Mourão – Mourão: Acho que os ministros do STF não conhecem a situação do país

 

Claudia Safatle, Carla Araújo

e Andrea Jubé

O vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, criticou a aumento concedido pelo Supremo Tribunal Federal de 16,38% para Judiciário e disse que os 11 ministros da Corte parecem desconhecer a situação fiscal e econômica do país.

"A gente tem que conversar. Sentar um dia com os 11 ministros e expor para eles a situação do país. Acho que eles não conhecem", disse em entrevista ao Valor.

Mourão defendeu ainda que o presidente eleito Jair Bolsonaro leve o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, para explicar a situação das contas públicas aos ministros.

"Sou favorável a que o presidente fosse lá um dia e fizesse uma exposição, explicando que 'se os senhores aprovam medidas dessa natureza, vamos cada vez mais nos encalacrar'. Levaria o ministro da Economia a tiracolo", completou.

O futuro vice-presidente criticou também um "certo ativismo" no STF. "Há um certo ativismo lá dentro, ora político, as simpatias políticas que alguns dos ministros têm, e às vezes uma coisa pessoal", declarou.

Para Mourão, além de conversar com o Judiciário, o mesmo trabalho de convencimento terá que ser feito com os congressistas.

"Vai ser um governo de persuasão. A gente tem que mostrar pra eles a responsabilidade que eles têm, não querendo jogar a população contra, mas é tentar ser mais coerente com eles, explicar a situação", disse.

Segundo o general, muitos parlamentares não têm consciência de seu papel: "Você tem ali – como em qualquer grupo social – Mourão: Acho que os ministros do STF não conhecem a situação do país 30% que são realmente esclarecidos, tem 40% que é a 'meiuca' que vai pra onde sopra o vento e mais 30% que não sabe nem onde é a 'curva do A'. Então, temos que esclarecê-los."

Além de Bolsonaro e dos ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e general Santos Cruz (Secretaria de Governo), Mourão diz estar à disposição para ajudar no trabalho de articulação com o Congresso.

"Se o presidente me delegar essa tarefa eu vou lá conversar, vamos expor didaticamente", afirmou.

Orçamento

O general disse que uma da medidas que o futuro governo Jair Bolsonaro enviará ao Congresso será uma proposta de emenda constitucional para desvincular o Orçamento da União. "A Constituição engessa o país", afirmou.

Ao "descarimbar" receitas do Orçamento com despesas pré-determinadas, os parlamentares terão uma tarefa "mais apaixonante", avalia. Hoje, o Congresso pode definir a aplicação de apenas 8% do Orçamento. Quando estiver desvinculado, terá mais poder para estabelecer as prioridades de cada ano.

Na primeira reunião ministerial do novo governo, marcada para o dia 14 de janeiro, os ministros terão de apresentar seus planos para os cem dias iniciais.

"Não haverá pacotes nem medidas impactantes", explicou o general. Segundo ele, todos os ministros receberam orientação para que "desregulamentem" e "desburocratizem" suas áreas.

Mourão acredita que assim que o novo Congresso tomar posse, em 2 de fevereiro, o governo deverá mandar adendos, emendas ao projeto de reforma constitucional da Previdência em tramitação, herdado do governo Michel Temer. Na parte das pensões dos militares, a reforma deverá elevar de 30 anos para 35 anos o tempo da ativa, adiantou.

Economia

Mourão avalia que se o governo fizer o dever de casa – aprovar as reformas da Previdência e tributária e colocar as contas públicas em ordem – haveria espaço para se tentar uma "repactuação" da dívida mobiliária interna, com emissão de papéis com prazos de vencimento mais longos.

Ele não se refere a qualquer tipo de "calote" nem a uma medida unilateral e compulsória. "Não se trata de dar um calote, mas de tentar uma conversa com nossos credores sobre a repactuação de prazos depois que aprovarmos as reformas", disse.

O raciocínio do futuro vice é de que uma repactuação da dívida liberaria alguns bilhões de reais para novos investimentos.

"Hoje nós pagamos cerca de R$ 400 bilhões por ano em juros da dívida. Poderíamos emitir papeis com prazos mais longos. Se, em uma conversa, conseguirmos baixar a conta de juros para R$ 350 bilhões, teremos R$ 50 bilhões para investir", exemplificou.

Mourão advoga um "desmanche" do Estado. Antes, diz ele, o dragão era a superinflação que conseguimos domar. Agora, o dragão é o Estado que "se apropria de cerca de 45% do PIB e não devolve quase nada para a população". Os recursos se perdem na própria burocracia. "Temos 120 mil cargos comissionados nos três entes da federação", reclamou.

Ele estabelece uma comparação: "Eu gosto de cavalos, gosto de montar. O Brasil é um cavalo olímpico capaz de saltar 1 metro e 80 centímetros, mas está todo amarrado e só salta 70 centímetros".

Comércio e relações exteriores

O vice-presidente eleito também falou sobre a política de abertura comercial e citou o ex-presidente Ernesto Geisel (1974-1979) como um exemplo a ser seguido.

"Vamos ter que fazer um trabalho que tem que estar em fases, porque a nossa indústria não suporta um choque de abertura da Mourão: Acho que os ministros do STF não conhecem a situação do país  noite para o dia […] Numa reunião que tive com o pessoal da indústria, eu usei um termo que era do presidente Geisel, que ele disse que era 'lenta, gradual e segura'", afirmou.

Sobre o encontro que Bolsonaro terá na sexta-feira com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que essa aproximação tem que ser bem analisada.

"O que eu vejo é que hoje Israel tem uma aproximação muito grande ali com o presidente, já de algum tempo. Vamos ver até que ponto isso vai acontecer. Até porque temos que olhar, dentro do sistema internacional aí, pragmaticamente, o que que a gente pode auferir aí nesse processo. Não podemos ficar só com o ônus, a gente tem que ter bônus nisso aí também."

Ao ser questionado se acredita que essa aproximação com Israel pode gerar algum tipo de retaliação ao Brasil, Mourão afirmou que "depende do grau" da proximidade.

"É um assunto que nós vamos estudar, até porque o presidente não tomou nenhuma decisão a respeito, e quando chegar a hora, a gente vai apresentar uma visão para ele e ele poder decidir em melhores condições."

A respeito da relação com os Estados Unidos, Mourão afirmou que não acredita que haverá "adesão automática".

"O que existe, e que acho inegável, é que nós temos hoje um governo pró-[Donald] Trump, que tem uma visão pró-valores da democracia americana, que admira os valores da democracia americana. Mas não é um concorde imediato com qualquer coisa que for produzida por lá. É uma relação de governo, representando o Estado brasileiro. Que não pode ultrapassar esses

limites", completou.

Caso Queiroz

Mourão não quis tecer comentários a respeito das movimentações suspeitas do motorista Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flavio Bolsonaro, filho do presidente eleito: "Sem comentários. Hoje isso é um problema do Ministério Público do Rio de Janeiro, não tenho nada a ver com isso".

Na quarta-feira, em entrevista ao SBT, Queiroz disse que parte do R$ 1,2 milhão que movimentou no intervalo de um ano vem de negócios com a compra e venda de carros. As movimentações em sua conta foram consideradas "atípicas" pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

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