MALVINAS – Buenos Aires perde a guerra diplomática

MALVINAS – Buenos Aires perde a guerra diplomática

 

Roberto Lopes

 

Às vésperas do início da exploração de petróleo no campo marítimo de Sea Lion, ao norte das Ilhas Malvinas – aguardado para 2015 –, por um grupo de companhias inglesas e americanas, o governo argentino vem perdendo apoio, na América do Sul, ao seu esforço de isolar os kelpers – ilhéus de nacionalidade britânica – e atrapalhar o empreendimento off-shore.

As duas decepções mais recentes da Casa Rosada (sede do Executivo argentino) foram com o governo do Uruguai e a Marinha do Brasil.

Na primeira metade de março, o encarregado de assuntos da América Latina e das Falklands (denominação que os ingleses dão ao arquipélago malvinense) do Foreign Office, ministro Hugo George William Swire, fez uma série de contatos com autoridades uruguaias.

Swire não é um funcionário qualquer. A seu cargo estão as políticas de relacionamento do Reino Unido com o Extremo Oriente, a Oceania e a Índia, além dos assuntos latino-americanos, e ainda assim, desde o início do ano passado, ele tem aberto sua agenda a uma intensificação dos contatos com dirigentes sul-americanos. Motivo: o desafio que se abre ao governo de Londres de garantir a segurança da exploração do petróleo malvinense.  

Hugo Swire começou suas démarches junto aos uruguaios com uma reunião a portas fechadas (no Chile, durante as festividades de posse da presidenta Michelle Bachelet) com o chefe da diplomacia oriental, Luis Almagro – a segunda conversa da dupla em menos de dez meses; depois, em Montevidéu, estendeu suas visitas ao ministro da Indústria, Energia e Mineração, Roberto Kreimerman, e ao vice-presidente da República, Danilo Astori. O presidente Pepe Mujica preferiu não recebe-lo, a fim de não irritar em demasia a irascível colega argentina Cristina Kirchner. A argumentação de Swire é simples: a economia uruguaia só tem a ganhar com os investimentos na economia das Falklands.

O outro desconforto da Casa Rosada é com a aproximação, cada vez mais estreita, entre as forças navais do Brasil e do Reino Unido.

Nos últimos dois anos, os comandantes das marinhas desses países empreenderam visitas recíprocas, no âmbito de uma pauta de entendimentos sugerida, ainda em 2012, por Londres: a que trata de maritime defense (defesa marítima) – assunto elevado à condição de item prioritário na agenda bilateral. Em conseqüência dele, as duas esquadras vêm intensificando o intercâmbio de informações e programando manobras conjuntas no mar. Mais importante: o ambiente favorável torna a indústria naval britânica forte candidata a fornecer ao menos parte da assessoria que, nos próximos dez anos, os almirantes brasileiros vão contratar no exterior para fabricar navios de guerra de superfície em estaleiros do Rio de Janeiro e do Ceará.

Essa disposição dos britânicos em cooperar com os chefes navais latino-americanos também está no cerne do processo de estreitamento de relações entre a Inglaterra e a Colômbia. O setor industrial naval colombiano necessita de capacitação tecnológica para desenvolver novos produtos, e os ingleses prometem amparar esse desenvolvimento.

O Chile foi o único país sul-americano que manteve uma neutralidade benévola em relação aos britânicos durante a guerra das Malvinas – de abril a junho de 1982 –, e agora que a União Europeia aceitou receber tropas chilenas em suas forças de imposição de paz (respaldadas pela Organização do Tratado do Atlântico Norte), essa relação, naturalmente, ganhou corpo.

Entre as principais economias sul-americanas passíveis de serem cooptadas pelos ingleses, apenas a peruana ainda não se interessou por uma aproximação com Londres.

Os militares peruanos apoiaram firmemente os colegas argentinos durante o conflito de 1982, e tem preferido guardar distância dos ingleses. A Marinha, por exemplo, optou por se aproximar da indústria naval sul-coreana – segmento que, ao lado da indústria naval chinesa, vem obtendo vendas crescentes entre as forças navais do Terceiro Mundo.

Em 2008, o plano do ex-presidente argentino Néstor Kirchner, de ajudar a formar uma entidade sul-americana capaz de respaldar politicamente a reivindicação argentina de soberania sobre as Malvinas, pareceu que tinha boas chances de dar certo. Nomeado para presidir os destinos da União das Nações do Sul (Unasul), criada em dezembro daquele ano, Kirchner logo manobrou de forma a que a sede da organização, prevista para funcionar na capital equatoriana, fosse transferida para a cosmopolita Buenos Aires.

Em 2011, com o apoio da colega brasileira Dilma Rousseff, a presidenta Cristina Kirchner e um grupo de estrategistas e militares argentinos apertaram o garrote sobre os kelpers. Eles conseguiram incluir na agenda de debates da Unasul uma recomendação adotada pela maior parte dos 12 governos membros da entidade: a proibição de que esses países acolhessem em seus portos embarcações que arvorassem o pavilhão das Falklands.

Os argentinos, é bom que se assinale, não estão para brincadeira. No fim do ano passado, eles conseguiram evitar que dois cruzeiros marítimos deixassem o litoral da Espanha em direção às Malvinas. Buenos Aires recorreu, para isso, a uma ameaça: se as embarcações repletas de alegres passageiros em férias ousassem empreender a viagem, seriam interceptadas e capturadas por navios de guerra argentinos. As companhias de turismo preferiram não arriscar.

Entretanto, menos de seis anos depois de o tratado constitutivo da Unasul ter sido assinado, Buenos Aires assiste, um após o outro, os principais países da América do Sul renovarem, por diferentes vias – econômicas e militares –, os seus vínculos com o Reino Unido. Aos argentinos resta a verborragia bolivariana do Equador, da Bolívia e da Venezuela que, no plano internacional, pouco – ou nada – acrescenta.

Entre todas as derrotas diplomáticas amealhadas por Buenos Aires, a que mais surpreende é a da aproximação entre o Uruguai e a Inglaterra.

Londres quer que o governo de Montevidéu autorize vôos entre a capital uruguaia e Port Stanley, a sede administrativa britânica das Malvinas. Atualmente, a única ligação aérea dos kelpers com o resto do mundo é um vôo que parte do sul do Chile. A rota pelo Uruguai facilitará o trânsito de funcionários das companhias petrolíferas e o transporte do material requerido pela busca de óleo em Sea Lion.

Mês passado, uma delegação de parlamentares uruguaios foi recebida com festa em Stanley. O senador – e ex-presidente da República – Luis Lacalle declarou: “Estamos de acordo em apoiar a República Argentina [em sua reivindicação de soberania sobre as Malvinas] mas não nos vamos privar, nem poderíamos faze-lo, do direito de comerciar com essa parte do mundo [Malvinas] que, entre outras coisas, nos tem como referência portuária mais próxima em um comércio [anual] que poderia chegar a US$ 300 milhões”.

Lacalle quer se referir ao beneficiamento da lã malvinense, um assunto que a indústria uruguaia conhece como nenhuma outra há mais de 80 anos. Além disso, os uruguaios poderiam exportar para os kelpers alimentos frescos (frutas, legumes e verduras), carne e derivados do leite.

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