Gesto de Trump abre porta, mas ganhos dependem do que Brasil fará com isso, diz professor

Ao comunicar ao Congresso americano sua intenção de tornar o Brasil um aliado extra-Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, abre uma porta para intensificar a parceria com o Brasil. No entanto, a concretização dessa aliança vai depender das ações que os dois governos tomarão daqui para frente.

A análise é do professor adjunto de Relações Internacionais na Fundação Getulio Vargas (FGV) Oliver Stuenkel. Para ele, o comunicado de Trump tem um peso simbólico importante, por mostrar que os países são parceiros na cooperação internacional, sobretudo na área de segurança. Mas vantagens concretas, como a possibilidade de empresas brasileiras participarem de licitações no Pentágono, por exemplo, viriam depois que o governo brasileiro provasse sua capacidade de servir aos interesses americanos na América Latina – o que pode não acontecer.

"Por si só ainda não quer dizer muita coisa, depende do que as administrações vão fazer com isso", diz. "Estou sentindo ali um 'vamos ver o que o cara consegue dar para gente'", afirma o pesquisador, que estuda a política externa do Brasil.

Em uma mensagem ao Congresso, Trump afirmou que a medida se dá em reconhecimento aos "recentes compromissos do governo do Brasil de aumentar a cooperação em defesa com os Estados Unidos" e "ao nosso próprio interesse nacional em aprofundar nossa coordenação de defesa com o Brasil".

A legislação americana estabelece que um comunicado desse tipo deve ser feito ao Congresso 30 dias antes da designação formal por parte do presidente dos EUA.

Ao se tornar um grande aliado extra-Otan, o Brasil poderia ter acesso a vantagens como assistência militar, transferência de tecnologia e participação em projetos de pesquisa e desenvolvimento de defesa. O novo status, porém, não significaria um compromisso de segurança mútua, com ocorre com os países-membros.

Stuenkel cita esses possíveis ganhos como uma mostra de confiança dos Estados Unidos no Brasil.

"A participação de empresas brasileiras nas licitações do Pentágono, por exemplo, estabelece uma parceria no âmbito de segurança. É um sinal de confiança porque você compra armamentos de quem confia. [A medida] é positiva do ponto de vista econômico, além de favorecer a cooperação militar. Quando o Pentágono se desfaz de equipamentos os dá de graça ou os vende a preços reduzidos aos países que são aliados fora da Otan."

Mas essas vantagens, continua o professor, não fazem parte de um tratado e podem ser alteradas a qualquer momento. A cada licitação, o Pentágono seleciona os países que participarão das negociações.

Por isso, ele diz que para ter ganhos reais na relação com os americanos, o presidente Jair Bolsonaro precisa contar com uma administração pós-Trump interessada em se aproximar de seu governo, além de mostrar que consegue servir aos interesses dos EUA na América Latina, como um parceiro fiel.

"O que os EUA querem de outros países? Que atendam suas demandas no ambito geopolítico. Por exemplo, na América Latina, os EUA desejam limitar a influência chinesa no comércio e resolver o drama venezuelano. Se o governo brasileiro mostrar que é capaz de defender essas demandas, a parceria pode se desenvolver num âmbito importante e dar muito ao país. Mas acho pouco provável."

Stuenkel considera que o governo brasileiro não tem as condições nem a capacidade política ou econômica de realizar os planos de Trump. No caso da Venezuela, porque o vice-presidente Hamilton Mourão, membros do Exército e até o deputado Carlos Bolsonaro, que é presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, se manifestaram contra uma intervenção militar no país.

Em fevereiro, Mourão declarou que o Brasil não considerava a abertura de sua fronteira com a Venezuela para a passagem de forças militares americanas e defendeu, como uma solução pacífica, o exílio de Nicolás Maduro.

Para o segundo tópico, o professor cita a dependência do comércio brasileiro da China. Entre janeiro e abril de 2019, 26,8% do total de exportações do Brasil foram destinados a China, que também lidera o ranking de importações, de acordo com dados oficiais.

Ao participar da Brazil Conference, evento organizado pela Universidade Harvard e pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Boston, Mourão disse em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo que o Brasil não encara os chineses como uma ameaça estratégica, mas como parceiros importantes.

 

"Na prática, o que vai acontecer?", questiona o professor. "Não muito. As duas coisas que estão pedindo o Brasil não vai entregar."

Ele cita o exemplo da Argentina, que se tornou um aliado extra-Otan em 1998, e hoje não recebe grandes vantagens dos EUA.

Além da Argentina, diversos países já obtiveram esse status, a exemplo de Egito e Japão.

"O apoio explícito dos EUA para entrar na OCDE vale muito mais, porque uma vez dentro da OCDE, você não sai. Enquanto que, se vencer o [Joe] Biden em 2020, um candidato que não quer se aproximar do Brasil, [a medida] não faz diferença."

Se, contra todas as dificuldades, o Brasil conseguir cumprir os interesses locais dos EUA, ele prevê que o país ganhe influência em Washignton, onde ainda é visto como um player secundário.

Apoio para entrada brasileira na OCDE

Os EUA também reforçaram nesta quarta-feira o apoio do país à entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Em mensagem postada no Twitter, Kimberly Breier, funcionária do alto escalão da Secretaria de Estado dos EUA, afirmou que os "EUA apoiam a iniciativa do Brasil de se tornar membro pleno da OCDE" e defendeu mudanças estruturais no país para se alinhar aos padrões da organização, como reformas econômicas e sistemas regulatórios.

O comunicado surge no dia seguinte a uma reunião da OCDE, na qual os EUA não deu apoio à entrada de novos membros.

Hoje, além do Brasil, cinco países aguardam uma decisão sobre pedidos de adesão à OCDE: Argentina, Peru, Croácia, Bulgária e Romênia. O Brasil foi o último a solicitar o ingresso.

Segundo reportagem do jornal Valor Econômico, o corpo diplomático brasileiro esperava uma sinalização positiva dos EUA ao pleito do Brasil, mas os EUA mantiveram o impasse sobre a ampliação da OCDE, argumentando que isso deveria ocorrer em meio a sua modernização. Não foram dados detalhes, porém, do que seriam essas mudanças.

 

Artigo Relacionado:

 

BR-US: TRUMP formaliza intenção de tornar BRASIL aliado extra-OTAN [Link]

 

 

 

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, notificou o Congresso norte-americano sobre sua intenção de tornar o Brasil um aliado prioritário extra OTAN, sigla para Organização do Tratado do Atlântico Norte.

Por meio de nota, o republicano afirmou "Estou tomando essa medida para reconhecer o recente comprometimento do Brasil em aumentar a cooperação militar com os Estados Unidos, e em reconhecimento do nosso próprio interesse nacional em intensificar nossa coordenação militar com o Brasil".

Caso a decisão seja confirmada, o Brasil entra para o grupo, que hoje contém 17 países, entre eles Israel, Alemanha e Argentina, o único sul-americano a integrar a lista. Assim, o Brasil poderá ter acesso a vários tipos de cooperação militar e a transferências de tecnologia com os EUA. 

A classificação como aliado também permite que o Brasil tenha acesso preferencial à compra de equipamentos militares norte-americanos, com isenções dentro da Lei de Exportação de Armas que rege a venda desses produtos sensíveis.

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