Cadetes de 1977 e hoje generais dão fôlego a Bolsonaro

Vinicius Sassine

 “Bolsonaro, você tem que maneirar”.

São frases como essa que o capitão da reserva Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência, ouve de seus colegas da turma de 1977 da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Do grupo saíram Bolsonaro e quatro generais quatro estrelas na ativa. É a patente mais elevada do Exército.

— Você não está se candidatando a deputado de novo. Esses extremos e a maneira de expor as coisas não se enquadram na figura de um candidato a presidente — repete a Bolsonaro o general Edson Leal Pujol, colega do deputado na turma de 77, o mais antigo dos quatro generais e chefe de Ciência e Tecnologia do Exército.

Sem apoio de grandes partidos, Bolsonaro se voltou para os militares, mesmo há 30 anos fora da caserna — ele está no sétimo mandato de deputado federal. Os principais conselheiros de Bolsonaro são uma trinca de generais da reserva.

O deputado também tem boa interlocução com os comandos das Forças Armadas e do Ministério da Defesa. Com integrantes das Forças Armadas, discute os rumos da campanha e mesmo a formação de eventual governo. Distintos grupos de WhatsApp, com militares da ativa e da reserva, tentam impulsionar a candidatura. O clima é de euforia incontida.

General Mauro Cesar Lourena Cid, chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército – Foto: EB

Composição de governo

Na turma de 77, o apoio é quase irrestrito. Bolsonaro costuma dizer a interlocutores que tem alta estima pelos quatro generais na ativa e que eles estariam na composição de um eventual governo. Se o critério adotado desde a redemocratização for mantido, um deles será, pelo menos, o novo comandante do Exército.

A tradição é o envio de uma lista tríplice ao presidente eleito, com os nomes dos três mais antigos quatro estrelas na ativa. A partir de agosto, essa trinca será formada pelos generais Pujol; Paulo Humberto de Oliveira, comandante de Operações Terrestres; e Mauro Cesar Cid, chefe de Educação e Cultura.

Os três, mais o general Carlos Alberto Barcellos, são os integrantes da turma de 77 que chegaram ao topo da carreira. Na ativa, os quatro evitam encontros institucionais ou participação na campanha de Bolsonaro. Mas contatos existem: nas reuniões anuais da turma, no grupo de WhatsApp “Aman 77” ou em em almoços no fim de semana. Discutir a vida política do presidenciável é inevitável.

General Paulo Humberto Cesar de Oliveira, comandante de Operações Terrestres

Foto: Reprodução Portal da Defesa

A turma de 77 formou quase 400 aspirantes a oficial. Apesar do apoio maciço à candidatura de Bolsonaro, há ressalvas. Em abril, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou Bolsonaro por racismo.

— Ele não deveria ter dito isso — diz uma mensagem comum no grupo.

Estereótipo preocupa

Em encontros com generais da turma, Bolsonaro tem ouvido sobre a necessidade de deixar de ser “pitoresco”. Em entrevista ao GLOBO, Pujol diz enxergar coerência em Bolsonaro, mas afirma ter dito a ele para que se apresente ao eleitor de forma mais polida.

— O Bolsonaro tem uma personalidade muito pitoresca. Se ele perdesse um pouco dessa identidade, talvez não tivesse tantos eleitores. A gente conhece ele de perto, sabemos que é um pouco da imagem política dele — diz o general.

General Carlos Alberto Barcellos, comandante logístico do Exército

Pujol aponta ainda que o colega da turma construiu sua vida política com base num “estereótipo”: — Isso traz rejeição. Uma imagem assim: “Esse cara é radical”. A observação é nesse sentido: “Você vai ter que conquistar votos de pessoas que não te conhecem, que conhecem só as suas brigas”.

É preciso ser mais vigilante, cuidadoso nas colocações. Pujol e Paulo Humberto, o segundo general mais antigo na ativa a partir de agosto, dizem que são amigos de Bolsonaro. Paulo Humberto afirma, porém, que seu amigo não necessariamente o representa:

— Como oficial do Exército, vamos ser representados por qualquer presidente eleito democraticamente.  O Exército não pensa da forma como ele pensa e tem as mesmas expectativas em relação a todos.

As turmas da AMAN têm a tradição de se reunirem na própria academia, em Resende, a cada cinco anos. Os formandos de 77 decidiram ampliar os encontros, com eventos a cada fim de ano. — Formamos uma família. Umas pessoas se gostam mais e outras menos — diz Pujol.

O general optou pela cavalaria. Paulo Humberto, pela infantaria. Bolsonaro integrou a artilharia. Os pontos em comum eram as atividades esportivas e o curso de paraquedismo. Os colegas de turma de Bolsonaro o descrevem como bom atleta, em especial no pentatlo.

– Ele era um cadete normal, que fazia suas atividades – diz o general da reserva Eduardo José Barbosa, egresso da turma de 77. Ao GLOBO, Bolsonaro afirma não ter “nada a declarar” sobre as afirmações de seus colegas. O candidato do PSL confirma que pensa em escalar generais num eventual governo: — Militar é cidadão, e eles farão parte do governo, caso mereçam. Já tenho ideia de quem serão.

General Edson Leal Pujol, chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército

Foto: Jorge William / Agência O Globo

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Entrevista Gen Ex Edson Leal Pujol

General e Cadete da turma de 1977

Edson Pujol: 'Ele sabe que não vai governar sozinho'

O general falou sobre sua relação com Bolsonaro:

Era próximo a Bolsonaro na turma na AMAN? Como é hoje?

Nós somos divididos por grupos, e nunca estive na mesma companhia de Bolsonaro. Mas tivemos algumas atividades comuns. Bolsonaro e eu praticamos pentatlo, futebol, atletismo e, depois, fizemos o curso de paraquedismo. Numa turma de 380, não éramos amigos próximos. Até hoje, sempre nos encontramos.

Fala com ele? Dá opiniões sobre o programa de governo?

Na ativa, nos colocamos fora do cenário político. Eventualmente, em encontros, é claro que nós, colegas de turma, conversamos sobre a vida política dele.

Ele reúne condições para dialogar com diferentes setores na sociedade?

Posso não concordar com a maneira de Bolsonaro se posicionar em relação a alguma questão. Mas até temos um certo orgulho de que, em meio a tantas denúncias, não apareceu alguma coisa contra ele.

Com o que não concorda?

Em termos de fazer uma crítica a programa de governo ou à campanha política dele, eu vou me abster. Sou um oficial da ativa e não ficaria bem. Ele tem uma vivência parlamentar. Ele sabe que ninguém vai governar sozinho. Ele sabe também que esses extremos que fazem parte da imagem política dele não se enquadrariam na figura de um presidente da República. Ele sabe que vai ter de dialogar com os diversos setores da sociedade e do Congresso.

Ele vai ter de se despir do “pitoresco”?

Talvez seja um pouco difícil mudar a personalidade, a coisa caricata no bom sentido. Ele não vai deixar de ser a pessoa Bolsonaro.

O senhor o aconselhou sobre a importância do diálogo?

Não é nosso estilo procurar aconselhar: “Jair, faça assim e faça assado.” Quando temos a oportunidade e estamos juntos, esse assunto naturalmente surge. Nosso posicionamento não é de extremismo.

Num eventual governo, o senhor aceitaria ocupar um ministério?

Ele, em nenhum momento, consultou algum de nós. Se for para ajudar o Brasil, dependeria muito da situação. Colocar generais nos ministérios não seria uma coisa absurda. Fui secretário-executivo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e vi vários ministros que não tinham experiência na área.

Bolsonaro era bom aluno?

Que eu me lembre, sim. Talvez não fosse o… Ele tem boa capacidade intelectual, excelente desempenho físico, de atleta. Era talvez um cadete acima da média.

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