Estados Unidos e Irã se aliam contra o Estado Islâmico no Iraque


Texto do Stratfor
Tradução, adaptação e edição – Nicholle Murmel

 

Resumo

Desde junho a tenção da comunidade internacional está voltada para o Iraque, onde o movimento transnacional jihadista Estado Islâmico (EI) dominou grandes áreas do país de maioria sunita e declarou o restabelecimento de um califado – unidade teocrática até então extinta.

Apesar da preocupação global, especialmente por conta das operações militares dos Estados Unidos contra o EI, a cooperação do Irã contra o califado fundamentalista passou quase despercebida. A convergência de interesses, particularmente no que se refere ao governo central e da região de maioria curda no Iraque, gerou a necessidade de Washington e Teerã ao menos coordenarem ações. No entanto, desconfiança e oposição interna nos dois países continuará a atravancar essa parceria.

Análise

Apesar da inimizade mútua que perdura há 35 anos, EUA e Irã já cooperaram contra uma ameaça jihadista no passado, como na tentativa de derrubar o regime do Talibã depois dos ataques de 11 de setembro. As relações entre os dois países deterioraram novamente quando o então presidente americano George W. Bush declarou que o Irã fazia parte de um “eixo do mal”, e em seguida instarou-se a controvérsia acerca do suposto programa de desenvolvimento de armas nucleares por parte de Teerã, isso em 2002.

Porém, essas tensões não impediram as duas partes de cooperar novamente para concretizar a ofensiva americana para derrubar o governo de Sadam Hussein no Iraque em 2003.

Para o Irã, a decisão de Washington de derrubar o governo baathista iraquiano foi providencial – transformou a maior ameaça à segurança de Teerã em uma enorme crise geopolítica. Os iranianos fizeram tudo o que puderam para facilitar a depoisção de Hussein.

Nesses esforços, os parceiros políticos dos EUA em Bagdá – os xiitas e curdos, por exemplo – vinham servindo de testas-de-ferro ao Irã fazia tempo. Essas duas comunidades, renegadas pelo regime de orientação sunita, receberam apoio de Washington e Teerã primeiro para depor o governo, e em seguida para estabelecer um Estado de administração xiita em que os curdos teriam autonomia considerável.

Ao longo dos quase nove anos de presença militar americana no Iraque, Irã e EUA interagiram em um jogo complexo de cooperação e competição. Em certo momento, discussões privadas deixaram de ser suficientes, e ambos sos países passaram a debater publicamente o futuro de Bagdá com o fim da república baathista.

Agora, enquanto o Estado projetado em conjunto encara seu maior desafio desde as insurgências sunitas de 2007, é natural que as duas potências unam forças  para novamente combater uma ameaça comum. As precupações de Washington e Teerã acerca do Estado Islâmico transcendem as fronteiras do Iraque e incluem interesses de ambas as partes na região como um todo. Assim, o contexto geopolítico favorece a cooperação entre EUA e Irã.

Os principais negociadores que participaram das conversas privadas em Omã após o colapso do Exército iraquiano diante do EI foram Hossein Amir-Abdollahian, vice-ministro das Relações Exteriores do Irã, responsável pela política externa voltada à comunidade árabe e a África, e Jake Sullivan, conselheiro do vice-presidente americano, Joe Biden. EUA e Irã trabalharam nos bastidores para substituir o atual primeiro-ministro Nouri al-Maliki, a quem os dois países responsabilizam pela crise política em Bagdá. Washington e Teerã também vêm trabalhando para aplacar as tensões entre xiitas e sunitas, bem como entre Bagdá e a cidade de Erbil, na região curda do Iraque.

Isso posto, Estados Unidos e Irã sabem que administrar escaramuças políticas entre os três princpais grupos étnicos-sectários do Iraque, ainda que seja necessário, não será suficiente. O Estado Islâmico representa uma ameaça militar a Bagdá, e nem os militares iraquianos nem as forças curdas têm condição de combater o EI. Operações efetivas contra o califado exigirão que Washington e Teerã apoiem seus aliados em comum no Iraque e participem diretamente de ofensivas militares.

Apesar de estarem trabalhando juntos, não se pode dizer que EUA e Irã estão cooperando abertamente. O governo de Barak Obama e o presidente iraniano, Hassan Rouhani, já enfrentam considerável oposição interna em seus países acerca das difíceis negocioações sobre a questão nuclear, mas o problema vai além.

Há desconfianã genuína entre os dois países, o que limita até que ponto eles podem se unir contra o Estado Islâmico – especialmente nas áreas militar e de inteligência. Nenhum dos lados quer revelar seus equipamentos e protocolos ao outro.
 
Essa desconfiança dificulta, por exemplo, que as Forças Quds – o braço internacional da Guarda Revolucionária do Irã – e o Ministério da Inteligência e Segurança trabalhem à vontade com o Comando Central e a CIA americanos. É por isso que ambas as partes provavelmente coordenarão cada uma suas ações em vez de planejar conjuntamente.

Na verdade, o Stratfor soube que Washington e Teerã concordaram com o efetivo da Quds Force enviado para a província de Diyala, no leste do Iraque,  para combater ao lado das forças curdas contra o EI.
 
Enquanto os Estados Unidos enviaram centenas de conselheiros militares ao Iraque após a tomada de Mosul, no norte, pelo califado, as forças iranianas já mantêm presença faz tempo – presença que foi reforçada desde a ascenção do EI. Pelo fato de militares americanos e iranianos trabalharem com os mesmos agentes em Bagdá, ambas as partes ocasionalmente se esbarram. Porém, incrementar a capacidade do Iraque para enfrentar a amaeaça jihadista rquer que pessoal americano e iraniano acomodem a presença uns dos outros para evitar esse tipo de contratempo.
 
Apesar de o Irã ter realizado um pequeno número de incursões aéreas rápidas no Iraque, a maior parte dos esforços de Teerã será baseada em terra, com tropas do país engajando efetivamente no combate, ou prestando suporte aos militares iraquianos, ou mobilizando milícias. Os Estados Unidos participarão mais em operações aéreas, dada a aversão dos americanos ao envio de forças terrestres.

Essa dinâmica funciona bem para as duas partes – os iranianos não têm poder aéreo como os americanos, e tê-los à frente da ofensiva terrestre serve aos interesses dos EUA. Isso não significa que algum dos países fique à vontade com essa estrutura operacional. Porém, a situação no Iraque leva Estados Unidos e Irã à cooperação. Há muitos motivos pelos quais esse arranjo permanecerá apenas no campo tático, especialmente quando chegar a hora de combater o Estado Islâmico na Síria, onde os interesses dos dois países batem de frente.
 

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