Tesourada atinge o combate ao crime

Vinicius Sassine – Edson Luiz

Um Estado com menos poder de fiscalização e de polícia. Essa é apenas uma parte dos efeitos mais práticos dos cortes de R$ 50 bilhões no Orçamento da União, cujo detalhamento pela equipe econômica do governo de Dilma Rousseff já desencadeou uma mobilização nos ministérios: os gestores ainda decidem onde cortar (veja quadro ao lado). Ao longo do ano, em razão da diminuição dos gastos com diárias e passagens, o governo federal vai perder capacidade de fiscalização dos crimes ambientais — principalmente em áreas mais isoladas, como a Amazônia — e de combate à corrupção, já que haverá um menor deslocamento de agentes da Polícia Federal.

Dentro dos ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Justiça, os cortes primordiais serão os relacionados a viagens dos servidores. Técnicos das duas pastas ouvidos pelo Correio ressaltam a consequência dessa tesourada específica: a diminuição de operações da PF e de combate a crimes ambientais, empreendidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O corte no MMA será de R$ 398,1 milhões, o equivalente a 37% do orçamento inicialmente previsto para este ano. No Ministério da Justiça, pasta a qual a PF está subordinada, a tesourada é ainda mais expressiva: será R$ 1,52 bilhão a menos, ou 64% de todo o montante aprovado para 2011. Nos dois ministérios, a constatação é de que a diminuição das viagens prejudicará as operações de combate ao crime. Isso porque o deslocamento de agentes, principalmente na repressão a crimes ambientais, é necessário na maioria das operações desenvolvidas.

As tentativas de reforço de pessoal também serão em vão, pelo menos para este ano. As chances de os 200 novos analistas do MMA — selecionados por concurso no início deste ano — serem convocados são remotas. Já o concurso para 1.000 agentes da PF, antes previsto, não deve ocorrer.

Reflexos

No MMA, além dos cortes em passagens, diárias e contratações de concursados, a tesoura deve atingir servidores terceirizados, inclusive os que estão lotados em órgãos como o Ibama, o Instituto Chico Mendes (responsável pelas unidades de conservação federais) e a Agência Nacional de Águas (ANA). Há dois anos, quando o ministério precisou cortar gastos, foi necessário adiar a instalação de unidades do Instituto Chico Mendes e do Serviço Florestal Brasileiro (SFB). Agora, comunidades tradicionais poderão sentir a escassez de convênios por parte do MMA.

Os cortes anunciados pelo governo Dilma podem reduzir as ações da PF, que muitas vezes utilizam grandes contigentes de agentes que se deslocam de outras regiões. “As nossas operações terão de ser redimensionadas”, afirma o vice-presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Distrito Federal, Flávio Werneck. “A partir do momento em que os efetivos usados diminuem, existem reflexos.”

O temor dentro da PF é de que haja uma diminuição das operações especiais, que são aquelas que reúnem maior número de efetivo, originadas de apurações de longo prazo (veja ao lado algumas das operações desenvolvidas nos últimos anos). A avaliação é que as investigações em si não sofrerão abalos, já que muitas vezes dependem de poucos agentes. O problema será no momento em que a ação for desencadeada. “Todo o planejamento operacional terá de ser revisto”, observa Werneck, ressaltando que os problemas podem aparecer já a partir do segundo semestre deste ano.

Quando tomou posse, em 14 de janeiro, o diretor-geral da PF, Leandro Daiello Coimbra, disse que sua prioridade será dar continuidade às grandes operações. No Ministério da Justiça, o temor é que o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci) seja afetado, atingindo também outros projetos, como de capacitação das polícias. O ministério informou que ainda não sabe quais áreas serão atingidas, mas ressaltou que não haverá paralisação das atividades de qualquer setor ou programas, que serão apenas “readequados”. “Vamos tentar fazer mais com aquilo que temos. Estamos buscando todos os mecanismos de gestão”, disse ontem o ministro José Eduardo Cardozo. Ele afirmou que o Pronasci, um dos carros-chefes de sua pasta, não sofrerá alterações. “O Pronasci continua intocável.”

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