Crise da China foi adiada

 

Yu Yongding
tradução de Rachel Warszawski – Valor Online


Alguns meses atrás, não faltavam rumores sobre um iminente colapso financeiro da China, desencadeado por uma queda do mercado de imóveis residenciais ou por calotes da dívida dos governos provinciais. Mas, nos últimos meses, a economia do país se estabilizou, deixando poucas dúvidas sobre a capacidade da China de crescer mais de 7% este ano. Pelo fato de o governo chinês ter amplo poder de intervenção, essa virada não deveria surpreender. O momento do ajuste de contas financeiro, porém, foi simplesmente adiado, e não evitado.

Para começar, os problemas fundamentais que fizeram soar o sinal de alarme – entre os quais bolhas imobiliárias, dívida dos governos provinciais, crescimento acelerado da atividade bancária paralela e elevação dos coeficientes de alavancagem corporativos – continuam não resolvidos. Dentre eles, a ameaça mais imediata à estabilidade econômica e financeira da China é a combinação entre altos custos de tomada de empréstimos, baixa lucratividade das corporações não financeiras e a elevada magnitude dos coeficientes corporativos de alavancagem.

Segundo estudo da Academia Chinesa de Ciências Sociais, a relação dívida/PIB das corporações não financeiras da China era de 113% no fim de 2012. A Standard & Poor's detectou que, um ano depois, o endividamento total dessas empresas totalizou US$ 14,2 trilhões, ofuscando os US$ 13,1 trilhões de dívidas pendentes dos Estados Unidos e transformando a China na maior emissora mundial de títulos corporativos.

A Standard & Poor's detectou que a dívida total das empresas não financeira totalizou US$ 14,2 trilhões, ofuscando os US$ 13,1 trilhões de dívidas pendentes dos Estados Unidos e transformando a China na maior emissora mundial de títulos corporativos

Não há indícios de que essa relação esteja prestes a diminuir. Isso é especialmente preocupante, em vista da baixa lucratividade e dos altos custos da tomada de empréstimos enfrentados pelas empresas industriais chinesas. De fato, a lucratividade das companhias chinesas alcançou pouco mais de 6% no ano passado, com os lucros das 500 maiores empresas chinesas (predominantemente estatais) mal tendo ultrapassado os 2% em 2012.

Por seu lado, as taxas de juros cobradas das empresas não financeiras nos empréstimos bancários continuam próximas de 7%, apesar de terem caído ligeiramente nos últimos doze meses. E, no segundo trimestre deste ano, a taxa de juros anualizada sobre empréstimos a pequenas empresas não financeiras ultrapassou 25%.

Com lucros insuficientes para empregar em investimento, as empresas não financeiras vão ficar cada vez mais dependentes de recursos externos. Com o aumento de seus coeficientes de alavancagem, o mesmo ocorrerá com seus ágios de risco, o que levará os custos da tomada de empréstimos a subir, solapando ainda mais sua lucratividade. Esse círculo destrutivo será difícil de romper. Por exemplo, se as empresas reduzirem os investimentos, enfraquecerão o crescimento e elevarão ainda mais seu coeficiente de alavancagem.

É indiscutível que a China superou desafio semelhante em seu setor público de 1998 a 2001. O país buscou investimentos de fomento ao crescimento em desenvolvimento da infraestrutura e imobiliário para eliminar a deflação, ao mesmo tempo em que manteve taxas de juros artificialmente baixas a fim de conter o aumento da dívida pública.

Mas muita coisa mudou desde então. Na verdade, o modelo de crescimento puxado por investimentos, que promoveu o crescimento de dois dígitos na década iniciada em 2001, exacerbou fragilidades estruturais, que têm de ser enfrentadas agora. De fato, a China precisa conter o ritmo dos investimentos imobiliários, que responderam por mais de 13% do PIB nos últimos anos – iniciativa que levará, sem dúvida nenhuma, a uma desaceleração do crescimento da economia, reduzindo ainda mais, assim, a lucratividade das corporações não financeiras da China.

Além disso, a liberalização das taxas de juros em curso – que se deu tanto aberta quanto sub-repticiamente –, permite inferir que ficou muito mais difícil manter custos de empréstimos artificialmente baixos. Embora o Banco do Povo da China ainda limite oficialmente as taxas de juros sobre os depósitos, os bancos comerciais – em cooperação com instituições financeiras não bancárias, especialmente empresas que administram fundos fiduciários – estão usando produtos de gestão de ativos para atrair depósitos com taxas de juros, na prática, de livre mercado. Em decorrência disso, o banco está perdendo o controle sobre as taxas de juros do crédito corporativo e tem, portanto, poucas opções para restringir os coeficientes de alavancagem.

Apesar desses riscos, é cedo demais para apostar numa crise da dívida corporativa na China. Antes de mais nada, ninguém sabe em que nível de coeficiente de alavacangem corporativa a crise se instaurará. Em 1996, quando a relação endividamento público/PIB alcançou 80%, muitos economistas e autoridades japoneses se preocuparam com a aproximação de uma possível crise. Quase duas décadas depois, essa relação ultrapassou os 200% – e, mesmo assim, não eclodiu nenhuma crise.

Além disso, a China ainda não concluiu suas reformas pautadas pelo mercado, que poderão liberar um relevante potencial de crescimento em muitas áreas. Diante do papel desempenhado pelos fatores institucionais no problema da dívida corporativa da China, essas reformas poderão contribuir, em boa medida, para sua resolução.

Os dirigentes chineses deveriam aproveitar essa trégua em relação à instabilidade e à baixa confiança para redobrar seus esforços no sentido da reforma. Caso contrário, poderão esperar um novo disparo do alarme – e, da próxima vez, eles talvez não disponham das ferramentas necessárias para silenciá-lo.  

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