Governo estuda criar uma polícia de fronteira

Ary Filgueira e Vicente Vilardaga

Bandidos erguendo fuzis são uma imagem banal do cotidiano das grandes cidades brasileiras. O que se vê por aqui em termos de capacidade bélica nas mãos de criminosos só se equipara a cenários de guerra. A facilidade no acesso a armamento e munição coloca o Brasil entre as nações com maior índice de mortalidade por armas de fogo do mundo: são 29,9 mortes a cada 100 mil habitantes.

Um relatório recente sobre tráfico de armas divulgado pela Polícia Federal com base nas apreensões realizadas entre 2014 e 2017 mostra que o volume de apreensões cresceu mais de cinco vezes no período.

Embora positiva, a notícia não deixa de ser alarmante. “Para cada arma apreendida há outras quatro circulando pelo País nas mãos do crime organizado”, diz o consultor de segurança Paulo Storani, ex-subcomandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope).

“Falta uma política pública para enfrentar o problema”, afirma. O arsenal trazido de forma ilegal para o país é frequentemente melhor que o da própria polícia e vai desde pistolas Glock até submetralhadoras Uzi e fuzis AK-47.

No começo da semana passada, o presidente Michel Temer se reuniu com o diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segóvia, para discutir a criação de uma polícia especializada para atuar de forma ostensiva nos limites do país.

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, comentou que se trata de “um projeto antigo revisitado.” O Brasil tem 15,7 mil quilômetros de fronteira terrestre com dez países. O governo aprovou a criação da nova força policial, mas ainda não há prazo para que isso aconteça, já que precisará ser criada uma nova carreira na Polícia Federal com atribuições específicas, como existe nos Estados Unidos.

Faz falta também uma ação mais direta da diplomacia brasileira em países fornecedores para que coíbam e fiscalizem o envio das armas. A falta de patrulhamento nas fronteiras é alvo de criticas de governos estaduais e municipais, que sofrem os efeitos diretos do contrabando de armas.

O serviço de controle fica a cargo apenas do Exército, que sofre com a dispersão de seus postos de defesa, e não há qualquer tipo de atividade investigativa das rotas das organizações criminosas, com exceção do estado do Mato Grosso do Sul, onde há uma unidade especializada chamada Departamento de Operações de Fronteira (DOF), que reúne policiais civis e militares.

“Para cada arma apreendida há outras quatro circulando pelo País” – Paulo Storani, ex-subcomandante do Bope

Segundo o relatório da Polícia Federal, a maior parte do arsenal contrabandeado vem do Paraguai, de onde chegam principalmente armas curtas, como pistolas. Normalmente, esse tráfico é feito de maneira fracionada, o que dificulta a interceptação. Pequenas quantidades são trazidas em meio a cargas insuspeitas ou em carros de passeio.

Os Estados Unidos são o segundo maior fornecedor, principalmente de armas longas, como fuzis. No ano passado, a Polícia Civil do Rio de Janeiro fez uma apreensão recorde de 60 fuzis vindos de Miami no aeroporto do Galeão. O equipamento estava escondido no interior de aquecedores para piscinas. É comum que pequenos aviões venham da Bolívia ou Paraguai com drogas e armas para entrega no interior do estado de São Paulo e de Minas Gerais. As principais rotas terrestres se iniciam nas lojas das cidades fronteiriças do Paraguai, passando pelo Paraná ou pelo Mato Grosso do Sul. O porto de Santos é outro caminho de entrada preferencial de armas.

Aluguel de armas

O levantamento da PF confirma que o principal destino do material bélico contrabandeado é o Rio de Janeiro, único estado brasileiro onde policiais usam fuzis. A decisão de equipar a polícia fluminense com armas pesadas foi tomada em 1995 e levou em conta a questão da equivalência bélica. Segundo a Polícia Federal, nos últimos quatro anos, cinco mil armas de grosso calibre foram rastreadas e apreendidas no estado.

Para os grupos criminosos, elas servem como proteção das áreas de tráfico de drogas e também em operações de alto impacto, como roubo a bancos, caixas-eletrônicos, empresas e veículos de transporte de valores e de cargas. Um mercado paralelo atua na venda, aluguel e empréstimo de fuzis para ações como roubos e resgate de presos.

Os dados mostram que estamos longe de uma solução para o problema. “Esse aumento de apreensões é muito mais para fazer fumaça do que para acabar com o incêndio”, afirma Storani.

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