UPP da Maré só será prioridade na Olimpíada, diz analista após morte de militar

Por Jefferson Puff- Da BBC Brasil no Rio de Janeiro

"As Forças Armadas devem ficar até que a crise no programa das UPPs seja endireitada e novos policiais sejam formados", disse Ignacio Cano, sociólogo e professor do Laboratório de Análise de Violência da Uerj.

"Há falta de efetivo em UPPs e diversos batalhões na cidade. A UPP da Maré só voltará a ser prioridade no Rio com a proximidade da Olimpíada, em 2016", afirmou ele à BBC Brasil.

Mikami, que começou a servir ao Exército no início de 2012, era natural de Vinhedo, no interior de São Paulo, e chegou a trabalhar na Missão de Paz da ONU no Haiti. Ele foi o primeiro militar morto desde o início do programa de pacificação no Rio de Janeiro, há seis anos.

O Exército ocupa a Maré desde abril deste ano – três meses antes da Copa do Mundo. No sábado, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, disse que pretende conversar com a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para solicitar que as Forças Armadas permaneçam na Maré por mais tempo do que o prazo inicialmente previsto, que se encerraria no final de 2014. O prazo já tinha sido estendido anteriormente.

"O Exército deve ficar, porque será um acordo entre Brasília e o Rio, e haverá uma decisão oficial. Se eles saírem agora, e deixarem esse vazio, passa-se a imagem de que a invasão não serviu para nada, e isso eles não poderão fazer", avalia Ignacio Cano.

Na visão dos analistas, o governo do Rio de Janeiro solicita a extensão do prazo por não dispor de efetivo suficiente para substituir os militares por PMs.
 
Além disso, somam-se à lista de fatores o que os analistas veem como "erros estratégicos" na expansão das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), que atualmente somam 38, e as dificuldades apresentadas pela Maré – complexo de 15 favelas onde atuam quatro diferentes forças do tráfico: Comando Vermelho, Terceiro Comando, ADA (Amigos dos Amigos) e milícias.

"Essa morte é uma constatação de que essa área da Maré é muito complicada, e que uma UPP ali vai exigir um esforço muito mais sofisticado de estabelecimento de relações com a comunidade, além de evidenciar que o modelo atual das UPPs não é sustentável", diz Julita Lemgruber, ex-diretora do sistema penitenciário fluminense e ex-ouvidora da PM do Rio.

"A questão é muito mais ampla. O que acontece na Maré mostra que o programa como um todo não se sustenta. Não há policiamento de proximidade, não há serviços para a população. Este suposto controle do Estado sobre estes territórios está se mostrando problemático e não sustentável", complementa.

Erros e Olimpíada

Para Paulo Storani, antropólogo e ex-capitão do Bope, houve "erros estratégicos" na expansão das UPPs no Rio de Janeiro, que esgotaram os recursos e o efetivo policial.

"Pelo menos 18 UPPs foram implantadas de forma precária, sem infraestrutura, com contêineres. Isso enfraqueceu o projeto, tornou o programa vulnerável e esgotou recursos", diz.

"Essa expansão desenfreada atacou a imagem do projeto como um todo. É nítido que a UPP só pode ser instalada quando o nível de criminalidade é reduzido a um certo padrão de estabilidade. No Complexo do Alemão, por exemplo, agora está provado que isso não aconteceu. Com a perda do Alemão, o tráfico vai resistir na Maré, que é um ponto muito estratégico", complementa.

Ocupado pelo Exército três meses antes da Copa do Mundo após sucessivos adiamentos por parte do governo estadual, o Complexo da Maré deverá permanecer com as tropas militares por muito mais tempo, acredita Ignacio Cano, da Uerj.

"As Forças Armadas devem ficar até que a crise no programa das UPPs seja endireitada e novos policiais sejam formados. Há falta de efetivo em UPPs e diversos batalhões na cidade. A UPP da Maré só voltará a ser prioridade no Rio com a proximidade da Olimpíada, em 2016", indica.

'Não vai haver recuo'

Sobre a baixa do militar na Maré, que coincidiu com a morte de cinco PMs em apenas sete dias (desde o início deste ano já são 105), o governador Luiz Fernando Pezão disse que a estratégia permanecerá inalterada. "Não vai haver retrocesso, não vai haver recuo", indicou.

Comentando a presença dos militares no complexo, Pezão disse que o local traz dificuldades específicas e prometeu a formação de 1 mil PMs até o fim deste ano. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, na sexta-feira 596 novos soldados foram formados, e nesta segunda-feira mais 61 engrossaram as fileiras da Polícia Militar.

"Uma comunidade ao lado da Avenida Brasil, da Linha Vermelha, perto do Galeão, que tinha um nível de violência inimaginável. Uma região que o tráfico dominou por mais de 30 anos. Isso mostra a dificuldade que nós temos. E, se não fosse essa parceria com a presidenta Dilma e as Forças Armadas, dificilmente conseguiríamos ter êxito na nossa política de pacificação", disse.

Em resposta às mortes de policiais e como uma de suas primeiras medidas já no segundo mandato, que se inicia em janeiro de 2015, Pezão anunciou investimentos na segurança pública e formação de novos policiais. A meta é que a PM salte do efetivo atual de 48.744 homens para ao menos 60 mil até 2018.

Para isso, o governo deve aumentar em R$ 600 milhões o orçamento da PM, elevando o atual montante de R$ 3,6 bilhões para o total de R$ 4,2 bilhões. O dinheiro também será usado para bancar um aumento do piso salarial.
 

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