Califado de grupo islâmico é avanço perigoso, diz analista

Charlie Cooper*
Fundação Quilliam
 

A declaração feita pelo grupo militante Estado Islâmico no Iraque e no Levante (Isis, na sigla em inglês) de que havia formado um califado, ou Estado Islâmico, poder ter dado início a uma nova era de jihadismo internacional.

Na segunda-feira, o grupo havia anunciado que o esse Estado Islâmico se estenderia de Aleppo, no norte sírio, até a província de Diyala, no leste iraquiano, e que ele seria governado por um único líder político e religioso.

O anúncio tem grandes implicações teológicas, ideológicas e políticas para a comunidade internacional e grupos jihadistas opositores.

Na história islâmica, o califado é visto como uma simples liderança que facilitava a prática da religião. O califa também era um líder político que comandava um império e era visto como sucessor do profeta Maomé.

Historicamente, o califa era visto como um líder de muçulmanos pelo mundo, de quem fidelidade e lealdade eram esperados. Este modelo político foi abandonado no início do século 20 e substituído pela noção moderna de Estado-nação.

O califado com o líder do Isis, Abu Bakr al-Baghdadi, no comando, no entanto, é bem diferente dos outros. Seu anúncio será rejeitado por quase todos os muçulmanos, que não querem, a nenhum custo, um grupo jihadista para representá-los.

A declaração será repudiada por muçulmanos de todas as classes, mesmo entre os que acreditam no conceito de "khilafa" (califado).

No entanto, isto não muda a situação para aqueles vivendo sob o mando de Baghdadi.

Tolerância zero

Na nova sede do califado, a cidade síria de Raqqa, como no resto do território controlado pelo Isis, a terra deve ser administrada por uma interpretação medieval e literal da Sharia (lei muçulmana), segundo a qual o tabagismo é punido com chibatadas, ladrões podem ser condenados a amputações e opositores são sumariamente executados.

À luz disto, é um pouco surpreendente que, na esteira do anúncio, a popularidade do Isis num nível local parece ter sido fortalecida.

Como as celebrações em Falluja mostram, por exemplo, há muitas pessoas que receberam esta notícia com alegria.

Se, no entanto, você não for um muçulmano sunita predisposto à visão de mundo binário de Baghdadi, esta é uma notícia extremamente preocupante.

O Isis não tem tolerância para o que considera ser dissidência, como visto no massacre de soldados iraquianos em junho e supostas crucificações de rebeldes sírios moderados.

Indo além do território do Isis, no entanto, países vizinhos como Jordânia e Arábia Saudita certamente estão extremamente preocupados com estes avanços.

O restabelecimento do califado provavelmente só abastecerá o apoio à marca de jihadismo do Isis já presente nestes países.

Durante meses, houve evidência crescente de que o culto à personalidade de Baghdadi se espalhou para países vizinhos; agora, vai avançar ainda mais.

'Porta-bandeira do jihadismo'

Embora as preocupações de Baghdadi possam parecer localizadas, seus objetivos de longo prazo certamente não são.

Após ter reivindicado o califado, o líder colocou-se efetivamente como o porta-bandeira do jihadismo em todo o mundo.

Isto significa que a possibilidade de um ataque do Isis contra qualquer alvo ocidental – numa tentativa de empurrar a Al-Qaeda a uma posição de irrelevância mundial – não seria exagero.

O fator Al-Qaeda é de interesse particular.

A rivalidade entre Baghdadi e o chefe da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri, tem profundas implicações, levando consigo o risco de que um ou outro grupo poderá tentar se sobrepor ao outro com um ataque ao Ocidente.

Assim, entre as muitas questões que a declaração levanta, a reação da Al-Qaeda é certamente uma das mais reveladoras.

Apesar de ser improvável que veremos milhares de soldados jihadistas se alistando para a causa de Baghdadi, é certeza que um número pequeno irá fazê-lo, sem mencionar os extremistas indecisos sobre qual grupo apoiar.

Afinal, lutar por um califado é muito mais emocionante na perspectiva para futuros jihadistas do que lutar por alguém com uma força cada vez menor, como a de Zawahiri, da Al-Qaeda.

Aposta do Isis

No entanto, anunciar que o califado foi restabelecido é uma grande aposta e, daqui em diante, os resultado para o Isis são totalmente incertos.

Simpatizantes da Al-Qaeda e outros extremistas podem aprofundar ódio que têm por Baghdadi por causa de sua exigência de fidelidade. Da mesma forma, porém, o anúncio poderá inspirar deserções de grupos jihadistas, atraídos pela visão de mundo milenar de Baghdadi.

Como um analista notou, há evidências deste último efeito na atividade recente da Al-Qaeda na Península Arábica.

Então, a situação no Iraque continua volátil, em meio a tentativas do Exército iraquiano de um contra-ataque para retomar o controle da cidade de Tikrit.

Muita coisa norteia a ofensiva do Exército: se continuar desse jeito e conseguir expulsar o Isis de Tikrit, a legitimidade de Baghdadi sofrerá um grande golpe.

Se, no entanto, o grupo se mantiver firme, apesar da colaboração internacional aos militares iraquianos, sairá fortalecido e virá crescer seu apoio global.

* Charlie Cooper é um pesquisador sobre Oriente Médio na Fundação Quilliam, think tank baseado em Londres.

 

 

 

 

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