Bombardier tropeça em plano de ser líder na produção de jatos comerciais

Jon Ostrower E Paul Vieira

Logo depois de se tornar diretor-presidente da Bombardier Inc. em 2008, Pierre Beaudoin apostou o futuro da empresa fundada por seu avô em um par de jatos de passageiros para concorrer com os fabricados por dois titãs do setor aeroespacial global.

Por muito tempo, a Bombardier produziu aviões pequenos voltados para indivíduos endinheirados, empresas e linhas aéreas regionais. Os aviões CSeries tecnologicamente mais avançados e mais eficientes no consumo de combustível seriam os primeiros jatos da empresa com capacidade para bem mais de 100 passageiros, com a meta de abocanhar uma fatia do mercado hoje dominado pela Boeing Co. e pela Airbus Group NV.

Mas mais de seis anos depois que a Bombardier aceitou os primeiros pedidos de aviões CSeries, Beaudoin está reestruturando a empresa e reassumindo o controle do projeto para evitar que ele se transforme em uma dor de cabeça de bilhões de dólares.

Uma série de erros afetou o projeto, começando por problemas de desenvolvimento que atrasaram em quase dois anos a entrega do primeiro modelo, prometida para o fim de 2013. E continuou com problemas no desenvolvimento do software e uma grande falha mecânica em maio de 2014 que adiou os testes de voo por 100 dias. Para elevar a tensão, a Bombardier anunciou na quinta-feira a saída de Raymond Jones, diretor sênior de vendas globais, marketing e administração de ativos do setor de aviões comerciais, por motivos pessoais. O substituto não foi divulgado. Jones não respondeu a pedidos de comentário.

O custo do CSeries disparou, e a companhia aérea sueca escolhida como a primeira operadora dos aviões CSeries rejeitou a oferta em agosto – o segundo cliente a desistir. A Bombardier informou que tem o lançamento assegurado por outra aérea embora não tenha informado seu nome.

Ao mesmo tempo, a Airbus e a Boeing, assim como a brasileira Embraer SA, acirraram a competição pelo amplo mercado de aviões de corredor único – jatos de 100 a 240 assentos – onde o CSeries pretende competir. Os outros fabricantes atualizaram modelos existentes para oferecer mais eficiência de combustível – o que reduz os custos de operação de aviões por assento – ao mesmo tempo que reduziram agressivamente os preços de venda. Isso, combinado com outras economias para as empresas aéreas geradas por mudanças incrementais na frota, fez com que a eficiência do custo dos novos jatos da Bombardier fosse afetada.

Em entrevista ao The Wall Street Journal, o executivo de 52 anos disse que está confiante que os esforços darão resultados. Uma grande reestruturação anunciada em julho cortou toda uma camada de gerentes sêniores na unidade aeroespacial e deu a Beaudoin um papel muito mais operacional, que ele diz ser necessário para controlar os grandes investimentos feitos pela empresa. Depois de mais de seis anos de marketing agressivo, a Bombardier atingiu cerca de 80% da meta de 300 pedidos que ela espera ter até a data planejada de entrega do avião.

Analistas dizem que Beaudoin tem pouca margem para erros. "Este é um momento realmente crucial para o CSeries", diz Jerrold T. Lundquist, ex-diretor da divisão aeroespacial e de defesa da McKinsey & Co. que hoje dirige sua própria consultoria, a Lundquist Group. Se ele não conseguir mais pedidos em breve e não entregar o CSeries no prazo, a Bombardier ficará sobrecarregada durante muitos anos com um projeto que terá pouco ou nenhum lucro, diz ele. "A decisão de lançar um avião […] para competir diretamente com a Boeing e a Airbus foi muito arriscada, e acho que eles estão pagando o preço agora."

A Bombardier, seus fornecedores e os governos do Canadá e Reino Unido, onde as asas são construídas, estão no caminho de injetar pelo menos US$ 4,4 bilhões no projeto CSeries – bem acima do orçamento original de US$ 3,4 bilhões e quase 65% do valor de mercado da Bombardier.

As vendas da divisão aeroespacial da Bombardier subiram recentemente, mas a receita em 2013 ainda ficou praticamente no mesmo nível de cinco anos antes, em US$ 9,39 bilhões, enquanto o lucro antes dos juros e impostos caiu mais de 53% no período, para US$418 milhões. Os resultados de 2014 saem em fevereiro.

Beaudoin se tornou diretor-presidente em 2008, substituindo seu pai, Laurent, que ainda é presidente do conselho de administração. Logo depois, a Bombardier anunciou o primeiro pedido para o CSeries, e o conselho aprovou sua produção. Beaudoin disse na época que os aviões "revolucionariam o aspecto financeiro e as estratégias de rede das operadoras de aviação comercial de jatos de 100 a 149 lugares".

De certa forma, o CSeries já reformatou o setor. Os jatos foram projetados para ser 20% mais eficientes no consumo de combustível que outros do mesmo tamanho, em parte graças a um novo motor da unidade Pratt & Whitney, da United Technologies Corp., além de mais silenciosos e menos poluentes. Com até 125 lugares para o modelo menor CS100 e até 160 para o CS300, e cujos preços de catálogo vão de US$ 63,4 milhões a US$ 72,4 milhões cada, os aviões concorreriam com as versões menos eficientes e menores do 737 da Boeing e do A320 da Airbus.

Alarmados com o CSeries, os concorrentes da Bombardier logo agiram – o que resultou em um recorde de vendas. Em dezembro de 2010, a Airbus lançou a linha A320neo – três jatos de um corredor, de 124 a 240 lugares – reduzindo o consumo de combustível em 15% ou mais ante as versões anteriores e com a primeira entrega programada para novembro.

A Boeing lançou a linha 737 Max em agosto de 2011 – três aviões com 126 a 215 lugares – para ser entregue em 2017, também prometendo economia de combustível. A Embraer decidiu, em junho de 2013, trocar as asas, motores e criar um corpo mais longo para seus aviões regionais a serem entregues em 2018, embora ela não desafie diretamente a Boeing e a Airbus. Tanto a Airbus quanto a Embraer usaram o mesmo motor Pratt utilizado no CSeries.

A Boeing e a Airbus reduziram os preços de seus modelos atualizados, afetando ainda mais a fórmula da Bombardier porque seus aviões maiores dividem o custo com combustível e outros custos operacionais por mais assentos. Além disso, os jatos maiores são atraentes já que as aéreas, mesmo de mercados menores, preferem operar com aviões maiores e mais passageiros, do que criar mais voos em eixos já lotados.

As empresas aéreas regionais acabaram comprando os aviões atualizados da Airbus e Boeing, reduzindo muito o mercado potencial para a nova linha da Bombardier. A Airbus tem mais de 3.400 pedidos para a família A320neo, e a Boeing tem outros 2.600 para sua linha 737 Max. "Grande parte do mercado já foi tomada", diz Turan Quettawala, analista da Scotia Capital Inc. Ele estimou em setembro que cerca de 75% do mercado de aviões de corredor único para os próximos 10 anos já foram vendidos pela Airbus, Boeing e Embraer.

De qualquer forma, a Bombardier acredita que seus piores dias já passaram. A frota de teste do CS100 está no ar novamente, já tendo voado mais de 750 das 2400 horas necessárias para o novo avião ser certificado depois que a Pratt solucionou a falha no sistema de óleo do motor. Os problemas de software também foram resolvidos, e os aviões que estão no ar são uma versão representativa do que os pilotos das companhias áreas receberão. E o primeiro CS300 já está quase pronto para os voos de teste.

Beaudoin está convencido de que o investimento valerá a pena e diz que o foco hoje é concluir a certificação do jato. "Estou muito confiante de que o mercado vai estar lá", quando os CSeries ficarem prontos, disse. "Gostaria de acreditar que não é uma aposta, acho que fizemos o que precisava ser feito."

(Colaborou Alistair MacDonald.)

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