O processo de pós-graduação da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

TC George Alberto Garcia de Oliveira¹

O presente artigo tem por objetivo apresentar as principais ideias contidas no livro de minha autoria, cujo título é “O Processo de Criação do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército”, lançado no dia 29 de julho de 2019, na ECEME.

É importante que sempre escrevamos e reflitamos sobre temas relacionados ao nosso ensino militar, posto que a excelência na formação do pessoal militar é condição sine qua non para a existência de um exército cada vez mais profissional e direcionado com os interesses do Brasil.

O principal propósito de escrever esse livro, resultado da pesquisa realizada no meu Mestrado em Ciências Militares, foi o de registrar um projeto de sucesso do Exército Brasileiro (EB), fruto do esforço de muitos militares e civis, que estavam conscientes da importância da modernização do ensino militar e da sua aproximação com o meio acadêmico nacional, na certeza de que essa aproximação não traria influências negativas às escolas militares.

A partir deste ponto, abordarei, sucintamente, algumas ideias contidas no livro, sem a pretensão de esgotar o conteúdo de toda a obra.

Conforme pode ser verificado ao longo do livro, o ensino militar de diversos países do mundo, incluindo o do Brasil, tem se aproximado dos sistemas nacionais de educação, por meio de adequações legais: busca de reconhecimento de seus diplomas e títulos, contratação de professores doutores e aumento do intercâmbio com o meio acadêmico.

Para Moskos, Williams e Segal (2000, p. 4), uma grande transformação organizacional dos exércitos pós-modernos é “o aumento da interpenetrabilidade das esferas civil e militar, estruturalmente e culturalmente falando”. Essa mudança organizacional apontada por esses sociólogos militares renomados – a permeabilidade entre entidades civis e militares – é considerada por eles como um fenômeno histórico.

Tal permeabilidade tem uma ligação com a evolução do ensino militar no Brasil, na medida em que se observa uma aproximação desse ensino com o sistema nacional de educação, seja por meio do aumento no intercâmbio entre as escolas militares e as universidades e pela busca do reconhecimento dos cursos de pós-graduação stricto sensu ministrados por essas escolas militares, seja pela presença de professores doutores civis e de alunos civis nos estabelecimentos de ensino militar.

A procura por uma maior aproximação do ensino militar brasileiro com o meio universitário civil ficou bastante evidenciado no processo de criação do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares (PPGCM) da ECEME.

Desde 2001, essa Escola procurou aproximar-se das universidades, adotar maior rigor acadêmico nos trabalhos relacionados à pós-graduação e aumentar a participação de seus militares em congressos acadêmicos ao redor do mundo.

Todo esse processo deve ser entendido sob uma perspectiva histórica, pois até a década de 1990, “[…] o treinamento básico do profissional militar parecia estar caracterizado, praticamente em todo lugar, por uma espécie de autossuficiência e isolamento com respeito ao sistema nacional de educação” (CAFORIO, 2007, p. 233). No entanto, após a década de 1990, esse quadro começou a mudar.

Observou-se um movimento no sentido oposto, caracterizado por dois aspectos principalmente: o primeiro deles é que o ensino militar passou, progressivamente, a aproximar-se do sistema nacional de educação e o segundo é a expansão do aprendizado ao longo da vida militar, nos vários níveis de carreira, o que está diretamente ligado aos programas de pós-graduação que cresceram de importância nos exércitos ao redor do mundo.

Assim, pode-se verificar que o PPGCM da ECEME, cuja origem está ligada à modernização do ensino do EB, iniciada em 1995, demonstra que o mesmo processo ocorrido no mundo também vem ocorrendo no Brasil. A busca pela recomendação da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) aos cursos de pós-graduação stricto sensu, seja pelo EB ou pelas outras Forças (Marinha e Força Aérea), materializam a aproximação progressiva entre o ensino militar brasileiro com o sistema nacional de educação.

Em relação ao PPGCM da ECEME, o livro apresenta os eventos críticos que constituíram seu processo de criação. De todos esses eventos, o mais importante foi a criação do Instituto Meira Mattos (IMM) – ficou claro que o nome atribuído a esse Instituto possui uma simbologia de extrema importância para o Exército. O General Meira Mattos transitou nos meios militar e acadêmico de forma exitosa, demonstrando que as figuras do bacharel e tarimbeiro não são excludentes, além de permanecer até hoje como como uma referência em termos de geopolítica.

A ECEME teve seu Mestrado Acadêmico em Ciências Militares recomendado pela CAPES no dia 23 de novembro de 2012. Em 2016, o Curso de Doutorado também foi recomendado pela CAPES. Atualmente, o IMM/ECEME permite que militares e civis dividam os bancos escolares, fazendo com que o Exército esteja na vanguarda da colaboração civil-militar para a elaboração de estudos de segurança e defesa.

O livro também mostra que o processo de criação do PPGCM enfrentou obstáculos internos. Nesse ponto, dois tipos de receio foram apontados com maior frequência: o do retorno da “República dos Bacharéis Fardados” e o da mudança no currículo da ECEME por ingerências externas.

No que tange às razões que levaram o Exército Brasileiro, que possui autonomia institucional para conduzir seu sistema de ensino, a propor um programa de pós-graduação à avaliação da CAPES, como forma de obter o seu reconhecimento, foi verificado que esse processo foi motivado por diversas razões. Dentre elas, algumas merecem destaque: a possibilidade de ganho doutrinário oriundo de pesquisas com maior rigor acadêmico; a publicação da Diretriz Geral do Comandante do Exército (2011-2014), determinando que a ECEME realizasse cursos para civis formadores de opinião em potencial, os quais somente seriam atraídos por cursos com diplomas reconhecidos pelo sistema nacional de educação; a necessidade, por parte do EB, de aproximar-se do meio acadêmico civil, principalmente com os mais jovens; a consciência de que a opção de não submeter o Mestrado à avaliação da CAPES manteria o isolamento institucional; e a necessidade de melhorar a imagem do EB junto à academia, um segmento da sociedade notadamente formador de opinião.

Finalmente, pode-se afirmar que o estabelecimento da pós-graduação na ECEME foi um grande avanço, em termos de relacionamento externo, por meio da inserção das Ciências Militares no meio acadêmico e do maior rigor técnico na produção científica (CASTRO, 2016). A partir de seu estabelecimento, a ECEME tem podido formar “um oficial de Estado-Maior mais capacitado para basear a sua fundamentação em dados e fatos e com argumentações” (MAIA NETO, 2016).

Referências:

CAFORIO, Giuseppe. Social Sciences and the Military: An interdisciplinary overview. London: Routeledge, 2007, p. 217-237.

CASTRO, Paulo Cesar. O Programa de Pós-Graduação de Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 17 fev. 2016. Entrevista concedida aos professores doutores Adriana Aparecida Marques e Celso Corrêa Pinto de Castro.

MAIA NETO, Jacintho. O Programa de Pós-Graduação de Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 19 fev. 2016. Entrevista concedida aos professores doutores Adriana Aparecida Marques e Celso Corrêa Pinto de Castro.

MOSKOS, Charles; WILLIAMS, John Allen; SEGAL David R. Armed Forces after Cold War. Oxford: Oxford University Press, 2000. Cap. 1, p. 1-13.

¹TC George Alberto Garcia de Oliveira – Atualmente, o Tenente-Coronel de Infantaria George Alberto Garcia de Oliveira é instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Rio de Janeiro-RJ). Dentre as principais funções desempenhadas, destacam-se: instrutor da Academia Militar das Agulhas Negras (Resende-RJ, nos anos de 2003 e 2004); Oficial de Operações do 25º Batalhão de Infantaria Paraquedista (Rio de Janeiro-RJ, em 2008); instrutor da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (Rio de Janeiro-RJ, 2009 a 2011); instrutor do Curso Júnior de Comando e Estado-Maior (Base de Aldershot, Canadá, em 2012); Comandante da 12ª Companhia de Guardas (Manaus-AM, nos anos de 2013 e 2014); e Oficial de Operações da 1ª Brigada de Infantaria de Selva (Boa Vista-RR, nos anos de 2017 e 2018). É Mestre em Ciências Militares pelo Instituto Meira Mattos/ECEME (Rio de Janeiro-RJ, concluído em 2016) e Doutorando em Ciências Militares, no mesmo Instituto.

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