Embraer transfere pessoal de defesa para os jatos comerciais

Virgínia Silveira

Para preservar a mão de obra qualificada de suas equipes da área de defesa, que precisou reduzir o ritmo dos projetos como o do cargueiro militar KC-390, a Embraer está remanejando alguns profissionais para o programa do jato comercial E-2, que está a pleno vapor.

A queda de 16,5% na receita da área de defesa afetou os resultados financeiros da empresa no segundo trimestre. Com o atraso no repasse de recursos, a certificação do KC-390, que sempre foi considerado um projeto prioritário para o governo, foi adiada em um ano e as primeiras entregas, antes previstas para 2016, só vão acontecer no primeiro semestre de 2018.

Apesar das dificuldades nas questões financeiras, os investimentos na formação e aperfeiçoamento dos profissionais têm sido mantidos, segundo a empresa. Em 2014, a Embraer destinou R$ 15 milhões em programas de qualificação e desenvolvimento profissional.

Nos últimos dez anos a fabricante brasileira também investiu R$ 5 milhões nos dois principais programas de treinamento de engenheiros e projetistas aeronáuticos da companhia. Com mais de 1300 engenheiros formados, o Programa de Especialização em Engenharia (PEE), realizado em parceria com o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), atrai todos os  anos 60 candidatos por vaga.

Mais recente, o Programa de Projetista Embraer (PPE) capacitou e contratou 124 profissionais para atender ao aumento da demanda de novos projetos da empresa em todas as áreas, como o KC-390, os jatos E2 e os executivos Legacy 450 e 500, informou a diretora de Desenvolvimento de Pessoas da Embraer, Daniela Sena.

"Com 60 engenheiros formados por ano em nível de mestrado, o PEE alimenta a cadeia de desenvolvimento de engenharia da Embraer. No caso dos projetistas, não existe formação no Brasil. No PPE nós customizamos o treinamento para as nossas necessidades", explica a diretora.

Selecionada pelo PPE em 2013, a projetista aeronáutica Naiara Rose dos Santos trabalha hoje no projeto dos sistemas elétricos dos jatos E2. "O curso PPE me preparou para trabalhar no projeto, mas continuo fazendo outros cursos oferecidos pela empresa e desta forma me especializar ainda mais para o desenvolvimento de novos programas", afirmou. Incentivada pela empresa, Naiara começou a cursar engenharia mecânica e acaba de concluir um curso de inglês fora do país.
 

Fabricantes demitem e país perde especialistas

Depois de investir em mão de obra, inclusive com treinamentos e especialização no exterior, o setor aeroespacial e de defesa no Brasil está demitindo para fazer frente ao corte de investimentos do governo. Além do custo da demissão, essas pessoas levam boa parte do conhecimento das empresas. Segundo dados da AIAB (Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil), o setor aeroespacial e defesa emprega hoje 24 mil pessoas, sendo que a maior parte, cerca de 19 mil pessoas, trabalha na Embraer. Mas a área espacial é a mais atingida.

A falta de novos projetos e contratos, além da restrição orçamentária, ameaça a sobrevivência dessas empresas e de suas equipes. A produção da área espacial da Mectron, empresa controlada pela Odebrecht Defesa e Tecnologia e responsável pelo desenvolvimento de mísseis, torpedos, radares e sistemas espaciais, foi fechada no primeiro semestre e 32  pessoas foram demitidas. Os cinco funcionários que ficaram, de nível gerencial, estão tocando alguns projetos ainda em andamento, segundo o presidente da Odebrecht Defesa, André Amaro. No total, a Mectron tinha 500 funcionários no começo do ano e agora tem 360.

Formado em engenharia eletrônica pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) Arnaldo Wowk, com quase 40 anos de experiência no setor de defesa e espaço, foi um dos profissionais demitidos da Mectron. Com passagem pela Embraer e especialização na Agência Espacial Francesa (CNES), Wowk disse que está desiludido e teme pelo futuro dos projetos queainda estão em andamento na área espacial.

"Perdemos a capacitação técnica que permitia dar continuidade a projetos como o do foguete VLS. O contrato das redes elétricas do foguete, que teve 70% do seu desenvolvimento feito pela Mectron, será transferido para o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE). Ele, no entanto, não tem corpo técnico para terminar os trabalhos", afirmou.

A Opto Eletrônica, de São Carlos, atualmente em processo de recuperação judicial, também dispensou suas equipes técnicas ao reduzir de 85 para apenas 18 o núcleo de engenheiros e técnicos que atuavam na área de optrônica (único núcleo no Brasil).

Foi com este grupo que a empresa desenvolveu a câmera de alta resolução do satélite Brasil-China (considerado um marco para o programa espacial brasileiro) e o projeto do míssil A-Darter, feito com a África do Sul. Segundo o diretor de pesquisa e desenvolvimento da Opto, Mário Stefani, 40% dos profissionais que saíram da empresa foram trabalhar em universidades e 20% estão sendo absorvidos por empresas e universidades estrangeiras.

Para formar um doutor em óptica, segundo Stefani, o tempo médio pode chegar a 17 anos. A Opto Eletrônica investiu inclusive na formação complementar de vários dos seus profissionais em universidades fora do Brasil.

"Pessoas com nível de qualificação sênior se movem pelo desafio. Quando não vêm perspectiva ficam desmotivadas", afirma. Por serem muito qualificados, explica o executivo, esses profissionais dificilmente ficam desempregados, mas os projetos estratégicos do país acabam não tendo continuidade porque as equipes se dispersam.

Uma das principais cientistas à frente do desenvolvimento da câmera espacial da Opto, a física Érica Gabriela de Carvalho, de 38 anos, atualmente é professora de física no ensino médio de uma escola privada de São Paulo e dá aula cálculo e física na Universidade de São Paulo (USP).

Com mestrado em óptica e especialização na International Society for Optics and Photonics (Spie) e um curso de formação complementar em software de desenho óptico na Zemax, dos Estados Unidos, Érica conta que decidiu deixar a área espacial e de defesa, após ser demitida, porque não via nenhuma perspectiva de poder aplicar seu conhecimento em outra empresa ou instituição.

"O Brasil fez um investimento muito alto para o desenvolvimento da tecnologia das câmeras de alta resolução no país. A primeira opção era comprar isso fora, como aconteceu nos dois primeiros satélites feitos com a China", diz. Para a cientista, o país perdeu a oportunidade de continuar evoluindo na aplicação desse conhecimento para o desenvolvimento de outros tipos de câmeras e equipamentos ópticos avançados.

A Orbital, especializada no desenvolvimento de painéis solares para satélites, reduziu em 50% o número de funcionários, dos quais 80% altamente qualificados, e hoje tem 21 funcionários. Parte dessa redução ocorreu por demissão e parte por falta de motivação. "A maior parte das pessoas saiu porque perdeu a motivação e por isso decidiu trabalhar em outro setor menos demandante de tecnologia", afirmou o presidente da empresa, Célio Vaz.

Na Helibras a saída para manter os profissionais foi exportar serviços de engenharia para o grupo Airbus Helicopters. Considerado o quarto pilar de engenharia da matriz, junto com a França, Alemanha e Espanha, a Helibras no Brasil estava sendo capacitada para projetar um helicóptero totalmente nacional num prazo de cinco anos, mas com a crise o projeto foi adiado.

O centro de engenharia da empresa em Itajubá conta hoje com 73 especialistas. A empresa começou com sete pessoas em 2009. "Alguns aderiram ao plano de demissões voluntárias, mas as competências técnicas mais importantes e estratégicas para o grupo nós estamos conseguindo manter", afirma Walter Filho, diretor do centro de engenharia da Helibras.

A estratégia para segurar essa mão de obra, segundo Filho, envolve além da venda de serviços internacionais para as filiais da Airbus Helicopters no mundo, o desenvolvimento de soluções diferenciadas que melhorem a competitividade dos produtos da marca no mercado brasileiro e também na América Latina. "Um exemplo recente é o interior vip do helicópopters no mundo, o desenvolvimento de soluções diferenciadas que melhorem a competitividade dos produtos da marca no mercado brasileiro e também na América Latina. "Um exemplo recente é o interior vip do helicóptero H130, que foi inteiramente feito pela Helibras no Brasil. O produto tem potencial para ser exportado para outros países da região", disse.

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