Vítimas de minas terrestres lutam por sobrevivência no Camboja

As explosões de minas terrestres no Camboja formaram uma geração de pessoas amputadas, obrigadas a travar uma luta diária para sobreviver em um país marcado pela falta de assistência médica especializada e gratuita.

O Camboja é um dos países com maior concentração de minas terrestres no mundo, com pelo menos 4 milhões de dispositivos. Os explosivos foram instalados durante quase três décadas de conflito entre o Khmer Vermelho e os diversos governos.

Segundo dados do Centro Cambojano de Ação contra as Minas (CMAC), mais de 60 mil pessoas foram vítimas desses explosivos desde 1979, fato que gerou uma preocupante média no país: uma em cada 290 pessoas sofreu amputação.

Os mutilados, muitos deles antigos soldados, foram obrigados a encontrar um novo modo de vida, passando a fazer pequenos trabalhos. Alguns são sustentados pelas famílias, mas a maioria se transformou em músicos de rua ou pequenos comerciantes.

Nas principais cidades, como a capital Phnom Penh e a turística Siem Reap, muitos amputados vivem de esmolas ou sobrevivem graças à venda de artigos de todo tipo aos visitantes estrangeiros.

Lonch Chhoeun anda desajeitadamente com uma prótese caseira feita com um pedaço de alumínio, encoberta pelas calças para que ninguém veja. Em 1973, com pouco mais de 20 anos, o ex-soldado pisou numa mina enquanto lutava com o Khmer Vermelho na guerra civil.

"Escutei a explosão e pensei que tinha sido um companheiro. Depois, eu ainda consegui ver minha perna toda ensanguentada e desmaiei", conta o robusto homem, enquanto toca nos contornos deformados de sua prótese.

Após uma breve internação no hospital, Chhoeun voltou a sua casa para morar com os pais, na província de Kandal, no centro do país, e teve de se conformar e se adaptar às dificuldades de buscar trabalho.

"Fiz uma primeira prótese com madeira, mas eu tinha muitas dificuldades para andar com ela. Era muito pesada", afirma o homem, que agora é pescador.

Chhoeun, como muitas outras vítimas das minas, recebe ajuda do centro de reabilitação Kien Khleang de Phnom Penh, financiado pela ONG Veterans International Cambodia, uma das poucas que oferece assistência especializada e próteses sem nenhum custo.

Uma prótese de meia perna, a mais utilizada pelas vítimas de minas, custa cerca de US$ 200, algo que equivale a três meses de salário no Camboja.

As próteses, além disso, devem ser trocadas a cada um ou dois anos aproximadamente devido às mudanças na morfologia do paciente. A maioria dos cambojanos não possui capacidade de arcar com os custos de uma prótese.

As vítimas das minas terrestres também enfrentam outro problema: a rejeição social, especialmente nas comunidades rurais, onde vive a maior parte dos amputados.

"Pouco a pouco vai se formando uma maior compreensão do que são as incapacidades, mas ainda é preciso fazer um trabalho maior de conscientização", declara Rithy Keo, diretor do centro de reabilitação Kien Khleang.

Aos 29 anos, Kom Somrath conheceu o legado que a guerra tinha deixado em seu país ao pisar em uma mina quando buscava madeira na floresta da província de Ratanakiri, no nordeste do país. Além de passar semanas no hospital, Somrath perdeu a parte abaixo do joelho da perna esquerda. "Só agradeço o fato de estar vivo. Tive essa sorte", diz o jovem, hoje com 33 anos.

Somrath também recebe ajuda do centro de reabilitação em Phnom Penh, apesar de sua casa ficar a mais de 600 quilômetros do local. Na província onde mora não há atendimento especializado, e ele tampouco possui dinheiro para comprar uma prótese.

"Agora o trabalho é muito mais difícil. Como não posso mais viver da exploração da floresta, tive de buscar outras atividades", explica Somrath.

Desde terça até esta sexta-feira, o Camboja recebe a reunião dos países signatários e observadores da Convenção sobre a proibição de minas terrestres, também conhecida como Tratado de Ottawa.

Aproximadamente 4,2 mil pessoas morreram ou foram mutiladas por causa das minas terrestres no mundo todo em 2010, cerca de 5% a mais que no ano anterior, segundo o último relatório da Campanha Internacional para a Proibição das Minas, divulgado na semana passada.

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