Xiitas ressuscitam Exército Mahdi para enfrentar radicais sunitas no Iraque

Fazia tempo que Bagdá não via algo assim: uma parada de combatentes xiitas. Em uniformes semelhantes aos do Exército iraquiano, roupas pretas ou longas túnicas com turbante, cerca de 20 mil milicianos desfilaram neste fim de semana pelas ruas de Cidade Sadr, subúrbio da capital iraquiana com mais de 2 milhões de habitantes e uma população quase exclusivamente xiita.

E não faltou um desafiador grito de guerra, reforçando a determinação de enfrentar o grupo radical islâmico sunita EIIL (Estado Islâmico do Iraque e do Levante – também conhecido pela sigla em ingles: ISIS). "Vamos massacrá-los" com metralhadoras, pistolas, granadas e coquetéis molotov, gritavam os combatentes. O grande aiatolá Ali al-Sistani reiterou o apelo para a luta contra o inimigo, que ameaça os locais sagrados e a unidade do Iraque. Os xiitas estão, agora, dispostos a tudo.

A primeira linha de frente contra o EIIL será em Samarra. A cidade localizada a 110 quilômetros de Bagdá tornou-se um pesadelo para os iraquianos. O minarete espiral da grande mesquita Al-Asqari, um santuário dos xiitas, é mundialmente famoso. Embora a maioria dos 160 mil habitantes seja sunita, a cidade é um centro espiritual fundamental para os xiitas.

Em fevereiro de 2006, uma bomba destruiu a cúpula dourada da mesquita Al-Asqari, o que levou à eclosão de uma guerra religiosa. Milhares de sunitas e xiitas pagaram com suas vidas, e é grande o temor de que isso venha a se repetir.

Avanço rumo ao sul

Em seu avanço de norte a sul, o EIIL tem seguido a autoestrada que leva de Mossul a Bagdá, passando por Tikrit (a cidade natal de Saddam Hussein), pela refinaria de Baiji e por Samarra.

Depois que Mossul se tornou a primeira cidade a ser tomada pelos extremistas, há duas semanas, seguiu-se a tomada de Tikrit. As lutas continuam em torno da refinaria em Baiji, que abastece toda a cidade de Bagdá com eletricidade e combustível. Relatos de vitórias dos rebeldes e dos iraquianos se sobrepõem. A situação no local é confusa. A refinaria está fora de funcionamento.
 

Em localidades de menor importância estratégica, como Baquba, capital da província de Diyala, que faz fronteira com Bagdá a nordeste, e na cidade de Al Qaim, na fronteira com a Síria, é difícil avaliar a situação.

Al Qaim se localiza na província de Al Anbar, que o EIIL havia tomado em grande parte já em janeiro. Muitos refugiados de Al Qaim estão alojados em acampamentos nos arredores de Bagdá. Alguns dizem que não foi o EIIL que tomou o controle do posto de fronteira, mas membros das tribos locais.

Os combates em Baquba não são necessariamente apenas por conta do EIIL. Nos piores anos dos combates, entre 2006 e 2008, a província de Diyala foi repetidamente palco de confrontos violentos entre as etnias locais. Diyala também é chamada às vezes de "Pequeno Iraque", por abrigar todos os grupos étnicos do país, que competem entre si por poder e influência.

A volta do Exército Mahdi

Mas o que aconteceu neste fim de semana em Cidade Sadr é o ressurgimento de uma era que os moradores de Bagdá acreditavam estar há muito superada: o líder xiita Moqtada al-Sadr reativou o seu Exército Mahdi.

Essa milícia foi criada em 2003 para lutar contra as forças de ocupação americanas, conseguindo reunir, no auge, até 60 mil milicianos. O Jaish al-Mahdi, ou Exército Mahdi, era conhecido e temido em Bagdá, tendo contribuído fundamentalmente para a evolução dos conflitos sangrentos entre sunitas e xiitas, que acabaram levando à guerra civil.

O que distinguia o Exército Mahdi da Al Qaeda eram os atentados suicidas, uma marca registrada da organização terrorista sunita. Os xiitas rejeitam o suicídio.
 

O retorno do Exército Mahdi para a luta contra o EIIL não promete nada de bom para os habitantes de Bagdá. Tanto xiitas quanto sunitas temem um confronto que se torne incontrolável. Após três anos de uma sangrenta guerra civil, em 2008 Moqtada al-Sadr anunciou o fim de seu exército e instou seus combatentes a depor as armas.

Isso aconteceu também por causa da intervenção da eminência parda em Najaf, o grande aiatolá Al-Sistani, que prometeu ao jovem rebelde xiita – na época Moqtada al-Sadr tinha menos de 40 anos – uma participação no processo político do Iraque, o que realmente aconteceu.

O último gabinete de governo em Bagdá contava com seis ministros sadristas, como são chamados os apoiadores de Al-Sadr. No Parlamento, os sadristas tinham 40 deputados. Foi com os votos dos sadristas que o primeiro-ministro Nuri al-Maliki conseguiu ser reeleito. Mas, hoje em dia, Al-Sadr é um desafeto do primeiro-ministro, que ele chama de "novo ditador".

Os próximos dias dirão se o renascimento do Exército Mahdi significará a salvação de Al-Maliki ou se Moqtada al-Sadr tem outra coisa em mente.

 

 

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