A frágil paz de Versalhes

Para o então chanceler do Reich, Philipp Scheidemann, eram inaceitáveis as condições impostas à Alemanha pela Conferência de Paz de Paris, ao fim da Primeira Guerra Mundial: "Como pode não cair seca a mão que nos colocou tais grilhões?", perguntava-se.

Com essa frase, o político social-democrata – que a revolução colocara na chefia de governo, após ele haver proclamado a república em 9 de novembro de 1918 – expressava com precisão o sentimento amplamente difundido em sua pátria: o Tratado de Versalhes constituía uma pesada hipoteca para a recém-fundada democracia.

O Reich Alemão se comprometia a pagar reparações bilionárias, perdia suas colônias na África, Ásia e Pacífico, além de renunciar a 13% de seu território para outros Estados. A Alsácia-Lorena, por exemplo, ia para a França, e grande parte da Prússia Ocidental, para a Polônia.

As potências vitoriosas, encabeçadas pelos Estados Unidos, Reino Unido, França e Itália, declararam a Alemanha e seus aliados como únicos causadores do início da guerra, a que "obrigara" seus adversários e, portanto, era "responsável por todas as perdas e danos".

Em 28 de junho de 1919 foi firmado o tratado de paz no Palácio de Versalhes, em Paris, sem a assinatura de Scheidemann, que renunciara como chefe de governo. A Alemanha só assinou o documento sob protesto, depois que os vencedores da guerra ameaçaram invadi-la com suas tropas. A região da Renânia já estava mesmo ocupada desde o armistício de 11 de novembro de 1918.

Devido a suas duras condições, o Tratado de Versalhes foi percebido pelos alemães como uma "paz comandada", acusação que o historiador Eckart Conze considera justificada, "sem qualquer dúvida", já que o país não participara das negociações de paz nem da elaboração do acordo.

Philipp Scheidemann, primeiro chefe de governo da República de Weimar, recusou-se a assinar Tratado de Versalhes

Na prática, as imposições se provaram menos inflexíveis do que se temia. A Alemanha pôde permanecer como Estado nacional forte no centro da Europa; e a carga de reparações, inicialmente não definida, foi ajustada à solvência financeira do país e a seu desempenho econômico.

Em vez dos 132 bilhões de marcos em ressarcimentos estipulados pelas potências vitoriosas em 1921, após negociações suplementares o país conseguiu reduzir sua dívida a 36 bilhões de marcos, até o fim da década. A subsequente crise econômica mundial teve para ele até mesmo um efeito positivo, frisa Conze, pois a partir de 1932 os pagamentos das reparações foram inteiramente suspensos.

Ainda assim, a República de Weimar encontrava-se definitivamente diante do abismo. Os muitos inimigos da democracia, como os monarquistas e nacional-socialistas, combatiam a república desde sua proclamação. A seus olhos, as forças democráticas eram o único culpado dos resultados da conferência de paz, não o império autoritário que perdera a guerra. "Essa argumentação pérfida foi tão eficaz assim porque a população alemã rejeitava quase unanimemente o Tratado de Versalhes."

Isso não quer dizer que um caminho direto tenha levado até a ditadura nazista, em 1933: também para os habitantes da Alemanha de 1919, o futuro estava em aberto, lembra o historiador. Contudo os inimigos da república utilizaram o tratado "para poder combater a democracia e, por fim, destruí-la".

Os assassinatos políticos não eram uma raridade; a vítima mais célebre foi o ministro do Exterior Walter Rathenau, morto a tiros por extremistas de direita em 1922, em Berlim. Para eles, o liberal-democrata era uma odiada figura simbólica da "política de aquiescência" diante das potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial.

As esperanças de uma paz duradoura não se cumpriram com o Tratado de Versalhes, e com a tomada de poder por Adolf Hitler, acabaram-se os tempos da moderação alemã. Apesar das proibições, os nazistas se armaram e forjaram novas alianças com Estados fascistas como o italiano e o espanhol.

A política de apaziguamento (Appeasement) do Reino Unido não alcançou sua meta, os EUA não desempenhavam mais um papel ativo na Europa. E a Liga das Nações, criada no contexto do acordo de Paris, provou ser débil demais para evitar a próxima catástrofe global.

Em seu livro Die grosse Illusion. Versailles 1919 und die Neuordnung der Welt (A grande ilusão. Versalhes 1919 e a reordenação do mundo), Eckart Conze analisa os motivos desse fracasso. Mas ao fim da Segunda Guerra Mundial as potências vitoriosas tentaram tirar lições da situação europeia após 1918.

"Entre elas está a capitulação incondicional da Wehrmacht alemã e a tomada do poder governamental supremo na Alemanha pelos Aliados." Acima de tudo, entretanto, tentou-se, após 1945, desenvolver estruturas e instituições internacionais que evitassem uma recaída no nacionalismo confrontador e no unilateralismo político.

Pelo menos no Ocidente criaram-se "organizações multilaterais e um sistema internacional baseado em regras", aponta Conze. Essa ordem pareceu difundir-se por todo o mundo após a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o fim da Guerra Fria. "Contudo, hoje [essa ordem] se encontra diante de desafios maiores do que nunca."

Um novo nacionalismo e unilateralismo, alimentado por populismo e autoritarismo, ameaça a estabilidade da ordem internacional. Por isso, o presidente francês, Emmanuel Macron, alertou contra "os velhos demônios" da fase entre as grandes guerras, que foram despertados para uma nova vida. "Também por isso Versalhes voltou a estar mais próximo", avalia o historiador Conze.

 

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