Defesa em Debate – Reforma do CSONU e Inserção Internacional: Brasil, uma potência mundial?

 A Defesa em Debate
 
Nam et ipsa scientia potestas est
 
 
Reforma do CSONU e Inserção Internacional:
Brasil, uma potência mundial? 

 
 
Fernanda Corrêa
Historiadora, estrategista e pesquisadora do
Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
fernanda.das.gracas@hotmail.com
 


Os países que possuem assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, também chamados de estruturalistas, gozam do privilégio do título de potências mundiais. Desta forma, EUA, Rússia, Inglaterra, França e China se destacam no cenário internacional como potências políticas, econômicas, tecnológicas e militares.
 
O relatório anual do PNDU 

 
Em 14 de março último, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), órgão da ONU, apresentou seu relatório anual, no qual promove duras críticas ao CS, enfatizando que a busca da multilateralidade deve nortear a estrutura deste Conselho e que os novos arranjos no hemisfério sul, citando o Brasil, estão desafiando as instituições existentes e os processos nos tradicionais domínios do sistema internacional.
 
São os países estruturalistas que votam sobre o ingresso permanente de novos membros no Conselho.
 
Sendo o CSONU o único órgão da instituição capaz de aprovar decisões sobre sanções e intervenções militares no mundo, segundo este relatório, caso não promova reformas estruturais em seu Conselho, a ONU tende a ser ainda mais contestada e desacreditada internacionalmente.
 
As velhas estruturas e os novos arranjos do sistema internacional

Neste relatório anual do PNUD, afirma-se que os sistemas atuais de governança global, responsáveis pelo desenvolvimento mundial, constituem um mosaico de estruturas velhas e novos arranjos e que as conquistas importantes do hemisfério sul, por exemplo, não são considerados pelas organizações internacionais.

Desta forma, por não ter suas conquistas reconhecidas pelos estruturalistas, os países em desenvolvimento têm se reorganizado em arranjos para superar problemas de ordem política, econômica, social, tecnológica e militar. O relatório é claro ao destacar como o forjamento de relações econômicas profundas entre as economias emergentes, citando Brasil, China e Índia, está influenciando o aumento e a regulação global do comércio, do dinheiro e das finanças, além de influenciar a cultura, a ciência, o meio ambiente, a paz e a segurança mundial.

O relatório é claro: ou as instituições internacionais busquem por reformas, tornando-se mais inclusivas, mais representativas, transparentes e confiáveis, ou serão desacreditadas e substituídas pelos novos arranjos das economias emergentes.

A Não Proliferação, a política externa brasileira e compromisso com a paz

Desde 1945, o Brasil pleiteia vaga permanente no CSONU. Desde então, com mais ênfase nas duas últimas décadas, a reforma deste Conselho tem sido recorrente nos discursos dos governantes brasileiros nas Assembleias Gerais da ONU. No entanto, o estruturalismo do sistema internacional sempre criou obstáculos ao ingresso permanente de novos membros. A China, em 1971, foi o último país a obter assento permanente no CSONU por pressão da URSS. Apesar da China neste contexto não se configurar como uma potência mundial, o fato de dominar a construção da bomba atômica lhe garantiu o assento permanente.

Outros países, ao longo da História, também buscaram este intento, por meio da construção da bomba atômica, como Índia, Israel, Paquistão, África do Sul. Este último desmontou seu arsenal.

O Brasil também buscou construir a bomba atômica no final da década de 1970, no entanto, por razões políticas considerou a partir da década de 1980, que a bomba atômica não enquadraria o Brasil no palco das negociações internacionais. Limitando o programa nuclear às finalidades pacíficas, gradativamente, o Brasil foi aderindo aos acordos e tratados internacionais que compactuavam com a não proliferação de armas nucleares.

Além de o Brasil abrir mão da construção da bomba atômica, constitucionalmente, em 1988, e se tornar signatário do TNP, na década de 1990, o Brasil já era signatário de vários outros tratados internacionais de desarmamento nuclear, tais como: Tratado da Antártida, Tratado de Proscrição das Experiências com Armas Nuclear na Atmosfera, no Espaço Cósmico e sob a Água, Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes, Tratado de Tlatelolco e Tratado sobre Proibição da Colocação de Armas Nucleares e outras Formas de Destruição em Massa no Leito do Mar, no Fundo do Oceano e em seu Subolo.

Embora o Brasil não abra mão de investimentos em Defesa e Segurança Nacional, há um sério comprometimento do País com a não proliferação de armas nucleares no mundo. No entanto, os países que insistem em promover campanhas internacionais pela não proliferação destas armas, mantiveram intactos seus arsenais e continuam promovendo estudos e mobilizando recursos para o desenvolvimento de mais armas de destruição em massa.

Diante deste quadro, qualquer tentativa internacional de impor ao Brasil a assinatura do Protocolo Adicional ao TNP se torna dúbia, infrutífera e hipócrita.

Importante considerar que a não proliferação de armas nucleares é pauta permanente da política externa brasileira, a qual não está, estrategicamente, sujeitas as mudanças governamentais.

A política externa brasileira ultrapassa desde as questões meramente partidárias até as políticas de Governo e não é produto da Era Lula ou da Era FHC. Sob os pilares do pragmatismo responsável do Governo Geisel e do universalismo do Governo Figueiredo, a política externa brasileira vem sendo, estrategicamente, construída com base no discurso de que não pode se sujeitar aos perigos e às consequências de possíveis escolhas equivocadas. Por este motivo seus formuladores reforçam a necessidade de entendê-la como uma política de Estado.

Isto significa dizer que a política externa brasileira define qual o papel que o país exercerá na nova ordem internacional. Os princípios e valores que norteiam a política externa brasileira são: multilateralismo, universalismo, tradicionalismo, estabilidade, continuidade, autonomia, capacidade de influência, diálogo, não intervenção militar, diversificação de parcerias, cooperação, integração e poder militar dissuasório.

Embora possamos considerar que há uma predominância do Ministério das Relações Exteriores na formulação da política externa brasileira e nos próprios princípios e valores que a norteiam, em contra posição a participação de outros setores, como as Forças Armadas e a comunidade acadêmica, há a crença da política externa brasileira de que o Brasil tem condições de oferecer respostas aos problemas sociais e econômicos que assolam os países menos favorecidos e gerar canais de diálogo entres países em conflitos políticos e guerras no mundo.

Em regra geral, é possível afirmar que o MRE goza de autonomia em relação ao Governo. Em diversos fóruns e eventos internacionais, a presidenta Dilma Rousseff tem defendido reformas democráticas e multilaterais no CSONU, ressaltando os valores e princípios da política externa brasileira e as dificuldades da comunidade internacional em lidar com as crises internacionais. Dilma exemplifica estas dificuldades citando as intervenções militares sem aprovação deste Conselho.

O CSONU e a inserção internacional do Brasil

Desde 2008, Brasil e demais países da América do Sul discutem a criação de um Conselho de Defesa Sul Americano (CDUNASUL), visando a cooperação e a integração dos países da região. Neste Conselho, os países buscariam resolver seus problemas de ordem social, econômica e política, manteriam a soberania dos membros e zelariam pela segurança da região.

Diferente do que se disseminava, na época que estava sendo criado o Conselho, este não gerou uma escalada armamentista na região. O que é possível perceber é um clima de cooperação e integração entre os países, inclusive, em matéria de Defesa. São diversos os programas tecnológicos e militares que o Brasil vem desenvolvendo em parceria com a Argentina, por exemplo, e o interesse de outros países da região em estreitar ainda mais os vínculos com o Brasil vem crescendo a cada ano. Exemplo disso é o interesse do Uruguai e da Venezuela em adquirir unidades do Jipe Gaúcho, um veiculo de assalto rápido, próprio para atender as necessidades das brigadas paraquedistas, desenvolvido pela cooperação tecnológica Brasil-Argentina.

Importante ressaltar que o papel militar do Brasil não se limita à América do Sul, a medida que, no Haiti, o Brasil realizou projetos sociais, realizou importantes operações militares em parceria com as Forças de Manutenção da Paz da ONU e consolidou parcerias econômicas com o Governo haitiano, inclusive, para a construção de uma hidrelétrica local.   

Em 25 de setembro de 2012, em pronunciamento na abertura da 67ª Assembleia-Geral da ONU, Dilma condenou a violência na Síria, o fim do embargo econômico à Cuba, a criação de um Estado Palestino e a reforma urgente do CSONU. De acordo com a presidenta brasileira, este Conselho está imobilizado por está sendo substituído por coalizões que se formam à sua revelia, fora de seu controle e à margem do direito internacional, gerando guerras e conflitos regionais, cada vez mais intensos, trágicas perdas de vidas humanas e imensos prejuízos materiais para os povos envolvidos. 

Em 23 de fevereiro deste ano, em Abuja, na Nigéria, Dilma voltou a defender, em pronunciamento conjunto com o presidente nigeriano Goodluck Jonathan, uma reforma urgente do CSONU, após o fim de uma reunião bilateral que buscava reforçar o comércio e os investimentos brasileiros na Nigéria.

Em seminário internacional, organizando pelo Banco Mundial, intitulado “Cooperação Sul-Sul Brasil-África”, em junho de 2102, para demonstrar as experiências brasileiras de cooperação nas áreas de agricultura, proteção social e treinamento vocacional, os países Gana, Quênia, Libéria, África do Sul, Tanzânia, Zâmbia, Angola, Burundi, Moçambique, Níger, Senegal entre outros, solicitaram a cooperação brasileira para dinamização de suas sociedades e economias. Só o Brasil possui 37 embaixadas na África.

Se por um lado, a África Subsaariana apresenta um baixo índice de desenvolvimento humano, há vários conflitos políticos e étnicos e os grupos se aproveitam da incapacidade dos governos locais em inovar estratégias de desenvolvimento, por outro, as parcerias e os investimentos do Brasil podem contribuir no enfrentamento destes problemas, oferecendo canais de diálogos e cooperação em áreas que vão desde a saúde e segurança alimentar até energia e defesa.

Não poderia deixar de citar aqui, como a Marinha do Brasil tem sido prestigiada nos países da África Austral por ter criado a Marinha da Namíbia. Este acordo foi assinado entre Brasil e Namíbia, em 2001. Além de enviar navios para este país africano, a MB forneceu apoio logístico e assistência técnica, treinou as tripulações e formou os primeiro marinheiros da Marinha da Namíbia. Este acordo rendeu ao Brasil diversos benefícios econômicos, seja na prestação de serviços, seja na venda de diversos produtos de defesa. Vários outros países da África Austral tem procurado a MB a fim de solicitar cooperação e assinatura de contratos de serviços e aquisição de produtos de defesa.

Em 22 de fevereiro deste ano, o Ministro da Defesa do Brasil, Celso Amorim, esteve em Angola, se reunindo com o Governo deste país africano. De acordo com o MD, o motivo da visita era o auxílio brasileiro na estruturação da indústria de defesa angolana.

A razão para tamanho prestígio do Brasil no hemisfério sul é que a política externa brasileira criou a imagem de um país com instâncias altamente qualificadas que conseguem defender e expandir os interesses econômicos nacionais e demonstram ser capazes de alimentar um processo de desenvolvimento econômico significativo.

Por as relações sul-sul serem prioridades da política externa brasileira, não tardará para que outros países menos favorecidos do sistema internacional acreditem que os valores que integram o compromisso do Brasil com o desenvolvimento e paz sejam capazes de oferecer respostas aos problemas da humanidade.

Não há dúvida de que o sistema internacional é estruturado de acordo com interesses dos países que possuem assento permanente no CSONU. No entanto, apesar dos questionamentos internacionais e das limitações, as instituições internacionais ainda são válidas para oferecer respostas aos problemas que assolam a humanidade.

Diante da relutância dos estruturalistas em reconhecer como válidos os valores que integram o compromisso do Brasil com a paz mundial e em dificultar maiores debates sobre o ingresso de novos membros permanentes ao CSONU, cabe ao Brasil, por meio de seus arranjos, a tarefa de tornar possível a sua maior inserção no jogo político do sistema internacional e, quiçá, se tornar potência mundial.

 

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