AZEDO – Os sofistas


Luiz Carlos Azedo
Jornalista, colunista do Correio Braziliense

É muito conhecida a alegoria da caverna de Platão, uma das passagens mais importantes do livro A República, o clássico dos clássicos da política, no qual o filósofo grego discute o papel do conhecimento, da linguagem e da educação no Estado ideal.

Nela, resumidamente, prisioneiros acorrentados no interior de uma caverna dão nomes às sombras bruxuleantes de homens, animais e plantas projetadas na parede pela luz de uma fogueira.

Um dos prisioneiros se livra das amarras e, ao percorrer a caverna, percebe que as imagens não eram de seres reais, mas de estátuas cujas silhuetas eram projetadas pela fogueira.

Descobre que passou a vida inteira julgando apenas sombras e ilusões, desconhecendo a verdade, isto é, a verdadeira realidade. Arrastado para fora da caverna, ao sair, o homem é ofuscado pela luz do sol. Depois de se habituar com a nova realidade, volta a enxergar fora da caverna.

Encantado com os seres de verdade, regressa para a caverna e conta o que viu para os prisioneiros. Entretanto, é ridicularizado pelos demais, que só conseguem acreditar na realidade que enxergam na parede da caverna. É chamado de louco e ameaçado de morte porque suas ideias são consideradas absurdas.

Como esses prisioneiros da caverna, muita gente se recusa a compreender que houve um esgotamento do modelo de capitalismo de Estado e do padrão de financiamento da política adotado nos governos Lula e Dilma.

Ambos estavam em contradição com o Estado de direito democrático e, no fundo, a serviço do velho patrimonialismo e do saque predatório dos cofres públicos como forma de acumulação de capital, cujo maior símbolo é o escândalo da Petrobras.

Foi para os que ainda vivem nesse mundo das sombras bruxuleantes que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou, em sua mensagem de ano-novo. Candidato à Presidência da República por antecipação, nas redes sociais, propôs a convocação imediata de eleições e prometeu mundos e fundos à custa do aumento da inflação, do endividamento e do déficit fiscal.

Não, não há exagero, ele prometeu girar a roda do crescimento dessa maneira mesmo, ou seja, à moda populista da pior espécie.

Lula age como os antigos sofistas tão criticados por Platão. Encantavam os espíritos com argumentos que nada tinham a ver com a verdade, só visavam a conquista de opiniões.

A diferença entre os sofistas e Lula, porém, é que os antigos se satisfaziam com a vitória passageira dos argumentos à custa da verdade, enquanto o líder petista quer uma vitória à custa da realidade. Mais uma vez os fins justificariam os meios.

As cidades

A mensagem de fim de ano do petista, porém, contrasta fortemente com os discursos de posse dos prefeitos eleitos. Há uma certa dose de demagogia em algumas atitudes tomadas ontem, como a do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), ao se vestir de gari na primeira ação do governo ou do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), ao posar como doador de sangue. O primeiro gesto simbolizou uma faxina na administração paulista; o segundo, uma entrega total à gestão da cidade.

Em ambos os casos, porém, há uma diferença da água para o vinho em relação à mensagem do petista. A maioria dos prefeitos eleitos que tomaram posse não fez promessas mirabolantes, não apresentou projetos faraônicos, não prometeu mundos e fundos.

Apenas sinalizaram que pretendem trabalhar duro e se entregar à missão para a qual foram eleitos. É uma das características dessa nova safra de prefeitos: defender propostas mais condizentes com a situação real do país, o que é um sinal muito bom.

O mau sinal, porém, é a catilinária dos que acham que a União deve resolver os problemas fiscais de estados e municípios, mais uma vez. Essa pressão vem sendo feita pelos governadores encalacrados nas dívidas, que agora tentam mobilizar os prefeitos recém-eleitos com os mesmos objetivos.

Não há como fechar essa equação. Todos os níveis de governo precisam se ajustar à realidade e redimensionar as estruturas administrativas, garantindo, porém, os serviços básicos. Sem isso, o resultado inevitável será o colapso desses serviços e a incapacidade de pagamento de fornecedores e servidores.

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