Falkland/Malvinas – Mensageiros que vêm vindo do frio

Silvio Queiroz


Port Stanley, Ilhas Falkland/Malvinas — Os próximos meses permitirão testar o alcance do pragmatismo da diplomacia brasileira em uma questão que, se não tem proporções tão marcantes em termos numéricos, diz muito respeito a princípios e a jogo de cintura. Pode parecer improvável, mas o governo do pequeno arquipélago que foi palco de uma guerra entre Argentina e Reino Unido, em 1982, decidiu marcar o 30° aniversário do conflito com uma clássica charming offensive dirigida especialmente à América do Sul. Nos mais de dois séculos desde que os primeiros colonos se estabeleceram nas ilhas às quais chamam Falkland — e que a Argentina reivindica para si sob o nome de Malvinas —, os povos do continente foram vizinhos distantes. Mais remotos que os australianos e neozelandeses, "primos" na herança colonial britânica, assentados no Pacífico Sul.

Agora, os kelpers querem sair do frio e preparam emissários para se aventurarem no rumo dos trópicos. O Brasil, naturalmente, é um alvo precioso, pelo conjunto do potencial para negócios e oportunidades, bem como pelo valor simbólico no esforço de romper o cordão de isolamento imposto por seguidos governos argentinos. Ainda neste ano, a Câmara de Comércio das Falkland planeja enviar ao país uma missão de sondagem. Alguns contatos pontuais e setoriais já foram feitos, em esferas privadas e não oficiais, como na área de turismo. Pesquisadores trocaram informações eventualmente. Mas o povo das ilhas quer mais.

O desafio, para eles, é encontrar brechas na sólida muralha erguida pela Argentina no contexto do Mercosul e da Unasul, que endossam sem dissonâncias o pleito pelas Malvinas. Tanto mais agora que se avizinha no horizonte a exploração comercial das primeiras jazidas viáveis de petróleo descobertas sob as águas geladas do extremo sul do Atlântico. Orgulhosos e autoconfiantes, os habitantes das ilhas seguem em frente sozinhos, ou quase: até por razões geográficas, eles cultivaram laços produtivos com os chilenos, vizinho "de porta". Mas, para uma população de pouco mais de 3 mil habitantes, com limitações naturais superlativas, o intercâmbio é um imperativo e cada novo parceiro é estrategicamente bem-vindo.

E os franceses?

Nas conversas com os moradores das Falkland, sejam técnicos qualificados, funcionários do governo ou cidadãos anônimos, fica patente o desconcerto de todos com o que consideram a ideia inapropriada de que seriam "colonos" britânicos. "Uma coisa que me incomoda", desabafou o guia turístico Tony Smith, um nativo de 50 anos, "é que o resto da América do Sul vai atrás dessa história dos argentinos". Mais incisivo, o deputado Mike Summers, um dos oito que formam o Legislativo local (foto acima), questiona o silêncio do continente diante daquilo que lhe parece um autêntico exemplo de colonialismo no bom e velho estilo europeu: "Eu nunca vi ninguém gritar a respeito da Guiana Francesa. E, no entanto, ela nem sequer tem o status de território de ultramar. É considerada parte da França Metropolitana".

Palavra mágica

Nas condições do isolamento regional decorrente da guerra de 1982 e da pressão argentina, intensificada na era Kirchner, o governo das ilhas trata de detectar e aproveitar as mínimas oportunidades para negócios, cooperação e atração de investimentos. Recentemente, missões técnicas na área agropecuária trocaram visitas com homólogos do Uruguai, em busca não apenas de mercado para a lã, primeiro carro-chefe da economia local, e agora também para a carne ovina, que começa a figurar na exígua pauta de exportações. As Falkland querem incrementar e aperfeiçoar a economia rural, e no Departamento de Agricultura já começa a circular entre os técnicos a sigla que dá fama mundial ao Brasil. "Como se pronuncia mesmo? Em-bra-pa", repetiu, aplicado, um funcionário que identificou a presença de um visitante brasileiro nas modestas instalações do órgão.

Yes, eles também têm

Também não escapou ao humor dos ilhéus a coincidência entre o nome da vedete atual da sua pauta de exportações — um saboroso molusco que os europeus consomem sob o nome genérico espanhol de "calamares" — e o do ex-presidente que colocou o Brasil na boca da opinião pública mundial. "O squid é a nossa lula. Nós também temos", comentou com a reportagem um funcionário do setor pesqueiro, atualmente a principal fonte de receitas e divisas das Falkland.

Diplomacia da raquete

Correndo por fora das iniciativas formais e de governo, um jovem jogador de badminton — aquele curioso esporte disputado em uma quadra semelhante à de tênis, com raquetes e uma peteca — está em franca preparação para disputar uma copa internacional da modalidade em São Paulo, no fim de setembro. A jogada é 100% esportiva e não tem nenhuma conexão direta com as tentativas de driblar a marcação argentina às Falklands, mas Michael Brownlee, 23 anos, traz à memória a "diplomacia do pinguepongue", com a qual China e Estados Unidos ensaiaram o reatamento, no início dos anos 1970.

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