ZOPACAS – 30 anos e suas potencialidades no futuro

Nelza Oliveira
Especial para DefesaNet

Representantes do mundo acadêmico e da esfera militar reuniram-se em um seminário no dia 24 de outubro, no Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio (IRI/PUC-Rio), para refletir sobre os 30 anos da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS) e suas potencialidades no futuro.

Os palestrantes do evento, organizado pela IRI/PUC-Rio em parceria com a Escola Superior de Guerra (ESG), defenderam um papel de liderança do Brasil na região e abordaram temas como a necessidade de investir em defesa e segurança por conta de ameaças externas, descobertas de petróleo e a presença de atores extra-regionais no Atlântico Sul.

A ZOPACAS foi estabelecida em 1986 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a partir de uma proposta brasileira, com objetivo de promover a cooperação para o progresso econômico e social, a paz e a segurança  e evitar a introdução e o desenvolvimento de armamentos nucleares e outros artefatos de destruição em massa na região do Atlântico Sul.

A Zona de Paz é composta por 24 países, sendo 21 da África (África do Sul, Angola, Benin, Cabo Verde, Camarões, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Libéria, Namíbia, Nigéria, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa e Togo) e três da América do Sul (Uruguai, Argentina e Brasil).

A professora Monica Herz, do IRI/PUC-Rio,abriu o  evento falando sobre a valorização da questão de segurança na região a partir dos anos 2000, relacionada à descoberta de reservas de petróleo, em especial do pré-sal no Brasil. Para ela, o Atlântico Sul passou a temer uma ameaça sem distinção apoiada pela preocupação na região com a presença de grandes potências, ao aumento da pirataria e outras atividades ilícitas e a retomada da questão sobre as Ilhas Malvinas, além da presença da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

“Associado a introdução do discurso não muito claro em relação à ameaça, houve no Brasil um esforço muito grande de conhecimento sobre o Atlântico Sul, em particular pela Petrobras e pela Marinha. Hoje, esse conhecimento soma uma riqueza referência mundial em relação, inclusive, a discursão ampla sobre a exploração dos oceanos em águas profundas no mundo como um todo”, argumentou a professora.

O segundo palestrante, o Contra-Almirante Antonio Ruy de Almeida Silva, Assessor Especial da  Escola Superior de Guerra, acredita que a ZOPACAS é um mecanismo de construção ainda incipiente, principalmente nas área de segurança e defesa, mas é de grande importância dentro do projeto brasileiro de inserção Internacional.

Segundo ele, a Zona de Paz se desenvolveu de forma irregular nesses 30 anos, longe de atingir os objetivos, mas de certa forma ampliando a agenda para temas de interesse da política externa brasileira no âmbito da governança global. Para o Almirante Ruy, o que dificulta a integração na área são as enormes diferenças entre os países da ZOPACAS, principalmente entre os da América do Sul e os da África.

“Na área do Atlântico Sul Sul-Americano, temos três Estados relativamente organizados, com governança de instituições, Marinhas limitadas, mas com meios organizados, e onde as tensões interestatais praticamente não existem. Há alguma tensão maior com atores extra-regionais, seja na Malvinas, por qualquer questão de intervenção, e algumas novas ameaças como crime organizado ou tráfico de drogas.

Isso dá a região do Atlântico Sul daqui uma menor possibilidade de interferência extra-regional do que na África”, afirmou o Almirante Ruy. “Nos países da África, devido a herança colonial, fronteiras foram adotadas de formas arbitrárias, dividindo grupos étnicos. Há um grande problema de segurança naqueles países relacionado a guerras civis, violência interna, crimes organizados”, acrescentou.

Para o Almirante, há na África uma diversidade de Estados, muitos deles frágeis e com baixa capacidade de garantir a segurança de suas águas. A situação, segundo ele, é mais complicada ainda por terem esses países grande possibilidade de produção de petróleo, o que pode proporcionar mais intervenção de grandes potencias.

Entre as intervenções extra-regionais em toda a região do Atlântico Sul, o Almirante citou o Comando Sul dos Estados Unidos, o Comando dos Estados Unidos para África (Africom), a França, que atua nos dois lados do oceano, a Grã-Bretanha com as Ilhas Malvinas, e a China e a Índia, que ele acredita serem dois novos atores, mas que ainda não tem poder marítimo suficiente para influenciar de forma importante.

“O Brasil tenta ajeitar os interesses comuns com os atores extra-regionais. O país tem excelente relação tanto economicamente como politicamente com os Estados Unidos, com a França, e com a Grã-Bretanha. O país atua como uma forma de negociação e boa relação de um lado para outro, como se fizesse uma ponte”, disse o Almirante.

O professor Marcelo Simas, da Universidade Petrobras, abriu a segunda mesa do evento fazendo um panorama sobre os recursos e as possibilidades da Zona de Paz na área do petróleo, que, para ele, suscita grandes disputas.

“Para vocês terem ideia da importância da ZOPACAS, Nigéria, Brasil, Angola, Argentina e Gabão são reservas petrolíferas desde a década de 80. Nesses últimos dez anos, metade das descobertas foram feitas em águas profundas, dois terços delas estão no âmbito da Petrobras. O Brasil tem um potencial petrolífero, que se comprovado, terá condições de chegar a uma reserva de 50 bilhões de barris, colocando o país na 7a / 8a posição mundial, na frente da Líbia”, lembrou Simas.

“Todo mundo já sabe da importância do Atlântico Sul para o comércio exterior do Brasil. O pré-sal é o presente, é uma realidade hoje. Por isso, em nossos cursos sobre geopolítica de petróleo falamos sobre a defesa do pré-sal”, acrescentou o professor.

A segunda palestrante da mesa, a Capitã-de-Mar-e-Guerra Izabel King Jeck, da Marinha, Assessora para o Plano de Levantamento da Plataforma Continental (LEPLAC), apresentou a proposta de ampliação do Brasil de sua Plataforma Continental para além das 200 milhas marítimas, até um limite de 350 milhas náuticas. Atualmente, apenas nessa faixa o país possui direitos exclusivos de exploração dos recursos marinhos, inclusive o petróleo do pré-sal.

Com o projeto, apresentado pela primeira vez à ONU em 2004, a área marítima chamada de Amazônia Azul passaria dos atuais 3,5 milhões de quilômetros quadrados para 4,5 milhões de quilômetros quadrados, o equivalente à metade do território terrestre brasileiro.A proposta foi aprovada pela ONU com a exceção de quatro áreas que correspondem a menos de 20% do total reivindicado.

“Foram 12 anos de levantamento contínuo, com quantidade bastante significativa de dados adquiridos e que hoje são utilizados pela comunidade científica para diversos cenários de graduação, pós-graduação, doutorado. Como a ONU não concordou totalmente com a área pleiteada, a Marinha retomou o projeto em 2007 para tentar conseguir a incorporação do restante”, explicou a Comandante Izabel.

“Foram feitos novos levantamentos com tecnologias bem atuais para que se reapresentasse novamente, que é o que está sendo feito no momento. O Brasil foi o segundo país a apresentar uma proposta de extensão de plataforma. O primeiro foi a Rússia, em 2003”, acrescentou a Comandante.

A Comandante Izabel contou que em função da experiência que o Brasil teve nesse processo, países da ZOPACAS como a Namíbia, Angola, Moçambique e Cabo Verde, procuraram o país para auxiliar em seus pleitos e suas propostas de extensão de plataforma continental. A Marinha cooperou com projetos semelhantes na Namíbia e Angola.

A última palestrante do evento, Sabrina Evangelista Medeiros, da Escola de Guerra Naval, concordou que a ZOPACAS ainda é um projeto incipiente, mas que é possível coordenar algumas propostas já em curso, sejam brasileiras ou não, em benefício de um projeto de cooperação triangulada. A professora também defendeu a liderança do Brasil no processo e citou as características do país para isso.

“O Brasil tem fator de destaque no Atlântico Sul, com o maior litoral da região, 95% do comércio brasileiro é por via marítima, é o maior parceiro dos países da costa ocidental na região do Atlântico Sul. Ainda 80% da população do país moram nas costas. Portanto, a economia do Brasil flui pela costa. O Brasil é comprador do petróleo africano, especialmente o nigeriano. Temos uma relação estreita em termos de segurança enérgica com esses países africanos e o apoio deles no conselho de segurança na ONU (pleito do Brasil para ter um assento no Conselho de Segurança) e o interesses das empresas brasileiras, principalmente as ligadas em infraestrutura em investir”, enumerou a professora

As professoras Andrea Ribeiro Hoffmann, do IRI/PUC-Rio, e Layla Dawood, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mediaram o seminário.

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter