Heróis de guerra abandonados na vida civil

 

Nota DefesaNet – Leia a entrevista publicada na revista Esquire

SHOOTER – De Herói a Fugitivo Link.

O Editor

Flávia Barbosa
Correspondente


WASHINGTON – O homem que matou o terrorista Osama bin Laden está em crise. Mas não é de consciência. Aos 35 anos, 16 como militar e oito nas fileiras do suprassumo da elite da Marinha americana, o Time 6 dos Seals, o oficial de operações especiais deu baixa em setembro do ano passado com orgulho dos três tiros na cabeça que livraram os EUA de seu inimigo número um, em maio de 2011. Seu martírio é outro: a transição à vida civil. Sem pensão e esquema de proteção à família, e com plano de saúde a expirar, o atirador desabafa, em perfil inédito publicado pela revista "Esquire" este mês:

"Eu só quero poder pagar todas as minhas contas, cuidar dos meus filhos e seguir adiante", disse o atirador, em depoimento anônimo ao jornalista Phil Bronstein. "Perguntei se havia transição do plano de saúde das Forças para o privado. Disseram que não. Você deu baixa, sua cobertura expirou. Obrigada pelos seus 16 anos. Vá se f….".

UMA CONTA QUE NÃO FECHA

O anonimato do atirador tem motivos óbvios. Tendo exterminado Bin Laden, ele e sua família seriam alvos fáceis para a al-Qaeda. Ainda assim, o Pentágono não deu guarida ao Seal e à sua família; cogitou incluí-lo num programa de proteção a vítimas em criação, como motorista de caminhão. Ele não aceitou. "Perderíamos tudo", ponderou.

Cansado dos campos de batalha, o atirador deu baixa 36 meses antes de completar 20 anos de farda – período que garantiria a ele uma pensão de US$ 2.197 mensais. Seria menos da metade dos US$ 60 mil anuais que recebia como Seal.

O plano de transição da Marinha oferece cobertura de saúde de 180 meses após a baixa. Com sequelas da guerra, o atirador perdeu parte da visão e não consegue sustentar por mais do que alguns segundos o pescoço ereto. Deu entrada no pedido de benefício pelas deficiências – seis meses depois, espera resposta.

Sem renda, o Seal tentou um negócio próprio, mas faltou expertise como empreendedor. As habilidades desenvolvidas nos campos de tática, lógica, raciocínio e liderança – em treinamentos extenuantes – vêm sendo usadas em consultorias esporádicas. No seu horizonte, revela, por enquanto tudo que vê é um ponto de interrogação.

"Ele deu tanto ao seu país, e agora parece largado na poeira. Sinto que não há qualquer apoio, não só para minha família, mas para outras na comunidade. Não tenho a quem recorrer. Sinto que meu marido recebeu quase nada pelo que alcançou na carreira", lamenta a mulher do atirador, com o qual tem dois filhos.

Pelos padrões militares, pela devoção americana à farda e pela imagem do morto, o Seal que matou Bin Laden é um herói. Mas nos EUA, que mandaram 2,5 milhões de homens e mulheres a guerras em Iraque e Afeganistão na última década, o tapete vermelho é estendido apenas na recepção. A partir daí, a vida dos veteranos é cheia de percalços.

Com a aprovação de uma ampla legislação, a chamada GI Bill, o governo americano vem destinando bilhões a programas que visam à recuperação de feridos e portadores de doenças traumáticas (estima-se que afetem entre 11% e 20% dos militares), a treinamento de mão de obra, educação e geração de emprego, para soldados e seus companheiros, e ao acesso à moradia. Porém, com 200 mil retornados ao ano, os EUA simplesmente não estão conseguindo liquidar a fatura.

A taxa de desemprego entre veteranos chega a 30% nos grandes centros. O tempo médio de espera pelos auxílios por doença, invalidez e deficiência é de nove meses, segundo o Centro para o Jornalismo Investigativo, organização dirigida por Phil Bronstein. A cobertura de saúde é outro problema crônico. Pesquisa doUrban Institute mapeou 1,3 milhão de veteranos e 900 mil familiares sem plano assistencial.

Também faltam programas que preparem os militares, ainda alistados, para a vida civil. Esse é um dos motivos da crescente mobilização da sociedade pela inclusão dos veteranos em redes de treinamento e contatos profissionais, com apoio de empresas e ex-militares bem-sucedidos.

Para a pesquisadora Terri Tanielian, do instituto privado Rand Corporation, o problema é tão grande que a participação da sociedade é indispensável. Ainda mais num momento em que os EUA discutem um gigantesco ajuste fiscal. Os benefícios dos veteranos estão protegidos dos cortes automáticos que entraram em vigor no dia 1º. Mas a estrutura que os serve, não.

– Para atender às demandas dos veteranos, é preciso achar soluções integradas entre órgãos públicos, entidades sem fins lucrativos e o setor privado. E serão necessárias liderança comprometida e prestação de contas à sociedade – receitou Terri.

O Pentágono não respondeu às ligações do GLOBO.

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