Política industrial para a transformação econômica

JOÃO CARLOS FERRAZ

VICE-PRESIDENTE DO BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SOCIAL (BNDES)
 

O debate sobre a política industrial costuma ser, para dizer o mínimo, viesado por paixões: argumentos contra e a favor costumam ser construídos com base em apriorismos acerca dos papéis que Estado e mercado devem ter no desenvolvimento econômico. Ainda assim, a política industrial tem ganhado destaque globalmente nas agendas de políticas tanto do setor público quanto do privado.

Não faltam motivos para tanto: os efeitos deletérios da crise financeira internacional, a emergência de setores industriais novos e altamente competitivos em países em desenvolvimento, a preocupação ambiental, a necessidade de reduzir as disparidades regionais, a segurança nacional, entre outras razões.

Governos mundo a fora têm ativamente implementado políticas industriais. Alguns países, como a China e a Coreia do Sul, sempre conferiram alta prioridade a tal tipo de política. Outros, como o Japão e a Rússia, tentam transformar o relacionamento entre o Estado e o setor privado. Mesmo os EUA têm trazido para a política industrial um surpreendente ativismo. Observa-se a emergência de uma nova geração de políticas industriais, desenhadas para atender as singularidades de seus países, mas todas buscando fortalecer competências empresariais e laborais para fazer frente aos novos desafios competitivos.

Para tanto, uma política industrial precisa lidar com duas questões relacionadas: os níveis de desenvolvimento da atividade econômica e da capacidade institucional. Ambos estabelecem o escopo e o alcance que em dado momento uma política industrial consegue ter. É certo que o desenvolvimento ocorre tipicamente por saltos, mas a política precisa ser concebida de forma que objetive um processo factível de transformação, a partir de uma perspectiva evolucionista acerca das ambições e metas desejadas. A política precisa ser capaz de diferenciar e agir sobre distintos desafios competitivos dos vários setores, mirando o avanço da fronteira competitiva internacional. As capacitações institucionais, por seu turno, definem os limites das ambições da política. Esses limites não devem ser tomados como absolutos ou como obstáculos inamovíveis, o que levaria à adoção de políticas tímidas e defensivas ou mesmo à abstenção de colocá-las em prática. Essas limitações precisam, sim, ser tomadas como ponto de partida para o desenho e para a implementação da política, de maneira que novas ambições sejam incorporadas ao longo do tempo à medida que o país consiga subir novos degraus no desenvolvimento produtivo e de suas capacitações institucionais.

No Brasil, desde 2004 houve três políticas distintas. A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE, 2004-2007), que visou a fortalecer a base institucional por meio da criação de agências e da modernização da legislação para conferir maior efetividade aos instrumentos de indução à inovação. A Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP, 2008-2010) que, entre outras coisas, visou a alavancar o investimento e a inovação, tendo um papel crucial nas ações do governo federal no combate aos efeitos da crise financeira internacional. O Plano Brasil Maior (PBM, 2011-2014), que tem como prioridade a agregação de valor por meio da inovação.

Essas experiências, a despeito de suas distintas ênfases, guardam características em comum. Em primeiro lugar, há a preocupação em manter uma continuidade com flexibilidade: inovação e competitividade foram prioridades claras em todas elas, mas os focos e a organização de cada uma foram alterados para dar conta de desafios inesperados. Em segundo, há uma crescente preocupação em explicitar metas, mobilizar os instrumentos mais relevantes e estabelecer uma interação efetiva entre setores público e privado. Em terceiro lugar, a política industrial no Brasil faz parte de um conjunto mais amplo de políticas de desenvolvimento relacionadas, como as de educação e de ciência e tecnologia.

Elas também propiciaram alguns aprendizados, que permitem firmar linhas gerais de atuação de uma política industrial bem-sucedida. Um deles se refere à crítica de que políticas industriais propiciam oportunidades de o Estado ser capturado pelo setor privado. Em democracias plenas não é viável a saída de criar no Estado uma burocracia forte e isolada. No entanto, há precauções que permitem mitigar o fenômeno da "captura". Primeiro, em cada estágio da política – desde o diagnóstico até a sua avaliação, passando pelo seu desenho e implementação – é preciso explicitar os papéis dos agentes públicos e privados. Segundo, as ações da política precisam estabelecer previamente benefícios e exigências. Terceiro, é preciso reforçar os mecanismos de transparência e monitoramento das ações públicas.

De uma maneira mais ampla, é possível afirmar que o debate atualmente não é mais se há razões para estabelecer uma política industrial, mas sim como implementá-las evitando incorrer em "falhas de governo". Não há fórmulas prévias e infalíveis para lidar com esses riscos. O caminho para que a política industrial consiga ser efetiva em alcançar seus objetivos de longo prazo – reduzir as lacunas de competências e tecnológica entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, bem como a disparidade entre suas rendas per capita – passa pela sua perenização como prioridade pública, mantendo constantes avaliações e reformulando seus objetivos quando necessário. O Plano Brasil Maior consolida a recente evolução da política industrial no Brasil. Sua atuação não será isenta de debates e controvérsias, mas tenho a convicção de que o PBM contribuirá para que o País continue acelerando as magníficas transformações econômicas dos últimos anos. 

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