MOUT – Emprego da guerra eletrônica no combate ao crime organizado

Coronel R1 Fernando Montenegro
  Forças Especiais do Exército brasileiro
Analista de Terrorismo e Segurança Pública e Privada

A Força de Pacificação foi instituída para garantir a lei e a ordem nas comunidades ou favelas e é formada por um contingente de homens e mulheres, constituído por militares do Exército Brasileiro, da Polícia Militar e da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Segundo registros policiais, a presença militar nas áreas de operação resultou numa ampla queda dos índices de criminalidade.

Em novembro de 2010, a Força de Pacificação ocupou uma área que possuía um perímetro de 16 km, um terreno extremamente acidentado cortado no sentido leste-oeste pela Serra da Misericórdia, onde eram realizados justiçamentos dos que não colaboravam com a facção Criminosa Comando Vermelho. Ao sul da serra temos o Complexo do Alemão e, ao norte, o Complexo da Penha. Estima-se que chegue a 400 mil o somatório de habitantes dos dois complexos de labirintos.

Como a ocupação foi feita em estado de normalidade constitucional, com plena vigência dos direitos e garantias individuais, não foi autorizado o emprego da escuta de telefone de qualquer espécie. Essa limitação restringiu o emprego da guerra eletrônica apenas ao monitoramento e escuta de rádios tipo “Walkie-talkie” de sinal aberto e não criptografado.

Mesmo assim, por ser um sistema de comunicações barato de manter e com logística bastante simples, foi de grande valia o acompanhamento dessa rede de comunicações. A condução das atividades de comunicações clandestinas pelo Comando Vermelho nos Complexos do Alemão e da Penha valiam-se de técnicas táticas e procedimentos típicos da guerra irregular, caracterizando um conflito de guerra assimétrica no coração do Rio de Janeiro.

A finalidade da guerra eletrônica é a de empregar militarmente a eletrônica, valendo-se de ações que reduzam ou eliminem a eficiência ou o uso do espectro eletromagnético pelas forças adversas e garantam a eficiência do uso daquele espectro pelas forças amigas.

Já nas últimas décadas do século passado, as operações de guerra eletrônica passaram a fazer parte das operações militares.

Além do acompanhamento especializado da transmissão dos sinais, quando era conveniente à Força de Pacificação do Exército, eram realizadas interferências na rede-rádio do Comando Vermelho, visando reduzir a capacidade de comando e controle dos líderes pelo enfraquecimento ou até pelo total silêncio dos seus meios de comunicações por rádio, em momentos críticos. Por parte da tropa, não foi explorado o envio de mensagens falsas; entretanto, fortes indícios permitem concluir que em algumas ocasiões o crime organizado identificou que poderia estar sendo monitorado e realizou a transmissão de mensagens falsas. Em uma delas, por exemplo, fingia-se estar providenciando a retirada de um fuzil subtraído da Força de Pacificação. Graças ao controle absoluto do armamento, rapidamente verificou-se que a mensagem era falsa.

Inicialmente, as atividades da guerra eletrônica foram conduzidas por militares especializados e em estreita ligação com a inteligência. Após algum tempo, passou-se a manter na mesma instalação um militar da tropa, visando direcionar, em tempo real, os militares que estavam no terreno, otimizando as ações. Esse procedimento gerou excelentes resultados, pois se valia do princípio da oportunidade, mesmo negligenciando a avaliação de um analista de inteligência, pois a integração passava a ser vinculada à inteligência humana.

Nos primeiros sete meses, não houve emprego de guerra eletrônica porque não haveria como garantir a segurança do equipamento disponível. Naquela oportunidade, o sítio de antenas ocuparia uma extensão de 90 metros no alto da Serra da Misericórdia. Somente após a aquisição de equipamentos mais compactos foi possível instalá-los sigilosamente no interior da área de operações em instalações ocupadas permanentemente pelas tropas, sendo o acesso extremamente restrito.

Três equipamentos foram instalados de maneira a possibilitar uma triangulação e apontar com precisão os locais de transmissão. A equipe de subtenentes e sargentos coletava as informações e os oficiais analistas analisavam as gravações para apresentar conclusões que integrariam a inteligência do sinal.

É interessante reforçar que a inteligência do sinal somente foi potencializada quando passou a ser utilizada de forma integrada com as outras fontes de inteligência para reforçar uma ideia já levantada, por exemplo, pela inteligência humana, ou para abrir um caminho para a inteligência humana buscar mais dados.

O emprego da inteligência do sinal resultou em diversos resultados:

• Identificação do emprego de mensagens clandestinas tipo BTB (Blind Transmission Broadcasting); normalmente as atividades da rede rádio eram encerradas imediatamente após a transmissão de uma gravação da invasão do Complexo da Penha, normalmente por volta de 00h00min;

• Identificação das frequências usadas pelos olheiros e fogueteiros;

• Levantamento dos indicativos utilizados e respectiva localização;

• Levantamento das gírias e mensagens pré-estabelecidas usadas, visando mascarar a atividades que não podiam ser transmitidas em claro;

• Identificação da existência de um controlador e disciplinador da rede de transmissões;

• Identificação dos horários e locais de funcionamento dos principais pontos de venda de drogas (início da noite e início da madrugada);

• Levantamento da existência de uma escala de serviço para observar a movimentação da tropa e para o comércio de drogas;

• Identificação da existência de um serviço de preparo e entrega de refeições para os olheiros (conduzido por moradores colaboradores);

• Levantamento da existência de um sistema de segurança das comunicações;

• Identificação de que apenas o escalão mais baixo da hierarquia do tráfico fazia uso do sistema “Walkie-talkie”.

A integração das atividades de guerra eletrônica, o disque denúncia e as patrulhas a pé (inteligência humana) foram as grandes fontes de informação que colaboraram para o mapeamento dos locais com maior incidência de ilícitos e para a divisão da área de operações em verde, amarela e vermelha.

Visando incrementar a eficiência da tropa no terreno, foram adquiridos para os comandantes de patrulhas equipamentos “Walkie-talkie” com fone de ouvido. Esse rádio de simples aquisição e reposição permitiu à tropa realizar várias prisões em flagrante por valer-se da oportunidade.

O emprego inédito e pioneiro dessa prática ampliou a capacidade de atuação das tropas de infantaria no terreno, otimizou as análises de inteligência e merece ser estudada visando a identificação das oportunidades de melhoria para operações futuras dentro de aglomerados urbanos.

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