Isolar a Rússia significa empurrá-la para a China

 

Renata Malkes


Fatos como a anexação da Crimeia pela Rússia parecem distantes do público brasileiro. Mas não estão – ao menos na realidade do G-Zero, termo cunhado pelo cientista político americano Ian Bremmer para descrever a atual realidade geopolítica, em "destruição criativa". Ele vê um mundo onde o grupo dos sete países mais industrializados do mundo (G-7) tornou-se obsoleto, enquanto o G-20 e seus atores emergentes, como o Brasil, representam um bloco amplo demais para ser eficaz na criação de políticas uníssonas. Bremmer conversou com o GLOBO durante uma passagem pelo Rio para uma palestra no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI).

O que o presidente Vladimir Putin quer, de fato, na Ucrânia?

Putin quer dar um basta no declínio consistente do país nos últimos 20 anos. Perderam muito em energia, a economia está em colapso… Putin não vai desistir da Ucrânia. Ainda existe o sentimento de que aquilo ali é deles, de que a Rússia é uma grande nação. O governo russo deu aos ucranianos entre US$ 80 bilhões e US$ 200 bilhões nos 20 últimos anos. Não fizeram isso por diversão ou visando ao lucro, mas porque acreditam que aquele território é deles. Se alguém quiser forçar os russos para fora da Ucrânia, terá que fazer a eles algo que importe mais que a Ucrânia. Não temos essa possibilidade, não vai funcionar. Por isso, isolar a Rússia é má ideia. Se você isola a Rússia, empurra-a para a China, algo que ninguém deveria querer.

Há 40 mil soldados russos na fronteira. Por que mesmo diante da perspectiva de invasão, a diplomacia emperrou?

O Ocidente não entende que não se pode ganhar 100% na Ucrânia. Tudo o que foi feito nas últimas quatro semanas refletiu a percepção de que o Ocidente pode ganhar a Ucrânia. Esse é um erro terrível que vai nos custar caro. Esse é facilmente o maior erro de política externa que fizemos depois da Guerra Fria. As sanções até agora são basicamente a indivíduos, mas atingiram oligarcas e um banco russo. Vemos a retirada de recursos russos dos EUA para alocação no Brasil e em outros países. Durante o encontro do G7 na semana passada, anunciou-se uma nova reunião para discutir políticas energéticas, o que significa reduzir a dependência da Rússia. Se a Rússia vir europeus e americanos tentando outras fontes de energia, terá que fazer alguma coisa, pois sua economia não está boa. E a Rússia vai fazer: vai tentar ir à China. O encontro mais importante da política internacional deste ano será a viagem de Putin a Pequim em maio.

Uma aliança Rússia-China afeta os chamados Brics?

Apesar de diferentes, nenhum dos Brics votou na ONU a favor da condenação à Rússia. Nenhum está no G7. Obama diz que toda a comunidade internacional está a favor da Ucrânia. Então os Brics não fazem parte da comunidade internacional?! É verdade que até agora essa abstenção não se traduziu numa posição política coordenada, e a pergunta é se isso vai continuar assim. Por ora, acho que sim, em parte porque a economia americana está indo bem, o que importa para os Brics e para a China, pragmática. Mas a Rússia pode oferecer aos chineses algo que faça Pequim mudar de ideia. É possível. Se acontecer, o Brasil não apoiaria a Rússia. Mas se russos e chineses se unirem para criar uma nova organização e disserem a Brasil e Índia: 'Olha, não somos parte do G7, não somos parte da Parceria Transpacífica (TPP) e vamos nos unir'. Não acho que o Brasil se uniria a tal iniciativa, mas ficaria numa situação muito ruim. Vocês não querem estar nessa situação. Trotsky disse: "Às vezes você não quer a guerra, mas a guerra quer você".

O Brasil tradicionalmente recorre ao princípio de não ingerência em questões de outros países …

O Brasil não quer ter que adotar posições em assunto nenhum. As abstenções brasileiras mostram isso, o Brasil não quer responsabilidade. Nem na Síria, na Crimeia, em lugar nenhum. É uma ótima posição para o Brasil, mas que não vai poder se sustentar por muito tempo.

Essas manobras russas podem mudar a agenda da 6ª Conferência dos Brics em julho, aqui no Brasil?

Pode ser. Mas não depende do Brasil. Por enquanto, o Brasil é um observador passivo. As escolhas serão feitas por russos e chineses, e os brasileiros vão torcer para que eles não façam escolha alguma. É isso que o Brasil quer. Não é interesse do Brasil ver os Brics uma organização mais forte, porque o Brasil quer ser uma economia global, trabalhar com todas as potências a longo prazo. Se tiver que escolher entre EUA e China, certamente vai escolher os EUA. Se os Brics ficarem mais fortes, como um bloco anti-Ocidente, anti-EUA, vai ser muito ruim para o Brasil.
 

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