EUA apoiaram ditaduras com pé atrás

LUCAS FERRAZ

Confusos sobre a Operação Condor, aliança de ditaduras do Cone Sul, os EUA tentaram coordenar a troca de informações de inteligência entre os países da região.

O objetivo era controlar a operação, nos anos 1970, engendrada para capturar e matar opositores.

Ao mesmo tempo em que tolerava as ações dos militares latino-americanos, Washington queria "exercer moderada influência" entre eles, segundo documentos do Departamento de Estado americano a que a Folha teve acesso.

"Devemos trabalhar na troca sistemática de nível médio, algo mais que o intercâmbio de informações sobre terroristas", diz um informe de agosto de 1976, elaborado por Harry Shlaudeman, então responsável pela América Latina no Departamento de Estado.

"Nossa embaixada em La Paz tem recomendado que troquemos informes de inteligência com os bolivianos. Isso pode proporcionar um caminho até os suspeitos militares e trabalhar contra a síndrome deles de Terceira Guerra Mundial."

Segundo os americanos, era preciso atuar para mostrar às ditaduras da América Latina que o combate à subversão e ao comunismo não configurava uma nova guerra mundial, como os militares imaginavam.

"Talvez possamos convencê-los de que uma Terceira Guerra é indesejável", conclui Shlaudeman, que foi embaixador no Brasil.

Sobre o trabalho de coordenar informações da Operação Condor, há um alerta: é arriscado, diz o Departamento de Estado, pois os países poderiam concluir que os EUA estariam desinformados ou "não cooperativos".

Washington também temia que a aliança originasse um bloco dos países sul-americanos com a finalidade de atuar politicamente contra os interesses americanos.

Os documentos sobre a operação foram enviados à Justiça argentina por Peter Kornbluh. Historiador do National Security Archive, instituição não governamental americana, Kornbluh é um dos maiores especialistas em Operação Condor.
 

CONTRADIÇÃO

A CIA, agência de inteligência americana, descobre a existência da Condor em julho de 1976. Ela fora criada meses antes, em novembro de 1975, numa reunião em Santiago entre oficiais de Chile, Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Bolívia.

Em uma década, 30 mil pessoas foram torturadas e mortas pela operação, inclusive líderes civis exilados sob a proteção da ONU.

O National Security Archive descobriu no ano passado um telegrama assinado por Henry Kissinger, em setembro de 76, em que ele pede a Shlaudeman para não tomar "nenhuma iniciativa" contra os assassinatos das ditaduras sul-americanas. A postura contraria uma decisão anterior do próprio Kissinger.

Dias depois, o ex-chanceler chileno Orlando Letelier foi morto num atentado a bomba em Washington, a metros da Casa Branca. O episódio elimina a ambiguidade dos EUA, que passam a condenar a aliança.

Desconfiança ditava ligação com os países da região

Apesar do apoio americano a quase todos os golpes de Estado na América Latina nos anos 60 e 70, a relação da Casa Branca com as ditaduras sempre foi marcada pela desconfiança.

No caso brasileiro, a evidência foi a assinatura de um acordo nuclear com a Alemanha, em 1975. Os Estados Unidos tentaram impedir a realização do tratado.

Nos documentos da Operação Condor, o setor de inteligência do Departamento de Estado relata a preocupação de que os países do Cone Sul atuassem politicamente em um bloco.
O Brasil é o único que pode exercer essa liderança, diz trecho do documento intitulado "Cone Sul – Bloco em Formação?", elaborado no primeiro ano (1977) do governo Jimmy Carter.

"O país é a potência econômica da região e o único com legítimas pretensões de exercer influência extra-hemisfério", afirma o texto.

Ao radiografar a América do Sul e criticar principalmente a brutalidade das ditaduras do Chile e da Argentina, a Casa Branca afirma que um eventual bloco atuaria contra a nova política norte-americana na área de direitos humanos.

Mas ressalta: a unidade desses países poderia ser comprometida por "rivalidades históricas" e por disputas fronteiriças, como de fato ocorreu.

Em 1978, um ano depois da elaboração do documento, a Argentina e o Chile quase entraram em guerra, motivados por uma disputa em torno do canal de Beagle, na Patagônia. (LF)

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter