Mundo pós 11/9 vive angústia entre a liberdade e a segurança

Texto – Moreno Osório*
Edição -Felipe Schroeder Franke

"A América e seus amigos e aliados estão com todos aqueles que querem paz e segurança no mundo. Nós estamos unidos para vencer a guerra contra o terrorismo." O discurso do então presidente norte-americano George W. Bush na noite do dia 11 de setembro de 2001 deu o tom do que aconteceria nos dez anos seguintes. Os Estados Unidos abriram duas frentes de batalha, forçando o resto do planeta a acompanhar a mais poderosa das nações. Não necessariamente com soldados, como fizeram os países que mandaram tropas para o Iraque e Afeganistão.

Trata-se de um quadro muito mais complexo. O que se seguiu àquele 11/9 levou o mundo a uma década de medo em que as mudanças ultrapassaram o campo da geopolítica. Na aurora do século XXI, a guerra contra o terrorismo iniciada por Bush afetou a nossa maneira de viver. Ao mesmo tempo em que experimentamos liberdades individuais, buscamos anular qualquer tipo de insegurança. O difícil equilíbrio entre esses dois opostos gera uma sensação de mal-estar que vem afetando todos os âmbitos da vida contemporânea, da economia globalizada à simples capacidade de conversar com um vizinho.

Peripécias de um "pluralismo razoável"
É a impossibilidade de colocar em prática o que o americano John Rawls chamou de "pluralismo razoável". Este princípio afirma que, desde que estejamos dispostos a enxergar o outro, "é perfeitamente possível concebermos uma coexistência pacífica entre visões totalmente diferentes e até incompatíveis entre si", diz o filósofo e diretor do Centro de Pesquisa em Democracia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Nythamar de Oliveira, explicando o conceito desenvolvido no livro O Direito dos Povos.

O problema é que, hoje, a hostilidade ao que é diferente cresce à medida que a capacidade de dialogar diminui. Em 2009, a Suíça baniu a construção de minaretes (pequenas torres de mesquita onde se anuncia aos muçulmanos a hora das orações). Em 2003, os Estados Unidos ignoraram as demais potências e passaram por cima das Nações Unidas para invadir o Iraque, em uma ação unilateral. Para ficar no exemplo americano, Bush utilizou a prerrogativa de proteger seus cidadãos da guerra contra o terror para agir. Em busca da paz, o ex-presidente americano foi à guerra. Quis impor os bons valores americanos que, segundo ele, estavam sendo ameaçados por invejosos.

Sem inimigo definido, a guerra sai de controle
O inimigo, no entanto, é abstrato. O que coloca o paradigma segurança versus liberdade em destaque. Caçar um inimigo que pode estar em qualquer lugar levou os Estados Unidos – e consequentemente o mundo inteiro – a rever os limites das liberdades individuais. "Toda ação é justificada com o objetivo de prevenir o terrorismo, e isto pode significar mais vigilância, seja tocando nossos corpos nos aeroportos, com escutas telefônicas ou mesmo se intrometendo em outros países. Inúmeras ações podem ser tomadas para prevenir o terrorismo", explica David L. Altheide, professor da Faculdade de Justiça e Pesquisa Social da Universidade do Arizona e autor de Terror Post 9/11 and the Media (Terror pós 11/9 e a Mídia, em tradução livre), entre outros livros sobre o tema.

Altheide diz que essa "cultura da vigilância" cresceu, e hoje é aceita como parte dos esforços para recrudescer a segurança e evitar riscos. Com a desconfiança em alta, a integração esmorece. Itália e França, por exemplo, querem restringir a livre circulação de pessoas dentro da União Europeia depois de enfrentarem casos polêmicos, como, respectivamente, a expulsão de ciganos romenos e a chegada de um grande fluxo de imigrantes africanos, principalmente líbios, em fuga dos conflitos da Primavera Árabe.

A estrutura abalada: economia em crise
Os movimentos populares iniciados com a autoimolação do tunisiano Mohamed Bouazizi, no final de 2010, podem servir para ilustrar os paradigmas do mundo pós 11 de setembro. Primeiro, se pensarmos nas causas. Para o cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) Maurício Santoro, os Estados Unidos erraram ao não pressionar os seus aliados à frente de governo ditatoriais a realizarem reformas que permitissem maiores liberdades a seus cidadãos. Ao mesmo tempo, o Banco Central americano, ao tentar aquecer a economia depois dos atentados, reduziu os juros. Indiretamente, diz Santoro, isso permitiu o surgimento de bolhas, como a imobiliária, principal causa da crise econômica de 2008.

Passados três anos, as grandes potências ainda não conseguiram se recuperar, afetando também nações mais frágeis. Sem emprego e vendo seus países falirem uns após o outro (Irlanda, Grécia, Portugal, para ficar nos casos mais sérios), os europeus fecham as portas para estrangeiros (que nunca foram bem recebidos). Na última década, o mundo assistiu a um fortalecimento da direita europeia e suas políticas conservadoras, muitas vezes xenófobas. Quadro que, para o cientista social e mestre em Relações Internacionais Arthur Bernardes do Amaral, é uma espécie de involução. "A Europa está em franca decadência. Era um exemplo, agora é o contrário", diz.

Morte do mito e persistência do medo
O outro ponto relacionado às revoltas árabes está ligado ao homem mais procurado na última década. "Osama bin Laden morreu duas vezes", afirma Maurício Santoro. "A primeira morte foi política. Ela aconteceu quando os países do norte da África e alguns países do Oriente Médio, como Iêmen e Síria, se rebelaram contra seus regimes autoritários, mas não optaram pelo caminho da Al-Qaeda, não optaram por um programa político fundamentalista religioso", explica. Ou seja, quando os soldados das forças especiais do exército americano invadiram a mansão de Bin Laden na cidade paquistanesa de Abbottabad, no dia 2 de maio deste ano, as ideias do maior terrorista de todos os tempos já estavam muito enfraquecidas, senão mortas.

E sem a força da imagem do terrorista saudita, a Al-Qaeda tende a perder definitivamente a unidade, e o terrorismo, a mudar. "Não digo que esta morte vai acabar com o terrorismo de um dia para o outro. Mas a perspectiva que o sustentava, a de um conflito longo de civilizações, da guerra contra a América e o que ela representava para o Ocidente e para parte do Islã, acabou", diz o filósofo e sociólogo francês Yves-Charles Zarka, para quem a guerra acabou, mas o medo segue presente. Porque, no século XXI, o temor relacionado ao terrorismo transcende o próprio terror. "Se o terrorismo é filho dos novos tempos, a ansiedade também é. Estamos diante de tempos muito ansiosos, muito acelerados", diz Daniel Santiago Chaves, pesquisador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacando o uso da ansiedade como componente político.

Opinião parecida tem Sabrina Evangelista Medeiros, professora da Escola de Guerra Naval e do Programa de Pós Graduação de História Comparada da UFRJ. "Vivemos em um mundo mais paranoico. Existe uma ansiedade muito grande em relação aos bens materiais e à prosperidade individual", afirma. Ambos, no entanto, chamam a atenção para os avanços dos últimos anos, principalmente da tecnologia e das comunicações. Isso faz com que a balança da vida na contemporaneidade se equilibre. "Prefiro viver nesse mundo desenvolvido em vez de há 30 anos, embora eu tenha muito mais dificuldade de ser feliz", resume Sabrina.

Novos atores para um novo mundo
A percepção desses historiadores sobre o mundo após o 11 de setembro tem um caráter muito mais existencial do que político. Sob este ponto de vista, os atentados de 2001 foram o clímax de mudanças que vinham ocorrendo desde o fim da Guerra Fria. Nesse sentido, os últimos dez anos estão servindo para o mundo se acostumar com esse cenário novo, em que a hegemonia americana dá, aos poucos, lugar para a participação de outros atores. "Aquele mundo unipolar de antes, se já não passou, está passando rapidamente", pontua Maurício Santoro. E este mundo de um poder global mais difuso, segundo ele, é mais interessante do que era dez anos atrás. Porque surgiram, no cenário internacional, vozes diferentes daquelas consideradas hegemônicas até então, como o Brasil.

"O Brasil tem uma tradição diplomática muito forte, de pelo menos uns 100 anos, de se colocar como um intermediário entre as grandes potências e os países pobres. Toda essa tradição está muito reforçada agora por conta dessas dificuldades envolvendo a Europa e os Estados Unidos. Esse vácuo de política acaba favorecendo o País, uma nação que se coloca internacionalmente como um ator cada vez mais capaz de fazer essas pontes", explica Santoro. Assim, a ascensão brasileira pode servir para catalisar uma capacidade maior de diálogo entre os povos.

Essa capacidade não morreu e foi muito bem representada pelas palavras do premiê norueguês, Jens Stoltenberg, ao se pronunciar sobre os atentados terroristas cometidos por um extremista de direita, quando 77 pessoas morreram. "Ninguém vai nos silenciar com bombas, ninguém vai nos silenciar com tiros. A resposta da Noruega à violência é mais democracia, mais abertura e mais participação política". Se compararmos com as palavras de Bush após o 11 de setembro de 2001, podemos dizer que evoluímos nestes dez anos.

* Lúcia Müzell, Mariana Bittencourt e Gonçalo Valduga colaboraram na reportagem.

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