O Brasil está mudando de posição sobre a Venezuela?

Após insistir durante anos em um comportamento que variava entre a neutralidade e o apoio velado, o governo brasileiro parece estar começando a adotar um tom mais duro em relação ao governo chavista da Venezuela.

Em nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores na terça-feira (05/10), o Brasil advertiu que o presidente Nicolás Maduro deve respeitar o resultado das eleições parlamentares venezuelanas que ocorreram em dezembro, na qual a oposição conquistou maioria na Assembleia Nacional.

"Não há lugar, na América do Sul do século 21, para soluções políticas fora da institucionalidade e do mais absoluto respeito à democracia e ao Estado de Direito", disse o governo brasileiro na nota.

O documento foi divulgado pouco depois da posse dos novos deputados, que foi marcada por momentos de tensão quando policiais tentaram impedir a entrada de um grupo de 20 parlamentares oposicionistas na Assembleia. Um dos deputados afirmou que foi agredido por um policial. A posse também ocorreu após o Judiciário venezuelano, controlado pelos chavistas, ter impugnado de maneira controversa a candidatura de três opositores – o que tirou a maioria de 2/3 da Assembleia que o bloco antichavista havia conquistado.

Na mesma nota, o governo brasileiro afirmou que “confia, igualmente, que serão preservadas e respeitadas as atribuições e prerrogativas constitucionais da nova Assembleia Nacional venezuelana e de seus membros, eleitos naquele pleito".

Para o professor de relações internacionais Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas, o tom da nota foi provavelmente o mais duro já emitido com relação ao governo da Venezuela. “No sentido diplomático, não se tem notícia até hoje de uma nota assim do governo brasileiro para Caracas”, afirma.

Maior pragmatismo

No fim de novembro, o governo brasileiro já havia divulgado uma nota comentando a morte de Luis Manuel Díaz, dirigente do partido Ação Democrática (AD), durante um comício eleitoral no Estado de Guárico.

A oposição venezuelana responsabilizou o governo pelo crime. À época, o Itamaraty afirmou que era “da responsabilidade das autoridades venezuelanas zelar” para que o processo eleitoral que (…) transcorresse de “forma limpa e pacífica”, mas encerrou o texto de maneira mais conciliadora do que na nota divulgada na terça-feira.

Em dezembro, no entanto, o governo Dilma Rousseff saudou as declarações de Maduro de que os chavistas iriam respeitar o resultado das urnas. Mas a posição brasileira foi posta à prova conforme o governo bolivariano começou a tomar medidas para sabotar o resultado do pleito, como o esvaziamento dos poderes da Assembleia por meio de decretos e o relançamento de um velho projeto de um Parlamento Comunal, que oposicionistas acusam de ser uma tentativa de criação de um poder paralelo.

Semanas depois, o Brasil, sob pressão do Paraguai e do Uruguai, concordou em incluir no documento da última reunião de cúpula do Mercosul uma proposta para a criação de uma comissão para monitoramento da questão dos direitos humanos no bloco. O plano desagradava à Venezuela, que já foi condenada seguidas vezes por violações em um órgão similar da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Para Oliver Stuenkel, os recentes acontecimentos na Venezuela devem provocar uma mudança na maneira com que o Brasil lida com Maduro: “O Brasil está endurecendo. Havia um alinhamento quase ideológico com a Venezuela, mas o Brasil também observa que tem muitos investimentos no país vizinho, e que as medidas de Maduro estão desestabilizando o Estado e que a situação pode resultar em alto risco de violência. O Brasil está passando a adotar uma posição mais pragmática.”

Custo político

Para Stuenkel, a posição brasileira de anuência em relação ao regime chavista também se complicou com a mudança de posicionamento da Argentina, que, após a eleição de Mauricio Macri para a Presidência, passou a criticar Maduro.

“O custo político de apoiar a Venezuela está ficando muito caro. Se a situação na Venezuela ficar mais violenta, a liderança regional do Brasil vai ser questionada e vista como um fracasso. O Brasil vai acabar ficando isolado na sua posição. O governo está começando a ver isso, e também avalia que é possível que numa eventual queda de Maduro tenha que lidar com os oposicionistas, que ainda se ressentem do apoio que o Brasil concedeu para Chávez e Maduro nos últimos anos”.

Já Thiago Gehre Galvão, professor-adjunto do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), afirma que a posição brasileira não deve se modificar num futuro tão próximo.

“O Brasil não vai ter uma posição mais contundente. O país vê a Venezuela como um parceiro estratégico. Não seria negócio criar atritos com o país vizinho. Mesmo a Argentina, apesar de ter adotado um tom mais duro, não está tomando medidas eficazes para isolar a Venezuela”, afirma. “É precipitado superinterpretar a nota do Itamaraty.”

O professor Pio Penna, também da UnB, é mais cauteloso ao avaliar se a posição brasileira vai permanecer a mesma ou vai se modificar. “A nota do Itamaraty sinaliza uma mudança, mas é melhor esperar se ela efetivamente vai se sustentar. Existem dois serviços diplomáticos no Brasil, o Itamaraty, que faz uma política voltada para o continente, e outro paralelo, coordenado pelo assessor Marco Aurélio Garcia, que funciona mais em termos de alinhamento ideológico. É difícil avaliar como esses dois vão se comportar, mas é um fato que o Brasil está sob pressão para se posicionar de maneira mais dura com relação à Venezuela. Eu prefiro ser cauteloso. Ainda é muito cedo”, opina.

Stuenkel, no entanto, acredita que a nota do Itamaraty é só um sinal do que está por vir. “Na última reunião de cúpula do Mercosul, a Argentina ameaçou invocar a cláusula democrática do bloco para punir a Venezuela por violações de direitos humanos, mas depois retrocedeu. Com as seguidas interferências de Maduro no resultado eleitoral, o assunto deverá voltar à pauta na próxima reunião. Se o governo venezuelano continuar agindo assim, o Brasil não terá escolha, a não ser apoiar uma eventual iniciativa argentina”, afirma.

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