dessa notícia, e a moeda local chegou à sua maior cotação em três anos.

Castilla e Velarde, ambos doutores em economia por universidades de ponta dos Estados Unidos, trabalharam com o atual presidente, Alan García, seguidor fervoroso das políticas de livre mercado e contra quem Humala pregava no passado, acusando-o de beneficiar os ricos em detrimentos dos pobres.

O novo presidente também escolheu um importante exportador para comandar o Ministério do Comércio, o que indica a preservação dos muitos acordos de livre comércio do Peru, com parceiros como China e EUA.

TRANSFORMAÇÃO DRAMÁTICA

No passado, Humala enfrentava resistência por causa da sua retórica contrária aos investidores estrangeiros, e também por ter comandado uma frustrada revolta militar contra o então presidente Alberto Fujimori, em 2000.

Na eleição de 2006, ele foi derrotado por García porque era visto como um acólito do líder socialista venezuelano Hugo Chávez. Desde então, porém, o peruano passou por uma transformação dramática, revelando-se um centrista conciliador.

"Humala está mantendo o presidente do Banco Central e o vice-ministro de Finanças do atual governo. O Brasil não fez isso em 2003. Achava-se que precisava haver uma mudança", disse Gray Newman, economista-chefe do Morgan Stanley para a América Latina.

O gestor de um fundo de hedge peruano disse, brincando, que ao escolher um ministro "de direita", Humala parou de se inspirar em Lula e agora está copiando García.

Até agora, no entanto, essa guinada para a centro-direita despertou poucos rancores dentro do seu partido, ao passo que Lula precisou passar anos domando radicais do PT que o acusavam de ter vendido a alma ao capitalismo depois de três derrotas em eleições presidenciais.

Ao contrário do que ocorreu com Lula, Humala nomeou uma equipe que já goza de credibilidade junto aos mercados.

No caso brasileiro, o primeiro ocupante da pasta da Fazenda, Antonio Palocci, era médico sanitarista; o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, era criticado por não ser economista, embora tivesse experiência como banqueiro. Ambos acabaram conquistando a confiança dos investidores, mas foi um processo que levou meses.

ESQUERDA AUSENTE

Além disso, o primeiro ministério lulista estava repleto de nomes do PT, ao passo que entre os 18 ministros de Humala há poucos que podem ser considerados esquerdistas "puro sangue", e só um filiado ao partido Gana Perú, que, ao contrário do PT, tem uma história curta e pouca profundidade institucional.

A maioria dos novos ministros é composta por tecnocratas, empresários ou membros do partido Peru Posible, cortejado por Humala para lhe assegurar maioria no Congresso.

Caberá a esse grupo executar os planos de Humala para o combate à pobreza, o que inclui um aumento do salário mínimo e garantia de uma pequena pensão a todos os peruanos com mais de 65 anos.

TERRY WADE – REUTERS


Os gastos sociais devem ser financiados por um imposto sobre os lucros das mineradoras, que várias empresas do setor dizem estar dispostas a pagar.

Um contraste significativo entre Humala e Lula está no cargo de chefe da Casa Civil.

No começo do primeiro governo petista, a pasta foi ocupada por José Dirceu, um ex-radical que esteve preso pela ditadura antes de se exilar em Cuba.

Já no caso de Humala, o cargo equivalente — chamado no Peru de primeiro-ministro — será ocupado por Salomon Lerner, um empresário milionário, que desde a década de 1970 colaborou com governos de praticamente todos os matizes políticos.

Mas pelo menos numa pasta Humala seguiu o receituário lulista. Para o Ministério da Cultura, ele nomeou a premiada cantora Susana Baca, importante figura da música afro-peruana.

Ela é uma espécie de versão local de Gilberto Gil, cantor de sucesso e ministro da Cultura de Lula entre 2003 e 2008, que às vezes dava "canjas" com seu violão após discursos políticos.

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