Reservas indígenas chegam a 13 porcento do território, mas não reduzem conflitos

ROLDÃO ARRUDA

De 2006 a 2010, o governo concluiu os processos demarcatórios de 35 terras indígenas no País e entregou aos índios um total de 8,9 milhões de hectares. No mesmo período, a Fundação Nacional do Índio (Funai) oficializou e pôs em andamento um conjunto de processos fundiários que pode acrescentar outros 3 milhões de hectares, o que elevaria as reservas a 13% do território nacional. Apesar disso, os conflitos da questão fundiária indígena aumentaram nesses cinco anos, revela um estudo que será lançado hoje.

Segundo informa a publicação Povos Indígenas no Brasil 2006-2010, o que se viu nos últimos cinco anos foi o agravamento das tensões e conflitos. Na maior parte das vezes, os problemas se devem à disputa pelo controle da terra com posseiros e fazendeiros. Mas também envolvem garimpo ilegal, avanço descontrolado de madeireiras e carvoarias e até tráfico de drogas. Há casos descritos pelo estudo em que há apoio ostensivo de líderes indígenas para a invasão das reservas, cooptados financeiramente por esses grupos.

Tudo isso é agravado pelo desenvolvimento econômico do País. Grandes projetos de hidrelétricas, de novas rodovias e no setor do agronegócio estão em andamento na Amazônia Legal, onde se concentram 98,6% das terras indígenas do País.

As terras homologadas e que se encontram em processo demarcatório atendem a boa parte das reivindicações dos 235 povos indígenas identificados no País. Fazem parte das 35 áreas com processo demarcatório concluído – equivalentes à soma dos Estados do Rio e do Espírito Santo – a emblemática Raposa Serra do Sol, em Roraima, com 1,7 milhão de hectares, cuja disputa chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF); e a Trombetas Mapuera, que se destaca pela extensão: 4 milhões de hectares distribuídos entre Roraima, Amazonas e Pará. Se os demais 3 milhões de hectares forem agregados às terras indígenas, a área protegida passará de 108 milhões para 111 milhões de hectares, o equivalente a 13% do território brasileiro.

Casos críticos. Embora tenham significativa área demarcada, isso nem sempre garante proteção aos povos indígenas. Há regiões onde os índios não conseguem tomar posse das terras que, legalmente, pertencem a eles. Um exemplo é o dos índios guajás, no Maranhão: eles estão sendo obrigados a conviver com quase uma dezena de povoados, habitados por posseiros e espalhados pelos 116,5 mil hectares da terra Auá, que foi homologada e entregue àquele grupo indígena em 2005.

Em Mato Grosso, na região de São Félix do Araguaia, os xavantes enfrentam situação mais difícil. Após tomarem posse da área de 165 mil hectares entregue a eles em 1998, foram expulsos por criadores de gado e produtores de soja e agora tentam reaver o território. Por enquanto, conseguiram reocupar apenas 10% da área.

A publicação a ser lançada hoje foi planejada pela organização não governamental Instituto Socioambiental (ISA). É editada a cada cinco anos e conta com recursos provenientes do exterior. São citados como apoiadores a Embaixada da Noruega e a Cafod, agência católica de desenvolvimento, mantida com recursos do Reino Unido. Com 778 páginas, 166 artigos, uma seleção de notícias publicadas em jornais, fotos e mapas, oferece uma visão geral sobre a situação dos 817 mil índios que vivem no País, segundo dados do IBGE.

Fiscalização. Uma das constatações preocupantes envolve a terra ianomâmi, com 9,5 milhões de hectares, entre Roraima e Amazonas, na fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Segundo a antropóloga Fany Ricardo, coordenadora da publicação, a crise internacional provocou a valorização do ouro e, no rastro dela, uma incontrolável onda de invasões do garimpo ilegal na região. "Pelo fato de não dispor de estradas nem de muitos rios navegáveis, é uma terra difícil de fiscalizar", explica a antropóloga.

Ainda segundo Fany, para conquistar apoio dos ianomâmis, garimpeiros distribuem armas de fogo entre os diferentes subgrupos indígenas da região. "Isso potencializa as tradicionais disputas que existem entre eles. Já se constatou que o número de mortos nesses conflitos aumentou."

Na terra do Vale do Javari, com 8,5 milhões de hectares, na fronteira do Amazonas com o Peru, o maior problema é a precariedade dos serviços de saúde, que facilita o avanço de uma hiperepidemia de hepatites B e D entre os índios. Em algumas aldeias, foram constatados índices de até 14% da população afetada, segundo análise do Centro de Trabalho Indigenista incluída na publicação. O índice aceitável pela Organização Mundial de Saúde é de 2%.

"O Vale continua sendo palco de uma das maiores tragédias de assistência à saúde indígena no Brasil", diz a análise. Seus autores também observam que o drama não decorre da falta de verbas, mas sim de esquemas de corrupção e desvio de dinheiro público, de interesses políticos locais e da falta de gestão competente dos recursos.

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