China leva seu chão de fábrica para a África

PETER WONACOTT

Os oito técnicos sul-africanos da linha de montagem monitoram o processo por computador e recebem incentivos para trabalhar rapidamente. Em menos de um ano de operação, eles estão produzindo no mesmo ritmo que seus companheiros chineses: uma placa a cada 70 segundos.

Mas há um problema. As fábricas da Hisense na China usam metade dos trabalhadores para fazer o mesmo produto. Na África do Sul, cada técnico monitora uma máquina. Na China, duas.

"Passo a passo", diz Jerry Liu, gerente-geral da fabricante de eletrodomésticos para o Oriente Médio e a África. "Nós vamos chegar lá."

Diante da alta dos custos em casa e em meio a percepções negativas das suas práticas trabalhistas na África, os chineses estão instalando novas fábricas no continente e contratando mais africanos. Esses esforços vão testar se os mestres da produção de baixo custo podem ser tão produtivos na África quanto são em casa. Muitos apostam que sim.

"A China é um investidor resiliente", diz Martyn Davies, diretor-presidente da Frontier Advisory, consultoria que atua na China e na África.

A montadora China FAW Group Corp. está construindo uma fábrica na África do Sul para produzir caminhões. A Huajian Group, fabricante de calçados, planeja investir mais de US$ 2 bilhões na Etiópia nos próximos dez anos para tornar o país uma base de exportação para a Europa e a América do Norte. Os chineses também produzem tubos de aço e têxteis em Uganda.

Os crescentes custos trabalhistas na China são um dos motivos que tornam a África tão atraente. O salário médio mensal de um trabalhador com baixa qualificação nas fábricas da Etiópia, por exemplo, equivale a cerca de 25% do valor pago a um chinês com qualificação semelhante, segundo o Banco Mundial.

Conforme a diferença salarial cresce entre os trabalhadores chineses não qualificados e os de outros países da Ásia e da África, até 85 milhões de postos de trabalho fabril podem deixar de existir na China nos próximos anos, diz Yifu Lin, ex-economista-chefe do Banco Mundial.

A África também é um mercado atraente para os produtos chineses fabricados no continente. Ela abriga seis das dez economias que mais crescem no mundo, segundo o Fundo Monetário Internacional, e muitos países ali estão reduzindo sua dependência de recursos naturais, como petróleo, metais e pedras preciosas.

Mas sua infraestrutura deficiente e distribuição desigual de qualificações corroem as vantagens de custo. O estudo do Banco Mundial estima que um chinês que trabalha fazendo camisetas, por exemplo, pode produzir o dobro de um etíope por turno.

A reação da China à diferença no nível de produtividade tem sido enviar mais chineses à África. A China informa que, em 2013, enviou 214.534 trabalhadores para o continente, cerca de 25% do total de trabalhadores que o país enviou para o mundo todo. O número é 18% superior ao de 2011, segundo o Ministério do Comércio da China, que não divulgou dados referentes a 2012 nem informações por setor. Analistas suspeitam que os dados oficiais subestimam consideravelmente os números porque não incluem empreendedores e comerciantes chineses que atuam na África.

A expansão da China na África, porém, tem causado atritos. Uma pesquisa do Instituto de Ética da África do Sul, que faz pesquisa e treinamento, revelou que 46% dos entrevistados na África tinham uma impressão negativa das práticas chinesas de emprego e 19%, positiva. Outros 55% concordaram com a afirmação de que as companhias chinesas na África empregam só chineses.

Na Angola e no Zimbábue, as empresas chinesas trazem chineses para realizar tarefas das mais básicas, como dirigir caminhões ou assentar tijolos. Na Etiópia, empregados que trabalham em estradas reclamaram que os supervisores chineses cortaram os cabos de suas pás ao meio para que não possam se apoiar nelas para descansar. Na Zâmbia, os chefes chineses nas minas jogaram água fria em funcionários que cochilavam, segundo entrevistas com mineiros.

A Sinosteel Corp. não queria choques culturais em seu ambiente de trabalho. Por isso, quase todos os seus cerca de 3.000 funcionários que atuam nas minas, fábricas e braços comerciais são contratados localmente, segundo Wei Zhong, vice-gerente-geral na África do Sul. "Se você traz muitos trabalhadores chineses, isso vai gerar conflitos", diz.

Importar trabalhadores chineses não foi uma opção para a Hisense, diz Li, o gerente-geral da empresa na África. É preciso fornecer moradia e alimentação aos chineses, diz ele, uma estrutura que é financeiramente inviável.
 

Mas a firma enfrenta escassez de mão de obra qualificada, como engenheiros e técnicos, na África do Sul. A Hisense decidiu instalar sua fábrica num local onde antes operava uma fábrica de TVs que havia fechado vários anos antes, e contratou várias pessoas que haviam trabalhado na empresa. Além disso, fez programas de treinamento. Ela ofereceu para os técnicos de nível básico um salário mensal de US$ 580, bem menos que a média de US$ 800 que paga na China, diz Liu.

O Fundo de Desenvolvimento China-África, financiado pelo governo chinês, comprou uma fatia minoritária da fábrica, exigindo que a Hisense contratasse os trabalhadores localmente. Hoje, 95% dos seus 600 funcionários são sul-africanos.

 

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(Colaborou Kersten Zhang, de Pequim.)

 

 

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