Francesco Azzarello Embaixador Itália – Há uma brutal agressão militar. Governo brasileiro não pode esquecer que a guerra é um pesadelo’

Francesco Azzarello afirma que relações entre países não devem se pautar por ideologias

Eliane Oliveira
O Globo
Brasília
27 Maio 2023

Em entrevista ao GLOBO, o embaixador da Itália no Brasil, Francesco Azzarello, reforça a posição de seu país de firme condenação à Rússia pela invasão da Ucrânia e pede para que o governo brasileiro – que evita críticas a Vladimir Putin – não se esqueça de que a guerra é um “pesadelo”. Ainda assim ele diz ver com bons olhos o desejo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ser um membro ativo da comunidade internacional.

Azzarello afirma que Brasil e Itália não podem pautar suas relações por ideologias, ao ser perguntado sobre como seriam as relações entre o governo de esquerda de Lula com um regime que tem uma primeira-ministra, Giorgia Meloni, eleita no fim do ano passado, afinada com a extrema-direita. Azzarello lembra que o Brasil tem 32 milhões de brasileiros de origem italiana e ressalta que “os governos vêm e vão embora”.

O fato de o governo da Itália não ter enviado uma delegação para a posse do presidente Lula gerou críticas no seu país, de parlamentares da oposição. Por que isso aconteceu?

A primeira vez em que as autoridades brasileiras informaram ao corpo diplomático sobre as providências para a posse de Lula foi poucos dias antes do Natal, em 21 de dezembro. Disseram que a posse seria no dia 1º de janeiro. Por sorte, o Congresso brasileiro mudou a lei para um dia mais fácil para a gente viajar [5 de janeiro, a partir da próxima eleição]. Dos 27 países da União Europeia, somente três enviaram um chefe de Estado ou ministro das Relações Exteriores: Alemanha, Portugal e Espanha. Os outros 24 eram representados por embaixadores, que tinham o nível de chefe de delegação — com exceção da França, que mandou um enviado especial, mas que tinha o nível de cerimonia. E estou falando somente da União Europeia. No Parlamento, disseram que a Itália não estava representada, que não era uma demonstração de amizade pelo Brasil.

Como devem ser as relações entre um governo de esquerda, de Lula, com a primeira-ministra, da extrema-direita?

A Itália tem um governo de centro-direita. O centro é representado por um dos três partidos, que é membro do Grupo Popular Europeu. Pessoalmente, considero nossa primeira-ministra muito democrática. Agora que está no governo está bem mais moderada. Hoje, ela é a única mulher que está participando, como chefe de governo, do G7, no Japão. E é bem útil lembrar que, se o Brasil vai ter a presidência do G20, a Itália terá a presidência do G-7 no próximo ano. Houve um encontro entre o ministro Haddad [Fernando Haddad, da Fazenda] e o nosso ministro da Economia [Giancarlo Giorgetti ], em Tóquio [na semana passada, na reunião de ministros do G7]. Eles decidiram ter uma estreita cooperação entre a presidência do G20, do Brasil, e a presidência do G7, no ano próximo, que será da Itália. E isso é muito bom. Penso que as relações entre Estados nunca deveriam depender do governo do dia, porque os governos vêm e vão embora. É útil lembrar que o Brasil tem 32 milhões de brasileiros de origem italiana, que o Brasil tem a maior comunidade estrangeira, que são mais de 730 mil italianos, cidadãos.

Itália e Brasil não têm o que se pode chamar de relação estratégica…

Itália e Brasil não têm, na História, um relacionamento estratégico de grande cooperação, de grande amizade, como se diz na diplomacia, para dar uma valorização positiva. Itália e Brasil têm um relacionamento de sangue, e isso significa que o trabalho e a vida entre os dois países serão sempre normais, sempre vão continuar. É claro que a política tem uma função teoricamente que deve construir, e não destruir. Para o governo italiano, isso continua, como acontecia com os governantes de antes, e teremos a máxima disponibilidade de continuar a trabalhar junto com o Brasil, com o governo Lula.

Acredita que haverá diferença no trato com o governo Lula em relação ao governo Bolsonaro?

O governo Bolsonaro era um governo de direita, enquanto na Itália nós tínhamos um governo que era apoiado por um dos partidos de esquerda, que é o Partido Democrático Italiano. O relacionamento continua normal. Hoje, nós temos no Brasil um governo de esquerda que necessita do centro para governar, e na Itália nós temos um governo de centro-direita. Para mim, nada muda. Em 2022, tivemos eleições na Itália. Nosso ministro das Relações Exteriores [Antonio Tajani] já tinha um desejo, há vários meses, e ainda tem, de vir aqui. É só uma questão de encontrar uma data que seja compatível com as questões prioritárias nesse momento de guerra.

Como a Itália avalia a proposta de Lula de criação de um grupo de países para ajudar a negociar um acordo de paz entre Rússia e Ucrânia?

A posição da Itália é a posição da União Europeia, e a posição da União Europeia é extremamente clara: há uma brutal agressão militar, uma anexação ilegal de territórios ucranianos, uma violação do direito internacional e outras questões que são investigadas pelo código penal internacional e outros organismos. É uma guerra que a imprensa brasileira seguia com grande atenção num primeiro período e agora menos, o que é compreensível, porque a imprensa não pode falar todos os dias da mesma coisa. Mas é muito importante que a opinião pública brasileira e o Congresso Brasileiro, além do governo brasileiro, não se esqueçam de uma situação que é um pesadelo. As imagens que nós temos da guerra, das vítimas, das destruições é algo que não tem palavras, são imagens muito significativas. E nós esperamos, obviamente, que a guerra termine o mais rápido possível. Não vou comentar a política brasileira, mas creio que é muito importante o desejo do presidente Lula de ser um membro ativo da comunidade internacional, com um desejo genuíno de facilitar a paz. Contudo, devemos ver qual é o desejo da Ucrânia e também da Rússia.

Afinal, o ex-presidente Bolsonaro e filhos pediram cidadania italiana?

A resposta é muito simples: nós temos, como embaixada, um dever de privacidade para todo mundo. Todos são iguais. Não posso dar informações públicas sobre quem pergunta ou não sobre alguma coisa. Mas quero lembrar que o nosso ministro das Relações Exteriores, poucos meses atrás, respondeu ao Parlamento que o ex-presidente Bolsonaro não pediu a cidadania italiana. Isso foi meses atrás, o que não significa que a situação tenha mudado agora.

O senhor deixará o Brasil em janeiro do ano que vem. Algo que gostaria de destacar sobre o Brasil?

Normalmente, um embaixador italiano presta serviço por quatro anos. Cheguei no início de janeiro de 2020 e fico até janeiro de 2024. Posso dizer, com sinceridade, que já sinto saudade quando penso no momento de retornar à Itália. O Brasil é um país muito particular, de pessoas muito felizes, também os pobres. Paradoxalmente, os pobres são mais felizes que os outros. Felizes, sorridentes, musicais, um povo bonito, um grande país, que deve ser cada vez mais protagonista na construção de um grande mundo hoje, que necessita de um Brasil forte, que pode contribuir positivamente para os relacionamentos internacionais.

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