DEGENAR – Corrupção


Cosme Degenar Drumond
 Especial para DefesaNet
 

A corrupção no Brasil remonta ao período colonial, mais intensamente nas administrações dos capitães-governadores (1564-1763). O capitão Luis Vaia Monteiro, que governou de 1725 a 1732, travou o primeiro grande combate contra os corruptos. Sua luta, no entanto, por mais imperativa que fosse, teve um final inglório para o próprio governante. Homem de bom caráter, defensor da lei e da moralidade, e inflexível no trato dos negócios públicos, ele proibiu o contrabando de ouro e de escravos, reivindicou terras do Estado que se achavam ilegalmente em mãos de particulares, tornou a cobrança de impostos mais efetiva e eficaz e multiplicou a arrecadação do Tesouro.

Por seu temperamento autoritário, recebeu o apelido de “O Onça, daí surgindo a expressão popular “no tempodo Onça”. Suas medidas moralizadoras receberam o apoio da Coroa lusitana. Porém, o provedor da Fazenda, magistrados, religiosos e o Conselho Ultramarino se articularam e o afastaram do governo, alegando que ele perdera as faculdades mentais. Afinal, o governador lutara contra poderosos agentes públicos. Acabou enlouquecendo, ao ver suas ações corretivas anuladas no Parlamento. Sucedido pelo mestre-de-Campo Manuel de Freitas da Fonseca, este se limitou a despachar o expediente oficial até a chegada do novo governador.

O governante seguinte, Gomes Freire de Andrade, encontrou o Tesouro com folgada reserva de recursos. Pelos poderes que recebeu, estendeu sua gestão a São Paulo, Minas, Goiás e à ponta Sul da Colônia. Vigilante contra a corrupção e o contrabando, concentrou os ourives em uma só rua do Rio de Janeiro, reorganizou as tropas da Colônia, fortaleceu a Defesa Nacional e tornou mais eficaz a fiscalização do ouro.

Com assessoria do brigadeiro José Fernandes Pinto Alpoim, seu principal secretário, aprovou normas rigorosas na condução dos negócios públicos e realizou obras de melhoramento urbano na cidade carioca, algumas das ainda se encontram de pé – os Arcos da Carioca e o Paço dos Governadores, depois Paço dos Vice-Reis, Real e Imperial. Agraciado com título de Conde de Bobadela, governou até janeiro de 1763, quando faleceu.

Por quase meio século a corrupção praticamente inexistiu no Brasil. Voltou a se destacar no período dos Vice-Reis (1763-1808), cruzou o regime monárquico (1808-1889) e alojou-se na República. Nos anos 1920, o Tenentismo, movimento formado por jovens oficiais do Exército, defendeu o combate a corrupção, que só perdeu força no Estado Novo.

Em 10 de novembro de 1937, em certo trecho do comunicado oficial sobre o novo regime de governo, Getúlio Vargas assim se expressou sobre a qualidade política no país, um autêntico “balaio de gatos”, como declarou: “Tanto os velhos partidos como os novos, em que os velhos se transformaram sob novos rótulos, nada exprimiam ideologicamente, mantendo-se à sombra de ambições pessoais ou de predomínios localistas em torno de objetivos subalternos”.

Com a volta do regime democrático (1945), a corrupção também voltou ao cenário nacional com maior apetite. Ao longo dos anos, envolveu notáveis políticos e governantes. Em 1960, Jânio Quadros elegeu-se para a Presidência da República com o lema “varre, varre, vassourinha, varre a corrupção”. Sete meses depois, renunciou ao cargo, deixando registrado na carta-renúncia que fora afrontado pela mentira, pela corrupção e pela covardia: “forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração”. Jânio, no entanto, não explicou que “forças terríveis” eram as que o levaram a renunciar. João Goulart, o vice-presidente, assumiu o governo. Em 1964, foi apeado do poder pelos militares, sob a acusação de que conduzia o país para o comunismo, o grande fantasma dos militares da época.

Retomada a democracia (1985), os corruptos atacaram o Tesouro, inicialmente com os chamados “Anões do Congresso”. Em 1992, o presidente Fernando Collor, eleito com o discurso de moralizar a coisa pública (caça aos marajás), foi afastado do Palácio do Planalto, acusado de corrupção. Sucederam-se os mensaleiros, os sanguessugas, os vampiros da saúde e outros grupos criminosos.

O Supremo Tribunal Federal desencadeou uma cruzada contra os corruptos, levando à prisão políticos, empresários e agentes públicos, o chamado “Mensalão”. Logo, promotores públicos e policiais federais (Operação Lava-Jato) desvendaram o maior assalto aos cofres da União. A Justiça condenou agentes públicos e privados de alta influência no governo. Mas, novos focos de corrupção não pararam de ser descobertos, nos três níveis da administração pública. A sociedade apoiou o combate aos criminosos. A cada dia, novas surpresas de enriquecimento ilícito são noticiadas. Oxalá, a Justiça consiga dar fim à corrupção no Brasil, uma praga que sangra o Erário e tantos prejuízos causa ao país e à população, sobretudo às classes mais humildes.
 
Prática universal
 
A corrupção não escolhe país nem regime de governo. Cientistas políticos dizem que a “senhora idosa” é inerente às agremiações políticas que constroem o Estado, escoradas em discurso populista, os líderes agem sem rédeas, participam da farra desonesta e fazem vista grossa para o que ocorre de errado ao seu redor. Exemplo clássico se deu na Rússia, no século passado, no mais importante movimento político até então – a Revolução Comunista de Outubro de 1917.  

A revolução ganhou a adesão dos militares, insatisfeitos com a falta de armamentos modernos no exército russo. Até então, o soldado que ingressava no exército imperial jurava servir e defender o czar e a preservar sua linhagem, e não ao Estado ou ao país. O exército garantia o poder do império. A partir do momento em que as tropas fracassaram em guerras externas – Criméia (1853-1856), Turquia (1877-1878) e Japão (1905-1905) –, a lealdade ao regime mudou.

Na realidade, as demandas do exército não eram atendidas em razão do fraco desempenho da economia russa. Entre 1881 e 1902, o orçamento militar caiu tão pesadamente que a estrutura de defesa do país passou a ser mal treinada, mal equipada e perdeu substância operacional. Com a falta de verbas, os próprios militares plantavam a comida e o tabaco que consumiam, remendavam fardas e coturnos e prestavam serviços em lavouras, fábricas e minas dos arredores das guarnições para ajudar na receita da caserna. Orientados a reprimir manifestações civis e a garantir assistência emergencial aos governadores de províncias e às milícias, nos casos de perturbação da ordem, os militares consideraram aquém da missão precípua do soldado profissional agir como polícia. Outra reclamação militar era o efeito danoso que isto causava à disciplina. Chamados novamente para sufocar manifestações civis, a infantaria, de forte presença camponesa, recusou-se e se amotinou.

Muito antes, o soldado camponês era tratado de modo depreciativo pelos oficiais do exército, de maioria fidalga. A primeira lição do recruta recém-incorporado era aprender como tratar à oficialidade: “Vossa Reverência”, “Vossa Excelência” e “Vossa Magnificência”, para oficiais agraciados com títulos de nobreza.

Não bastava apenas a continência para saudar os coronéis e generais: era preciso parar e se pôr de lado, em posição de sentido, à espera da passagem do superior, para, então, desfazer a mesura. O soldado era ainda obrigado a responder às ordens usando frases padronizadas: “Absolutamente, Vossa Referência”, “Feliz em servi-lo, Vossa Excelência”. Qualquer improviso era punido com soco no rosto, coronhada na boca e até chibatadas. Mesmo de folga, as praças eram privadas de direitos mínimos: não podiam fumar publicamente, frequentar restaurantes e teatros, andar de bonde ou ocupar vagões ferroviários de primeira e de segunda classe. Nos parques das cidades havia uma tabuleta: “Proibida à entrada de cães e soldados”.

O comportamento arrogante e discriminatório da oficialidade alimentou o ressentimento. Com a piora da situação material no exército, na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) a oposição contra o velho regime imperial firmou-se. Desejosa de conquistar dignidade e cidadania, a soldadesca se debandou para os lados da revolução, que tomou o poder em 24 de outubro de 1917, liderados por Vladimir Ilitch Ulianov (Lenin) e Lev Bronstein (Trotski). Estabelecido o primeiro Estado socialista do mundo, os camponeses formaram um regime de governo revanchista, com expurgos e execuções sumárias de seus opositores.
               
No início, a meta dos líderes bolcheviques era criar um governo provisório de liberais e socialistas moderados para pôr ordem na casa e convocar eleições. Contudo, liderados por Lenin, os marxistas conquistaram a supremacia nos sovietes (conselhos populares formados por camponeses, operários e soldados), destituíram o governo provisório e conduziram a revolução pela trilha da vaidade, da vingança e da ganância.

Simbolizado pela foice e o martelo em fundo vermelho, encimado com o lema de Karl Marx e Friedrich Engels, os pais do comunismo, o novo regime de governo foi promovido no mundo ocidental, atraiu legiões de admiradores nos países capitalistas e inspirou novas versões de governos ditatoriais.

A corrupção chegou à revolução russa. Em setembro de 1919, Lenin recebeu relatório do chefe de uma seção de trabalhadores denunciando que o dinheiro dos cofres do Soviete de Petrogrado (São Petersburgo) fluía para o bolso de líderes revolucionários. O Departamento de Provisões não enviava alimentos para os operários distritais, ao passo que camaradas privilegiados retiravam os suprimentos dos estoques. Naquela altura, agentes públicos do Estado tinham negociado a despensa pública no mercado negro.

Stalin, que organizara greves e manifestações nos portões das fábricas de Baku, no Azerbaijão, era o Comissário do Povo para Controle Estatal. Lenin pediu-lhe que investigasse o fato denunciado em segredo, sem dar conhecimento ao Departamento de Provisões. Stalin se recusou a “espionar camaradas”, alegando que isto minaria o partido. Os vínculos correligionários e a sobrevivência da legenda eram mais importantes do que qualquer indício de abuso de poder. Filiar-se ao partido significava obter preferência na nomeação para cargos burocráticos, status e regalias e garantia de acesso a um quinhão do Estado.

A farra com o dinheiro público diminuiu. Mas os bolcheviques continuaram a receber os melhores salários; ajuda de alimentação; moradia subsidiada em apartamentos e hotéis; facilidades em lojas e hospitais; acesso a vagões com calefação, viagens ferroviárias de primeira classe e férias no exterior (de preferência, no mundo capitalista); e outras regalias.

Milhares de filiados ao partido e suas respectivas famílias viviam à custa do Kremlin em luxuosos hotéis no centro de Moscou, cujas acomodações ofereciam aos privilegiados residentes um luxuoso centro comercial com berçários, sauna, salão de beleza, hospital e restaurantes com cozinha comandada por chefs com estágio na França. O orçamento do Kremlin era mais pródigo com os bolcheviques do que o destinado à população em geral. A prática fez escola no Ocidente, sobretudo em países do Terceiro Mundo.
 
Corrupção versus democracia
 
Para os especialistas no assunto, o Estado que cria e mantém uma máquina pública administrativa gigantesca e exerce ao mesmo tempo atividades exclusivamente privadas, projeta as condições favoráveis à corrupção. Quando os políticos e governantes de uma nação são de baixa qualidade, isto torna aquelas condições mais propícias ainda à desonestidade. O saudoso senador amazonense Jefferson Peres dizia que parte da classe política brasileira acostumou-se a misturar o público com o privado, e se aliou a banda podre do empresariado que vive dos favores do Estado.

O fato é que o número de políticos, empresários e agentes públicos acusados de corrupção no Brasil é assustador. O surpreendente é que, mesmo diante de provas cabais, os corruptos negam ou tentam confundir a autoria do crime, articulam intrigas, falácias e injustiças contra os defensores da moralidade ou se dizem vítimas de perseguição política.

Certa vez, um presidente da República do regime militar, decepcionado com a baixa qualidade política no país, rompeu em desabafo e declarou que, para expurgar a corrupção, era preciso reconstruir o país do zero. Exageros à parte, na verdade o Estado brasileiro conserva instrumentos que, mal fiscalizados, contribuem para fomentar a corrupção. O Congresso se apegou à normas que geram benesses e deixam largas brechas à corrupção.

Segundo um ex-prefeito de cidade do interior paulista, os recursos originários de Emendas ao Orçamento Geral da União, aprovadas todo ano para beneficiar projetos sociais em comunidades eleitorais de seus autores, acaba semeando a corrupção no interior do país. Os agentes públicos que participam desses negócios espúrios driblam a responsabilidade fiscal. Com a meta de desviar os recursos, lançam licitações públicas e, através de empresas fantasmas, não aprontam as obras ou serviços contratados. Decepcionado com a desonestidade no poder público, o prefeito ouvido abandonou a política e voltou a dar aulas na faculdade.

Quase dois séculos se passaram desde que o Brasil se livrou das amarras de Portugal. Entre as mazelas sociais mais evidentes deixadas pelos colonizadores destacam-se a corrupção e a falta de higiene pública – um triste retrato de Lisboa do distante passado, onde a população atirava nas ruas todo tipo de lixo, inclusive necessidades fisiológicas.

A corrupção é uma praga que afeta negativamente a opinião pública sobre o valor da democracia. A política, por sua vez, é fundamental no estabelecimento dos parâmetros da boa governança. As mazelas sociais no Brasil são muitas; a corrupção é seguramente a principal. Para erradicá-las cabe unicamente ao eleitor cuidar bem do voto e eleger agentes públicos sérios e competentes, comprometidos com a ética, a honestidade, a transparência e o bem comum, preservando assim o Estado Democrático de Direito.
 

 
 

 

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